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“Estava à espera de um mês muito difícil, mas não de dois, três ou quatro”, comenta Nélia Cardoso. A jurista de 34 anos tentou precaver-se ao ler o máximo possível sobre o sono dos bebés, mas houve pouco consolo na informação difusa e por vezes antagónica que encontrou. Nos primeiros três meses de vida, a bebé chorava muito durante o dia e só se acalmava quando embrulhada num pano que se tornou numa espécie de segunda barriga. Ao quarto mês o cenário piorou ainda mais: “A determinado momento fiquei obcecada com as sestas e comecei a viver em função do sono dela. Deixei de visitar os meus pais porque batia com a sesta dela”. São preocupações legítimas, assegura, mas que precisam de ser doseadas. “Demorei meses a encontrar alguma paz.”
Foi o desespero, por volta dos seis ou sete meses da filha, que encurtou o caminho entre Nélia e uma consultora do sono que a ajudou a desbravar pela informação que já tinha recolhido. A experiência, que incluiu mudar a filha de quarto porque o berço junto à cama dos pais começava a ser pequeno, melhorou a vida da jurista e, embora tenha gostado da consultora, sentiu que, se fosse ela, teria tido uma abordagem ligeiramente diferente — o suficiente para querer fazer as coisas à sua maneira.
“Ela apresentou-me um pacote para a minha bebé e não me identifiquei totalmente“, comenta. Inspirada pela necessidade, fez vários cursos dedicados ao sono dos bebés — daqueles by the book a outros mais intuitivos, essencialmente baseados nos ritmos circadianos do bebé. Fez tantos cursos que tornou-se ela própria numa consultora que advoga uma abordagem mais personalizada, da qual o choro não faz parte. “Não quero simplesmente dar uma consulta, não tenho uma fórmula mágica. Quero fazer um programa de acompanhamento que dure algumas semanas com a família e tentar construir uma coisa sólida”, garante. Apesar de ainda não ter formalizado o negócio, já deu algumas consultas e garante que tem falado com muitas mães e muitos pais para perceber o que é que mais procuram, sendo que a dificuldade tende a ser sempre a mesma: não conseguem dormir porque o bebé também não.
“Cada vez é mais frequente haver pessoas desesperadas”
O sono dos bebés é um dos principais desafios da parentalidade e, também, um dos primeiros assuntos sobre os quais os pais são interrogados: “Então, dorme bem?” ou “Já dorme a noite toda?” são das perguntas mais comuns, garantem os pais consultados pelo Observador. O tema é pouco consensual e abundam os métodos de treino de sono.
Esses métodos de treino de sono têm por base a autonomia do sono do bebé. Ao Observador, Maria Helena Estevão, membro da direção da Associação Portuguesa de Sono, explica que há dois tipos: aquele mais standard (aludindo ao “mais radical” método Ferber, que implica deitar a criança e não atender ao choro dela “quase até à manhã seguinte”) e outro que se baseia na extinção gradual (implica não atender ao chamamento por períodos de tempo crescentes, algo que deve ser adaptado a cada criança). Nenhum deles é fácil de pôr em prática, diz.
Os métodos de extinção gradual das ajudas dos pais para adormecer devem ser aplicados quando existe dificuldade em adormecer e quando ocorrem muitos despertares. Maria Helena, pediatra com competência em Medicina do Sono que dá consultas de patologia do sono da criança na Unidade de Medicina do Sono do Centro Cirúrgico de Coimbra, explica que o prolongamento do despertar noturno está relacionado com a maneira como o bebé adormece no início da noite e alerta que nenhum método tem eficácia se não forem aplicadas as medidas de higiene do sono, como ter uma rotina do sono e o ambiente do quarto ser confortável (com uma temperatura amena e luminosidade pouco intensa). Importa também que a criança não tenha fome no momento de dormir — e deve-se deitar o bebé sonolento e não a dormir.
Como funciona o sono dos bebés? Algumas dicas de Maria Helena Estevão
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- “Temos vários ciclos do sono ao longo da noite. Cada ciclo é constituído por um sono REM e não sono REM. O conjunto desses dois estádios de sono formam um ciclo e esses ciclos são mais curtos num bebé do que num adulto”, assegura Maria Helena Estevão ao Observador.
- Se num bebé um ciclo pode demorar 60 minutos, no adulto pode chegar às 2 horas. No bebé, a transição do ciclo é balizada por um despertar que pode ser mais ativo. Se o bebé adormecer no início da noite com determinados rituais, ao longo da noite vai exigir a sua repetição. Por exemplo: se está habituado a adormecer à mama da mãe, quando voltar a acordar vai voltar querê-la (muitas vezes não vai beber nenhum leite, apenas fazer o movimento da sucção). O mesmo acontece face ao bebé que é embalado até adormecer. “Para os bebés é muito importante a rotina, até diria a monotonia.”
- Quando os bebés nascem ainda não têm o ciclo de organização dia/noite. Apenas começam a tê-lo pelos três ou quatro meses de idade. Por isso, nos dois meses de vida alguns não têm diferencial entre dia e noite. “As mães, logo que o bebé nasce, devem promover o máximo de interatividade durante o dia, dar o colo que precisam e o peito também; quando chega à noite é preciso diminuir a luminosidade do quarto, diminuir a interatividade com o bebé. Se o bebé choramingar de noite… não se deve dar mama de todas as vezes caso esteja a crescer bem. É preciso aprender a interpretar se é ou não fome.”
- Há muitos sintomas que são secundários a um défice de sono, diz ainda a pediatra que é membro da direção da Associação Portuguesa do Sono. “A maior parte das crianças não tem sonolência, elas ficam, ao invés, birrentas ou hiperativas. Muitas das crianças rotuladas hiperativas o que tem é défice de sono.”
“Há autores que dizem e pais que pensam que não devem deixar o bebé chorar, mas nos acordares noturnos os pais têm tendência a mexer no bebé. E o facto de o bebé vocalizar o despertar, choramingar, não quer dizer que esteja a manifestar uma necessidade. Os pais têm de ir gradualmente esperando mais tempo”, defende. Questionada sobre se tal pode afetar a vinculação entre pai e filho, a pediatra assegura que “não há propriamente nenhum estudo em que a criança com este esquema possa ter alterações no seu desenvolvimento”. O atendimento durante a noite, diz, não implica pegar no bebé. Tem de ser, ao invés, o mais monótono possível, o menos interativo possível. Ainda assim, “se o bebé começar a chorar, a chorar, ai têm de pegar”: “Não defendo medidas extremistas.”
As consultas que dá, diz, demoram muito tempo uma vez que só assim é possível perceber a dinâmica da família, até porque “nunca nenhum programa é igual”. Maria Helena observa ainda que “cada vez é mais frequente haver pessoas desesperadas” e alerta para “uma coisa a que não se dá muita atenção”: a qualidade do sono e a qualidade de vida da mãe. “A mãe não pode só atender o bebé. O sono REM é o mais abundante na última parte da noite. Quem tem pouco sono, tem pouco sono REM, que é muito importante para a organização mental. Quando dormimos pouco, podemos estar repousados fisicamente mas a cabeça não está igual”, assegura, admitindo depois que já pensou “mil vezes” no caso da mãe cuja criança ficou alegadamente esquecida no carro, em Lisboa, no começo deste mês.
A dificuldade em perceber o que está certo e a ânsia de enfrentar o sono dos bebés é real. Três meses antes de o Francisco nascer já Inês Simões estava agarrada aos livros e a navegar na internet. Como toda a gente falava do tema, decidiu informar-se. Se no primeiro mês de vida não fez nada, deixando-o dormir às horas que fosse, ao fim desse tempo começou a implementar rotinas, ajustando ao seu bebé um método de treino de sono que já antes tinha consultado. “Acho que os bebés não têm manhas, precisam é de rotinas”, diz.
Ao Observador, descreve a rotina do deitar, que acontece todos os dias à mesma hora, de maneira a potenciar a autonomia do sono: começa por dar-lhe banho ao final do dia e, de seguida, dá de mamar; depois de adormecer na mama, Inês acorda o filho, não o deixando completamente desperto; deita-o na cama e diz a frase ‘Boa noite’. Quando ainda não adormecia sozinho, Inês ficava a observar o filho através de uma câmara e voltava para acalmá-lo sempre que acontecia um despertar — fazia-o sem pegar ao colo ou dar de mamar. Durante duas semanas foi assim. Agora, mete-o na cama e ele já adormece sem ajuda. No processo, esclarece, nunca o deixou a chorar. “Às vezes estava 40 a 45 minutos com o Francisco até ele adormecer, usava a técnica do ‘shhhh'”, acrescenta.
Apesar do retrocesso aos quatro meses, neste momento o Francisco só acorda uma vez por noite, funciona como um relógio. Mais complicada é a rotina de dia: “Não consigo usar o método completamente durante o dia. Caso não consiga acalmá-lo na cama, faço-o no colo e tento adormecê-lo de qualquer das formas. O que me importa é que ele durma, mas há o sentimento de perceber que ele vai ser menos autónomo nas sestas de dia e que, quando for para um infantário, vai ser mais complicado. O problema é pensar que a longo prazo não o estamos a ajudar”.
“É preciso bom senso quando o que se pretende é a autonomia do bebé”
A Sociedade de Pediatria do Neurodesenvolvimento, integrada na Sociedade Portuguesa de Pediatria, não tem propriamente um consenso a este nível, garante o seu vice-presente, Filipe Glória e Silva. Talvez a questão mais polémica em torno dos treinos de sono seja a “visão um pouco mecanicista dos bebés, como se fossem uma máquina ou um animal amestrado”. É preciso perceber que há muitos fatores que tornam o sono mais complexo, sobretudo o temperamento dos bebés, pelo que alguns métodos podem ser muito rígidos: “Estabelecem preceitos que não podem ser modificados ou preconizam que o bebé chore por longos períodos sem assistência”. Felizmente, assegura, “a maior parte dos pais latinos não consegue pôr isso em prática”, até porque deixar um bebé a chorar por tempo prolongado pode ser percecionado como abandono. “Tem de haver um meio termo e bom senso quando o que se pretende é a autonomia dos bebés.”
3 mitos do sono dos bebés
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1. Todos os bebés têm de dormir muitas horas por dia para não prejudicarem o seu desenvolvimento cerebral.
– “O tempo de sono necessário pode variar bastante de bebé para bebé. Uns dormem mais, outros dormem menos”, diz Filipe Glória e Silva.
2. Existem técnicas que ensinam os bebés a dormir a noite toda.
– “Dormir é um fenómeno natural. Existem princípios que facilitam a consolidação do sono mas não devem aplicados de forma rígida e não têm sucesso garantido. É necessário conhecer e respeitar cada bebé e sua família”, assegura o pediatra.
3. Se a criança não dormir durante o dia vai chegar mais cansada à noite e dormir melhor.
– “As crianças maiores e os adultos têm dois mecanismos — a produção da melatonina e de cortisol que se entrecruzam na organização do sono. O cortisol vai-se acumulando ao longo do dia e vai interferindo com a nossa propensão para o sono. As crianças pequenas não têm essa capacidade; ao fim de três ou quatro horas precisam de dormir, caso contrário, ficam com uma irritabilidade enorme e isso vai dificultar o período de sono seguinte”, assegura Maria Helena Estevão.
O também pediatra, cuja tese de doutoramento se debruçou sobre os hábitos dos sonos das crianças portuguesas dos dois aos três anos, lembra o método do espanhol Eduard Estivill — que defende que “pais inseguros criam filhos inseguros” —, que preconiza deixar a criança chorar durante uns minutos. “Pode haver crianças em que resulte, noutras vai gerar picos de ansiedade e stress que, de facto, não é bom em termos de desenvolvimento e relacionamento com o cuidador. Mas pode haver esses treinos com mais moderação e respeito.”
“Há um principio no seguimento pediátrico que diz respeito aos conselhos preventivos do sono”, diz, dando os seguintes exemplos: não adormecer a criança ao colo para sempre, tentar que esta adormeça na sua cama no início da noite e que tenha tempo adequado de sono. “Penso que a maior parte dos pediatras não são fundamentalistas, temos de respeitar a dinâmica de família. Os pais que procuram ajuda são pais que estão muito desgastados com o sono difícil da criança”, esclarece. “Não é obrigatório dormir de uma maneira, mas precisamos de garantir que existe um sono reparador para a criança e, dentro do possível, para os pais.”
O pediatra lembra ainda a existência de estudos que testam a eficácia destas intervenções comportamentais sem danos associados, embora reconheça também que esse é um saco onde cabe uma heterogeneidade de práticas. Filipe Glória e Silva defende ainda que os pais devem ter expetativas realistas, como não dar azo à ideia de que um bebé de dois meses deve conseguir dormir a noite toda.
Questionado sobre a partir de que idade se podem aplicar métodos de treino de sono, o pediatra lembra que existe um processo fundamental no desenvolvimento das crianças chamado vinculação, isto é, nos primeiros quatro meses a criança precisa de receber a mensagem de que o cuidador principal está disponível, que a atende quando ela o chama. “Não vejo problema nenhum em adormecer uma criança ao colo. Se não for agora é quando?”, lança a pergunta, para depois falar no colo como símbolo do afeto e do crescer. “As pessoas querem tudo standardizado, mas é preciso respeitar o temperamento das crianças e conhecer o bebé que nos calhou. Também acho importante as mães seguirem o seu instinto.”
“A Clara não dorme muito durante o dia, não posso carregar num botão”, desabafa Joana Amador, de 38 anos. A menina de seis meses acaba por exigir mais atenção durante as horas diurnas e, embora a mãe considere importante que existam regras, não pode “simplesmente obrigá-la a dormir”. “À noite tem de dormir, mas se tiver de esperar mais meia hora, não estou ali a massacrá-la. Cada bebé é um bebé e acho que temos de reconhecer o bebé que temos. Leio muita coisa, mas acho que ainda consigo fazer triagem”, diz, referindo-se a estratégias que resultam, como embalar ao colo ou procurar à hora certa um sítio mais escuro. “Chorar para adormecer? Nem pensar. Ela ficaria em ansiedade, é uma bolinha de neve.”
Joana, que é técnica de farmácia, conta ainda que vende muita melatonina em forma sintética para ajudar a regular o sono dos mais novos. Questionado sobre que tipo de produtos farmacológicos destinados ao sono do bebé/crianças existem no mercado, Filipe Glória e Silva explica que “existem chás e suplementos com extratos de plantas e/ou com melatonina”. “Existem formulações de melatonina nas farmácias, de venda livre, que podem ser administrados em bebés a partir de certa idade. A utilização de medicamentos para o sono nas crianças deve ser uma situação excecional e temporária, decidida caso a caso, com critério clínico, por tempo limitado, sem descurar uma avaliação detalhada da situação e medidas de natureza comportamental.”
“Isto torna-se numa indústria, criam-se pacotes de formação”
Também Maria Filomena Gaspar, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra, explica que há diferentes formas de olhar o sono do bebé, incluindo modelos mais ligados à neurologia, outros à neuropsicologia e até psicologia. “O pediatra é o profissional de primeira linha e em quem os pais confiam. Para mim, isto não é negativo”, diz, lembrando que há diferentes fundamentos para cada uma destas opções. Já a informação que circula na internet, atesta, pode ser perigosa. Mas a docente vai mais longe: “Isto torna-se numa indústria, criam-se pacotes de formação. Há uma indústria que cresce em torno do bebé, uma componente económica oculta que, às vezes, não nos apercebemos que existe.”
Um inquérito sobre consultores de sono publicado na Behavioral Sleep Medicine em 2018, citada pela publicação Vox, mostrou que estes especialistas trabalhavam nas respetivas funções, em média, há quatro anos. Parece uma solução recente para um problema eterno. O pediatra Filipe Glória e Silva, da Sociedade de Pediatria de Neurodesenvolvimento, reconhece que, em Portugal, não existe qualquer organismo que certifique as consultoras do sono e que esta não é uma área regulamentada. Ainda assim, garante que tem boas experiências com consultoras, que já antes, aquando da chegada dos pais ao consultório pediátrico, adiantaram aspetos importantes como as rotinas para a adormecer, tidas como “princípios universais”. “Não tenho má experiência, contudo reconheço que, sendo uma área que não está regulamentada, podem existir bons e maus profissionais.”
Às consultoras do sono acrescem os muitos títulos dedicados ao tema, bem como os gadgets que prometem noites mais tranquilas — um exemplo muito citado na imprensa norte-americana é o de Harvey Karp, autor conceituado, que vende na sua página online produtos como um berço de 1.300 dólares que embala o bebé. Em 2017, o portal The Market Place escrevia que, nos EUA, a indústria do sono infantil valia mais do que 325 milhões de dólares por ano, de acordo com números cedidos por empresas à Juvenile Products Manufacturers Association.
A João Silva e à mulher não houve gadget que salvasse a situação lá em casa. Com o primeiro filho “correu tudo lindamente”, ele que aos nove meses já dormia a noite toda e, oito anos depois, continua a adormecer numa questão de minutos. Já o irmão mais novo é um caso completamente diferente. “O tempo foi passando e ele continuava a fazer horários de bebé, a acordar de três em três horas, a berrar para beber leite.” Na pior fase, o casal recorda que dormia menos de cinco horas por noite: “Foi mesmo difícil. Nunca pensei que isso fosse acontecer depois da primeira experiência”. Não descurando um problema respiratório que resultou numa operação quando o filho tinha dois anos, o sono deste continua a ser leve e fazer sestas ainda é, aos quatro anos de idade, um desafio.
Na urgência e necessidade de o adormecer, os pais deram por si a fazer “alguns disparates”, como dar leite a cada despertar. Quando mudaram de pediatra — nunca recorreram a uma consultora do sono, apesar de o terem ponderado — foram aconselhados a terminar com essa muleta. “Nas primeiras noites berrou, mas acabou por se adaptar e começou a fazer muito mais horas seguidas. Hoje continua acordar, mas num contexto normal. Há noites em que já dorme a noite toda.” Mais complicada, diz João, foi a adaptação aos horários da pandemia, com o confinamento a deixá-lo menos cansado e mais resistente ao sono.
“Continua a ser completamente inovador dizer que não tenho problemas com o colo”
Constança Cordeiro Ferreira, que não se identifica como consultora do sono, não é médica ou enfermeira, mas sim terapeuta de bebés (tem vindo a desenvolver formação na área da saúde perinatal e nas estratégias de toque) — Rita Redshoes e Ana Markl são exemplo de clientes satisfeitas. Trabalha com uma equipa multidisciplinar no Centro do Bebé, em Lisboa, e é conhecida como a “fada dos bebés” — uma alcunha dada pelos pais que já ajudou. Recentemente lançou um novo livro, “Dias Felizes, Noites Tranquilas”, onde apresenta um método que criou depois de trabalhar com 5 mil bebés. Ao Observador comenta, à semelhança do que disse na entrevista em 2015, que a parentalidade continua “demasiado cheia de instruções”.
3 perguntas a Constança Cordeiro Ferreira
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- Como funciona este método?
As ideias-chave são estratégias práticas assentes no que acontece nos bebés a partir dos quatro meses, em que temos já uma diferenciação dia/noite e isso significa que temos um bebé que vai ter um conjunto hormonal diferente, por exemplo, de manhã ou à noite, mas também a meio da manhã ou a meio da tarde. Esse ciclo circadiano é um pilar muito importante para termos em conta o que vamos propor ao bebé e em que estado é que ele está para o acolher em cada momento do dia. Uma das ferramentas é a criação do mapa do dia do bebé, depois é termos em conta que a partir dessa idade existe uma explosão — como se no primeiro trimestre o bebé estivesse a conhecer os fundamentos do mundo e, de repente, se vira-se para o mundo. E vira-se de várias formas: explorando, do ponto de vista motor, com curiosidade, virando-se para as outras pessoas, reconhecendo que há vida para além do colo da mãe, passando mais tempo acordado, colecionado muito mais informação.
Aqui entramos nos pormenores, que é, se eu recolho muito mais informação, e esta é a grande diferença, o sono vai servir o tempo acordado e vice-versa. Não podemos agarrar em alguém que está ocupadíssimo e, de repente, cortar completamente com as pontes todas que ele tem com o mundo — e num bebé isso são pontes sensoriais — inibi-las completamente e esperar que ele adormeça. Portanto, vamos ter aqui estratégias de organização da informação e de relaxamento. Depois temos coisas concretas que entram neste relaxamento: 1) as sestas vão ser todas tratadas de maneira diferente; 2) vamos fazer a distinção entre sonos nobres e sonos curtos, os sonos que pressupõem uma organização e uma continuidade porque têm de ser mais longos e mais estruturados e os sonos que são acessórios [respetivamente]; 3) vamos trabalhar muito no tempo acordado, que é aquela ideia do “triângulo estimulatório”, que é onde é que deve estar a maior carga estimulatória e o que devemos fazer antes de o bebé adormecer. Esses são os fundamentos. - A premissa do método passa por ficarmos mais atentos ao bebé e moldar o sono a ele e não o contrário, e tentar procurar as janelas de tempo em que ele precisa de ser estimulado ao invés de forçar a uma sesta, por exemplo?
Exatamente. Uma das coisas que acontece, e que os pais notam muito isso aos três ou quatro meses, é que o bebé começa a desenvolver uma enorme luta contra o sono diurno. E porquê? Porque os pais continuam a adormecê-los em slots horárias idênticas e da mesma forma que faziam quando ele era um recém-nascido que não consumia estes volumes de informação. Portanto, o bebé fica muito zangado porque ele agora é uma pessoa muito ocupada. O cérebro aceita desligar se tiver um motivo para isso. Isso é um equilíbrio entre a qualidade dos estímulos e a quantidade do tempo acordado — vai ser diferente aos quatro meses, aos nove meses, aos 18 meses, muito diferente do que era com um ou dois meses de vida. Os pais ficam com uma sensação muito grande controlo porque tinham uma rotina aos dois meses e, às vezes, estão a tentar continuar replicá-la aos quatro meses e o bebé zanga-se. - Porque é que acha que há tanto medo à volta do sono?
Falando da questão do recém-nascido, acho que começamos por complicar o sono logo à partida, mais uma vez por causa de teorias que acrescentam medo — as decisões baseadas em medo raramente são boas decisões. Muitas vezes, os pais já leram tanta coisa, já viram tanta informação que, de repente, têm um recém-nascido no colo e vão evitar dar-lhe tudo aquilo que daria um adormecer pacífico e uma boa relação com o sono. Portanto, logo aí começamos a ir pelo caminho mais difícil. Agora, a verdadeira luta contra o sono muitas vezes começa mais tarde e daí ter escrito este livro para os pais de bebés um bocadinho mais crescidos, porque a luta contra o sono começa quando o bebé ganha recursos para se manter acordado e isso é precisamente quando ele começa a ter um cérebro que consegue permanecer mais alerta. Isso acontece por volta dos três ou quatro meses. Às vezes recebo bebés com um ano e meio, dois anos, que adormecem às 00h ou às 01h, porque até lá estão a lutar contra o sono. E isto são famílias em que o sono se tornou uma guerra aberta. Muitas vezes vamos atrás e toda a relação com o sono foi sempre de conflito, desde o momento mais precoce — muito raramente por culpa dos pais, muito mais frequentemente por responsabilidade de se ter tornado o sono um problema logo desde início. Portanto, tornou-se o sono em algo muito difícil de fazer para o bebé e para os pais.
“Agora ainda mais porque nesta área, principalmente na do sono, parece que os pais têm de fazer uma licenciatura para conseguir ter bebés a dormir. Isto reflete-se numa enorme pressão sobre algo que, no fundo, é fisiológico”, diz. “Tenho a sensação que continua a ser completamente inovador eu dizer que não tenho problema nenhum com o colo no momento de dormir, com o mamar, que não é por aí que vamos ter problemas de sono. E isto continua a ser chocante para muitas pessoas.” Entre as principais críticas que faz dos treino de sono é a falta de individualização dos métodos e os possíveis impactos no bebé. “Uma vez que há um condicionamento do treino dos pais em ignorar os sinais que observam no bebé, nomeadamente ignorar o seu choro, há um risco real de estarmos a promover um corte nos mecanismos biológicos de interpretação do que o nosso bebé nos está a tentar dizer”.
Constança Cordeiro Ferreira afirma que os métodos de treino de sono funcionam a partir de “uma matriz onde se tenta que os bebés encaixem”. No método que criou acontece o contrário, garante. “Estudei milhares de bebés, observei-os, tirei conclusões e fui aplicando estratégias de relaxamento, de redução dos níveis de stress, com especificidade para o sono, ou seja, muito assente nos mecanismos fisiológicos do sono. Comecei a perceber que obtinha resultados. Sinto-me à vontade para dizer aos pais que é o meu método, a maneira como trabalho, porque parte da observação.”
“Um bebé saudável, em princípio, dorme bem se não lhe estragarem o sono”, atira a neurologista Teresa Paiva, considerada a maior especialista do sono em Portugal. Lembrando que há métodos recomendados por organizações internacionais com a American Sleep Association e a International Pediatric Sleep Association, diz que é sempre preciso fazer uma distinção inicial, isto é, perceber se a criança tem uma causa orgânica para não conseguir dormir ou uma causa comportamental. “Se for orgânica tem de ser tratada por especialistas, médicos. Se tiverem causas comportamentais, há regras para tratar, depende do problema, dos pais e do bebé”, explica, assegurando que “não existem métodos universais”. Pessoalmente, não gosta de deixar a criança a chorar. “Há outros métodos que não implicam deixá-la a chorar indefinidamente. Faço um método que é bastante mais complexo, que implica perceber a mãe, o pai e, às vezes, a avó. É muito mais personalizado e passa sempre por um fading out, isto é, extinção gradual.”
Nélia Cardoso, que entretanto se tornou numa consultora de bebés, esclarece que não tem background em medicina — tirou formações à distância, incluindo cursos nos EUA e no Reino Unido, e ainda uma certificação australiana — e acredita que, caso não haja problemas de saúde associados, este é um tema que não tem de estar reservado a profissionais de saúde. Deixa ainda a seguinte reflexão: “Não se mede a qualidade da parentalidade pelo sono do bebé”.