A impressão 3D não é uma tecnologia nova mas está, finalmente, a afirmar-se como algo verdadeiramente revolucionário. Em algumas indústrias, a tecnologia será uma ferramenta essencial, em outras poderá mesmo alterar os modelos de produção de forma profunda. Mas a revolução não irá acontecer apenas nas fábricas: a impressão 3D vai mudar a forma como as empresas fazem os produtos que nós queremos comprar, vai mudar a forma como esses produtos chegam até nós e vai permitir que sejam adaptados a nós como nunca foi possível. Mas a impressão 3D pode, também, fazer de cada um de nós um criador, como se cada um de nós tivesse uma fábrica em casa.
Esta é a expectativa de José Correia, diretor-geral da HP Portugal, uma empresa que já criou uma unidade autónoma para acompanhar esta revolução — e, sobretudo, ajudar a que ela aconteça.
Bill Gates disse, no início da década de 80, que ia haver um PC em cada casa. Na impressão 3D, na ótica do consumo, pode aplicar-se o mesmo?
Tenho alguma dificuldade em olhar para o futuro e ver as coisas assim, num horizonte a 10 ou 15 anos. A impressão em 3D, para ter boa qualidade, fiabilidade, rapidez e precisão são necessários equipamentos com um nível e um custo elevado.
Então… uma impressora 3D em cada esquina?
É como a ideia que tínhamos, há uns anos, de que as pessoas iam deixar de imprimir fotografias nas lojas e que passariam a imprimi-las em casa, nas suas impressoras. A verdade é que isso existe – nós temos alguns equipamentos muito específicos (até uma impressora de bolso para imprimir diretamente dos nossos smartphones) – mas a impressão em massa não é feita assim. As pessoas ou não imprimem ou, se quiserem imprimir muitas fotografias, vão a um prestador de serviço, porque é mais barato e mais prático. Acredito que na impressão 3D pode acontecer o mesmo. Porque, no final, as pessoas vão querer qualidade, vão querer rapidez e tudo a um preço adequado. E não é imediato que isso se consiga em impressoras de ter em casa. Hoje em dia, em várias lojas abertas ao público existem impressoras 3D, mas ainda é algo muito direcionado para os techies, isto é, quando parte aquela peça, vão à Internet, tiram a imagem e vão imprimir. Em contraste, o mercado de massa quer as coisas a funcionar, com perfeição. Numa tecnologia que ainda está numa fase de early adoption, o processo ainda não é assim tão isento de problemas.
As pessoas, no geral, ouvem falar mas ainda não sabem bem o que é a impressão 3D, ou pode vir a ser…
A sensação que tenho é que a impressão 3D ainda é vista como um gadget, como algo para o miúdo que está com o seu grupo de amigos na garagem, que é um mãozinhas, que agora decidiu comprar por 1.000 euros, na Internet, uma impressora. Mas vale a pena referir que há uma grande distância entre aquilo que é um produto acabado numa dessas máquinas e aquilo que nós queremos que seja um produto acabado para incorporar nas nossas vidas.
Por exemplo…
Uns óculos de massa, por exemplo. Hoje em dia as impressoras já podem fazer óculos, personalizáveis, de vários materiais. Mas eu não vou querer andar com uns óculos na cara que foram impressos numa impressora 3D dessas de 1.000 euros, porque o produto acabado ainda é muito bruto, rude. Para usar na minha vida é preciso um trabalho de acabamento muito importante: o lixar, o assegurar que a superfície é totalmente lisa, que não tem arestas que não queremos… Quando empresas como a HP e outras forem capazes de dar este passo, com uma exigência maior, aí poderemos criar coisas que podemos transacionar entre nós e, aí, pode haver condições para que a impressão 3D comece a seguir um caminho de grande escala.
Um caminho, portanto, que não passa por uma impressora em cada casa, como dizia há pouco?
Não para já. Acho que a entrada no mainstream não vai ser por aí. Acho que vamos começar por criar os designs, trocar com os amigos e depois mandar imprimir numa Fnac ou numa Staples. E, depois, ir buscar a peça dali a uns minutos. Essas cadeias de retalho vão ver, a certa altura, uma oportunidade de negócio e vão apostar na impressão 3D. Talvez no espaço de cinco anos. Para já, será um pouco como as máquinas fotocopiadoras. Já há muitos anos que as pessoas preferem ir a um service provider tirar algumas fotocópias, em vez de ter uma fotocopiadora em casa. Porque, na loja, temos um preço que faz sentido e a certeza de que a loja tem equipamentos avançados. Além disso, as novas gerações têm um sentimento de propriedade diferente das gerações anteriores, pelo que o modelo pay-per-use é o mais importante.
Como é que a HP se está a preparar para esse cenário?
Eu acredito que dentro de 5, 6, 7 anos poderemos ter um ecossistema de service providers que podem estar certificados para imprimir determinados produtos, de determinadas marcas. Ou seja, se eu tiver uma marca de luxo e, inevitavelmente, eu tiver de entrar no mercado de 3D – muitas vezes nem é pela faturação, é por “ter de estar”, porque “tenho de acompanhar”, como há alguns anos muitas marcas de vestuário desdenhavam o online e agora todas têm uma app. Mas, dizia eu, se eu tiver uma marca que produz um colar, um relógio, uma capa de telemóvel, eu posso ter de liberalizar a produção e, em vez de entregar o produto passado uns dias (indo da fábrica, para a distribuidora, para o cliente, por correio) o que o cliente pode fazer é comprar, recebe o ficheiro e depois há uma lista de service providers certificados para imprimir com a qualidade exigida.
As tais Fnac, ou Staples — e onde é que entra a HP nesse modelo de negócio?
Onde a HP está é na criação de máquinas — lançámos os primeiros modelos no final do ano passado, com as primeiras instalações em alguns clientes — equipamentos vocacionados para a parte comercial e industrial. Numa primeira fase, a indústria está muito virada para a prototipagem e para a produção em pequena escala, em pequenas tiradas de volume. E estamos a trabalhar, por exemplo, com a Nike para garantir que os nossos equipamentos têm a qualidade que estas marcas exigem para fazer sair por aí os seus produtos.
A impressão 3D, no âmbito retalhista, ligado aos bens de consumo, pode alterar o modelo de negócio que existe hoje? De produção em massa de artigos, como os ténis da Nike, que acaba de mencionar?
O 3D nunca vai competir com a produção em massa, por via dos custos. Será sempre mais barato produzir em massa, de forma padronizada. A diferença estará na personalização, na fidelização a uma marca, no valor acrescentado. Eu hoje compro todas as minhas camisas online, e a razão principal para eu fazer isso é que têm o meu tamanho e o corte que me assenta melhor. Não tenho de experimentar, não tenho de ver se serve ou não. Tenho um catálogo com os tecidos e escolho. Na Nike, se eu comprar um sapato que me serve, vou ter uma maior probabilidade de que na próxima vez que precisar de um par de ténis, volte à mesma marca porque ela tem os dados sobre o meu pé. E essa palmilha pode ser imprimida em 3D, recolhida numa loja e aplicada no ténis.
Em que outros setores é que estão, ou esperam estar, envolvidos?
A HP vai trabalhar, numa primeira fase, com várias indústrias. Uma é a indústria automóvel, que tem muitas necessidades de prototipagem. Uma das primeiras instalações fizemos foi no ano passado, na BMW, que é um dos nossos grandes parceiros nesta área. Querem desenvolver pequenas peças que, doutra forma, torna-se mais oneroso e demora mais tempo. Depois, também na área do bens de consumo, incluindo a Nike e outras, como já referi. Também na área da saúde, temos uma parceria com a Jonhson&Johnson na área dos cuidados de saúde. Trabalhamos com empresas para aplicar a nossa tecnologia mas, também, para criar materiais que possam ser disruptores — com empresas como a BASF, que estão a pensar connosco sobre em que materiais poderemos imprimir.
E o que concluíram, até agora, no que diz respeito aos materiais que podem ser usados?
Hoje usa-se sobretudo os compósitos de plástico, na impressão 3D. No futuro, que se quer próximo, podemos pensar em ligas cerâmicas, em ligas metálicas, em mistura de materiais esponjosos com plástico até materiais que, depois de impressos e sujeitos a uma determinada temperatura, por exemplo, podem transformar-se e adaptar-se. A impressão 3D é uma parte fundamental da chamada quarta revolução industrial — não sei se é exagero dizer isso mas que a disrupção vai ser grande, vai, e as empresas vão ter de se adaptar.
Falou há pouco de se criar um mercado em que poderemos transacionar entre nós designs 3D, que depois qualquer um pode imprimir. Como é que se vai lidar com questões como os direitos de autor, nesse contexto, quando os ficheiros estiverem a circular na Internet?
A HP também está a trabalhar nessa área, para ser capaz de introduzir, dentro deste tipo de equipamentos, códigos que possam ser identificados. Uma vertente disso é a proteção de direitos de autor, no sentido de permitir ou não a impressão de um determinado ficheiro. Depois, na área da segurança, poderemos introduzir códigos que sejam impercetíveis no objeto, a olho nu, mas que se consigam ler. O tema da segurança e o respeito pelos direitos de autor são muito importantes para nós.
Mas este será um mercado tendencialmente proprietário ou open source (código aberto)?
Haverá sempre as peças de autor e as peças de “desenho aberto”, os produtos que podem ser livremente replicados e utilizados por todos. É como as apps à borla ou muito baratas, para o smartphone. Nesse momento, vai acontecer o mesmo. Precisamos de um objeto e vamos a uma espécie de loja encontrar o que se ajusta melhor ao que precisamos. Qualquer pessoa pode comprar e qualquer pessoa pode ser criadora, daí que se gere um mercado.
Um mercado em que todos podem criar e todos podem comprar?
Vamos conseguir criar objetos móveis nos smartphones, nos dispositivos móveis. Pense no seguinte: vimos nos últimos tempos muitos empreendedores a começar a vender produtos através do Facebook: bolos, malhas, tudo. O Facebook, pela montra que é, houve muitos que viram aí um canal comercial que antes lhe estava vedado. A impressão 3D é algo ainda mais além. Neste momento, se temos uma ideia para um produto, temos de fazer um protótipo em madeira ou em gesso, temos de arranjar dinheiro para mandar construir um molde para injetar plástico… claro que, assim, 99% das ideias ficam pelo caminho.
E com a impressão 3D…?
A impressão 3D vai abrir este novo espaço. Tem um ideia, consegue digitalizá-la, ou seja, passá-la para um ficheiro, manda imprimir e testa o produto, consegue introduzir valor acrescentado de variadíssimas formas. Não tem de fazer stock, não tem de fazer grande investimento, não há desperdício. Se não conseguir vender, não corre mal, se conseguir que corra bem, será um sucesso. O 3D vai trazer uma nova dinâmica neste campo. São negócios marginais mas, ainda assim, são muito interessantes porque potenciam uma economia de proximidade, em que qualquer pessoa pode ter a sua fábrica sem precisar de ter uma fábrica.
E na indústria? Falámos da prototipagem, mas dê-me mais exemplos de como a impressão 3D pode ser revolucionária, no curto médio prazo.
Pense na indústria de exploração petrolífera. Nas plataformas existe quase sempre um grande armazém que tem duas ou três peças suplentes de praticamente tudo o que existe lá dentro. Porque falhar alguma coisa e ter a plataforma parada umas horas ou uns dias, até chegar uma nova peça de helicóptero, por exemplo, estamos a falar de milhões em prejuízo. Em vez de ter dois ou três milhões de euros empatados em peças sobressalentes que vou ter de substituir dali a três ou quatro anos, porque entretanto ficam obsoletas ou enferrujaram, se calhar prefiro ter lá uma impressora que consiga produzir uma peça que aguente uns dias, como se fosse um pneu sobressalente, enquanto chega de helicóptero uma nova peça de substituição. É fácil imaginar um mercado para isto.
Mas, voltando um pouco atrás, já se ouve falar na impressão 3D há muito tempo. Porque é que acha que será agora que irá arrancar em definitivo?
Sim, nós na HP já temos esta tecnologia há mais de 10 anos. Mas nunca passou dali porque não se encontrou, ainda, o modelo de negócio. O mercado ainda não estava 100% recetivo para esse tema. Ainda era uma coisa muito de nicho. Para nós, o que nos interessa é a venda do equipamento mas, também, todo o negócio que está por trás, a criação de materiais e novas utilizações. Porque vender a impressora, só por si, não é o caminho — se calhar, em Portugal teríamos mercado para 50 ou 100 impressoras deste calibre mais elevado, vendendo a empresas.
É um mercado pequeno, para já pelo menos…
O negócio da instalação, por si só, não nos é particularmente interessante. Mais do que andar a conquistar quota de mercado, queremos desenvolver o mercado, ajudar a fazê-lo a crescer, para que a impressão 3D possa num curto espaço de tempo chegar ao mass market.
Quais são os primeiros produtos que vê o mass market a poder imprimir?
Já falámos das palmilhas dos ténis, o que dá uma ideia do tipo de coisas que rapidamente serão vulgares, dentro de alguns anos. Com a impressão 3D, continuará a ter dificuldade em imprimir uma bicicleta, obviamente, mas irá conseguir imprimir peças para personalizar a bicicleta. Poderá imprimir peças para coisas que se estraguem em casa. Um exemplo: porque é que o IKEA não há de permitir que eu imprima uma peça que eu preciso, com rótulo “design by ikea“? Vamos supor que perde a tampa de uma máquina fotográfica. A loja onde comprou pode não ter stock para substituir, exatamente o seu modelo. Pode perfeitamente imprimir uma nova tampa, certificada pela marca.
Quais são os próximos passos da HP na área da impressão 3D?
Vamos introduzir os equipamentos em maio, vão estar disponíveis em Portugal. Há um caminho a fazer e, neste momento, o que estamos a fazer agora é recrutar parceiros especializados nesta área, porque nós somos newcomers: temos a tecnologia, desenvolvemo-la, temos uma profunda convicção de que estamos no caminho certo e que esta é uma das tecnologias com grande capacidade para revolucionar o mercado, mas vamos ter de nos socorrer de quem entende o mercado na vertente da comercialização.
O enfoque será, contudo, o comercial e o industrial, correto?
Nós comercializamos produtos industriais, nomeadamente impressoras de grande impressão e vários produtos de impressão industrial. Conhecemos bem a parte industrial da impressão física, de documentos, de materiais. Temos impressoras que têm um comprimento maior do que esta sala [20 metros quadrados, sensivelmente], que fazem aquelas lonas para cobrir os edifícios que estão em obras. A HP tem uma oferta de equipamentos de impressão desde 49 euros até impressoras de um milhão de dólares. Agora, falamos de outro tipo de empresas, envolvidas na prototipagem e na indústria de moldes para pequenas tiragens.
"Para crescer é preciso estabilidade política"
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“Para crescer é preciso que haja estabilidade política, que no ano passado não existiu sobretudo na primeira metade do ano. Independentemente de uns gostarem mais do que outros do que existe, a verdade é que existe uma certa estabilidade. Havia quem dissesse que, na altura que fosse negociado o Orçamento do Estado, o Governo iria cair nessa altura. É importante para nós a estabilidade, o País não se desenvolve com um Estado que não decide, que não avance, e num país em que o Estado tem um peso na economia como tem em Portugal, [a falta de estabilidade] acaba por ter consequências: pode atrasar pagamentos, adiar encomendas, há sempre um efeito. Neste momento, o que está a ajudar é a estabilidade política, porque ajuda a tornar as empresas mais disponíveis para investir.”
José Correia, diretor-geral da HP Portugal
Para terminarmos, fale-me de como tem corrido a cisão da HP em Portugal.
Claro. Nós fizemos em novembro um ano que a HP se separou em HP Enterprise e HP Inc. (HP Portugal). Foi uma das maiores cisões no mundo empresarial global, uma empresa com 270 mil empregados e uma faturação de 115 mil milhões de dólares. A HP sentiu que para continuar a crescer tinha de fazer esta separação. Em Portugal, aquilo que podemos dizer é que do ponto de vista da operação, correu tudo muito bem. Foi uma tarefa árdua, chegámos a ter cinco mil pessoas a trabalhar só na separação. Não se falhou no serviço aos clientes.
E como está o negócio da HP Portugal, que é liderada por si?
Nesta HP temos três áreas: a computação, a impressão e, desde há cerca de ano e meio, a área 3D. Nesta nova área, temos receitas ainda muito reduzidas mas, só por si, o facto de ser uma unidade em separado denota a grande aposta que fazemos nesta área. Em Portugal, ao longo destes meses, foi um período difícil porque o mercado em Portugal na área da computação teve uma quebra muito significativa. Vinha de vários anos a crescer a bom ritmo. Em 2016, o mercado de uma forma geral caiu em todos os trimestres, na área comercial e na área de consumo. Ninguém gosta de trabalhar em mercados que estão a contrair mas, ainda assim, conseguimos ganhar quota de mercado ao longo desse ano de 2016. Voltámos a ser numero 1 no mercado de consumo, ganhámos cinco pontos de quota de mercado e voltámos a ser líderes. Talvez tenha sido, em parte, porque fomos alimentando o mercado com produtos bastante inovadores. Lançamos o computador portátil mais leve do mundo, o mais fino do mundo, a impressora de mesa mais pequena do mundo, etc.
Sente o mercado pode dar a volta?
Sim, talvez de forma mais acelerada o mercado de computação, ao longo deste ano. E, de uma forma mais tímida, o mercado de impressão. Mas acreditamos — e já começámos a ver isso neste arranque de ano — que o mercado de computação vai voltar a crescer este ano em Portugal, a não ser que o segundo semestre seja muito penalizador. O que vemos nos primeiros meses do ano é que o mercado começa a acelerar e começamos a ver dinâmicas positivas na parte empresarial e de consumo, sobretudo empresarial. No ano passado o Estado teve uma grande contenção, com uma descida na rubrica de despesa com bens e serviços. Este ano o mercado deverá voltar a crescer — é quase um dado adquirido.