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O gabinete de Nigel Farage no dia em que o Parlamento Europeu aprovou o Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia
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O gabinete de Nigel Farage no dia em que o Parlamento Europeu aprovou o Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia

O gabinete de Nigel Farage no dia em que o Parlamento Europeu aprovou o Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia

Como Bruxelas vive a saída do Reino Unido (e a visita ao empacotado gabinete de Farage)

As festas de despedida, o choro e a visita do Observador ao gabinete de Nigel Farage, onde já há caixotes prontos a serem despachados para o Reino Unido. São as mudanças de casa forçadas pelo Brexit.

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Lágrimas, lágrimas e lágrimas. O suor começa a 1 de fevereiro e o sangue é o que se quer evitar. Jackie Jones, eurodeputada galesa dos socialistas europeus, não consegue conter as lágrimas e a desilusão na não-festa de despedida que o grupo dos S&D organizou para os 10 britânicos e respetivo staff. “Estou chateada pelo País de Gales, pelo Reino Unido, e pelo meu filho de 18 anos, que é europeu, tal como eu e muitos galeses”, desabafa ao Observador. Filha de mãe alemã e pai inglês, que se casaram em Malta, a eurodeputada acredita que a saída pode ser um dia revertida, enquanto no ecrã da sala se destacava a letras garrafais: “It’s not a goodbye, it’s au revoir“. Ou seja: “Isto não é um adeus, é um até à vista“.

Ao mesmo tempo, o brexiteer dos brexiteers Nigel Farage seguia radiante. Numa sala de conferência de imprensa lotada, o eurodeputado do partido Brexit congratulava-se por perder o cargo: “Trabalhei muito para ficar desempregado“. Farage, visivelmente bem disposto, fez juras de amor à Europa (continente), mas disse “abominar” a União Europeia. Naquilo que até pode ser visto como um piscar de olho às praias algarvias, Farage disse que continuará a ir à Europa, mas para outros destinos: “Até aqui ia uma vez por mês a Estrasburgo, a partir de agora irei para a Costa Atlântica“.

Farage esteve quase uma hora na conferência de imprensa de despedida e o assessor disse várias vezes: “Última pergunta”. Mas era o seu grande dia e ele não queria parar. Para Farage, em termos de posicionamento do Reino Unido no mundo, o Brexit “é provavelmente a coisa mais importante desde que Henrique VIII nos tirou da Igreja de Roma”. Quando saiu da mesa da conferência de imprensa, Farage atirou: “The party is over” (em português, a festa acabou).

Enquanto Farage dava dezenas de entrevistas pelo Parlamento fora, o Observador visitou o gabinete do eurodeputado, onde já eram visíveis vários objetos empacotados. Em cima da mesa tinha uma moldura sua, adereços relativos ao Brexit, uma estátua de um Papa, dois cartoons, os óculos e diversos tipos de documentação.

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No lugar onde todos os outros deputados têm o seu nome, Farage tem uma fotografia (que ainda lá está), de Charles Stwart Parnell, nacionalista irlandês que tinha assento no parlamento em Londres, tendo liderado o Partido Parlamentar Irlandês durante o período de nacionalismo parlamentar na Irlanda. Era contra o unionismo e é uma figura de quem Farage é um “grande admirador”.

A assistente de Farage diz ao Observador: “Como veem já está tudo encaixotado. Prontos a ir embora“.

São já vários os caixotes espalhados pelo gabinete de Nigel Farage. Créditos: RUI PEDRO ANTUNES/OBSERVADOR

Os socialistas perdem 10 eurodeputados ingleses (vão ganhar quatro de outras nacionalidades com a reorganização). Mas muitos esperam voltar um dia. Pelo Parlamento Europeu, os socialistas utilizam cachecóis com a bandeira da União Europeia numa extremidade e a bandeira do Reino Unido noutra. Num dos lados estava a indicação “Unidos na diversidade 1973-2020”, numa alusão ao tempo em que os britânicos estiveram no espaço comunitário, noutro a inscrição “Sempre unidos”. Nem enquanto almoçavam na cantina deputados e staff tiraram os cachecóis que celebravam a união.

Havia claques dos dois lados. De um lado os remainers, com cachecóis, noutro os brexiteers com bandeiras na mão. CRÉDITOS: RUI PEDRO ANTUNES/OBSERVADOR

No dia antes da votação (28 de janeiro), às 15h06, todos os eurodeputados receberam um email nas suas caixas de correio — ao qual o Observador teve acesso — que dizia: “E é isto: amanhã, votaremos o Acordo de Saída e os nossos amigos e colegas do Reino Unido vão deixar-nos no dia 31 de janeiro. Isto parte-nos o coração a muito de nós”.

O email, assinado pela vice-presidente dos Verdes e deputada alemã Terry Reintke, contava que “na primeira reunião do grupo de amizade Reino Unido-UE” sugeriu que todos deviam “tentar terminar com uma nota alta”. Isto porque, mesmo “tristes”, os eurodeputados devem demonstrar-se “otimistas em relação ao futuro” para uma “amizade e aliança que durarão muito além de 31 de janeiro”.

Ora, para enviar “esse sinal de esperança”,  a eurodeputada sugeriu que — após a votação do Acordo de Saída — todos se levantassem e cantassem “a velha música de despedida “Auld Lang Syne””. Em anexo no email seguia “uma página com a letra”, para que os deputados imprimissem e também um vídeo com a música tocada pela Orquestra Sinfónica da BBC. Para Reitnke este seria um “símbolo de amizade, esperança e solidariedade”. Muitos o fizeram.

O grupo dos Verdes — que vão deixar de ser a quarta força política e perdem sete deputados — lideram as despedidas e esta quinta-feira, na última noite que os deputados do Reino Unido adormecem como eurodeputados, fazem uma festa.

Ellie Chowns, uma das deputadas dos Verdes que vai sair do Parlamento Europeu, convidou todos os que são contra o Brexit a juntarem-se à festa: “Juntem-se a nós para a despedida, sejam eurodeputados que ficam ou amigos do Reino Unido para afogarmos as nossas mágoas na música e na dança esta quinta-feira, 30 de janeiro.” E prometeu: “Não será uma saída silenciosa”.

Também por email, Chowns explicou que quer com esta festa “agradecer aos amigos” que deixam em Bruxelas, “celebrar tudo o que fizeram juntos e prometer uma amizade contínua entre o Reino Unido e a UE!” Para animar a festa, os eurodeputados que estão de saída convidaram uma “fantástica banda escocesa baseada em Bruxelas, The Hoggies”. Ao som dos escoceses, avisa a eurodeputada em fim de ciclo, “não é obrigatório danças, mas é fortemente recomendado ;-)“. A festa decorre na Maison des Ailes, perto do edifício do Parlamento Europeu.

Festa rija antes do momento que ocorrerá à meia-noite de sexta-feira em Bruxelas (23h00, em Portugal). A bandeira do Reino Unido será retirada do mastro do edifício do Parlamento Europeu e será exposta no Museu da História Europeia, que está instalado a centenas de metros dali.

O português que vai representar a UE em Londres

João Vale de Almeida, antigo chefe de gabinete de Durão Barroso e antigo embaixador da União Europeia nas Nações Unidas, foi o escolhido como primeiro embaixador da União Europeia no Reino Unido. No dia 1 de fevereiro lá estará em Londres, que já não será solo comunitário. Vale de Almeida não quer falar muito, até porque parte da diplomacia faz-se na sombra, mas num encontro com 15 jornalistas portugueses — incluindo o Observador — a dois dias da saída, deixou umas breves palavras: “Sinto-me honrado com a tarefa que me foi conferida. E quero implementar o acordo da forma mais equilibrada possível“.

No final de agosto, o embaixador deu uma entrevista ao Observador no SummerCEmp, onde dizia que “o Brexit é uma má ideia”. Vale de Almeida dizia na altura que a União Europeia gostaria que “o Reino Unido continuasse na União Europeia”, mas dizia ser imperativo respeitar “a decisão democrática dos cidadãos britânicos, de sair, vamos ver o calendário e as modalidades”. Sobre esses mesmo calendários, já dizia: “Não vou entrar por aí.”

O embaixador dizia que o Brexit “à partida é uma má notícia para a UE e também uma má notícia para o Reino Unido”: “Mas enfim, não sou britânico e respeito a posição dos britânicos. Eu acho que é também uma má notícia para o mundo porque o mundo precisa de blocos sólidos. E a UE, obviamente, sai enfraquecida do Brexit.”

João Vale de Almeida, embaixador da UE na ONU: “A América não se esgota no Presidente”

Vale de Almeida fez 63 anos no dia em que se encontrou com os jornalistas portugueses em Bruxelas e a dois dias do Brexit. Sempre teve em mão grandes desafios. Foi embaixador da UE nos EUA entre 2010 e 2014, tendo passado em 2015 a embaixador na ONU.

O diplomata ainda foi jornalista durante sete anos, mas começou a trabalhar na Comissão Europeia em 1982, o que significa que trabalhou com Jacques Delor, Jacques Santer (durante o mandato do qual se tornou vice-presidente da comissão e diretor da Direção Geral de Informação, Comunicação, Cultura e Audiovisual), Romano Prodi e Durão Barroso (de quem foi chefe de gabinete). Acompanhava Barroso nas reuniões do Conselho Europeu e era o ponto de contacto com os gabinetes dos líderes europeus, acompanhando também Barroso nas reuniões do G8 e do G20.

Quando estava em Washington, Vale de Almeida — que era fã de Obama na capital, mas não morria de amores por Trump, com quem lidou menos por estar em Nova Iorque  — fez tudo para criar e salvar o TTIP, o acordo comercial entre os EUA e a União Europeia que caiu ainda no tempo do antigo presidente norte-americano.

Um “sério revés” e enfrentar Boris, um “Hulk com poderes de Harry Potter”

O eurodeputado Paulo Rangel, vice-presidente da maior bancada do hemiciclo e membro da comissão (Assuntos Constitucionais) que fechou o acordo, disse ao Observador que “a União Europeia vai ter aqui um sério revés, que é a saída do Reino Unido”.

Desde logo, Paulo Rangel adverte que “isso muda, em primeiro lugar, a força e o peso internacional da UE porque o Reino Unido tem uma força militar e uma influência informal muito grandes do ponto de vista global”. Além disso, Rangel acredita que o Brexit irá “criar um problema no curto prazo que é a negociação do acordo de futuro, onde as coisas se vão complicar bastante”.

Rangel considera “preocupante” que o período de transição para um acordo seja de apenas 11 meses, pois isso significa que “daqui a 6 meses temos de ter tudo fechado para poder ser aprovado pelas instituições e também pelos parlamentos nacionais”. Tudo se prepara para que haja um “acordo-quadro” geral aprovado até dezembro e depois diversas matérias venham a ser acordadas ao longo do tempo. Antecipa também que o mercado de capitais (por Londres ser hoje uma referência mundial como praça financeira) e as pescas (devido ao facto de França e Holanda pescarem em águas britânicas) serão dois dossiers difíceis.

Rangel diz que “não será só difícil para a UE”, pois “vai ser mais difícil para o Reino Unido”. Citando o amigo Michel Barnier, o negociador principal do Brexit, o que acontecerá é “a típica situação de loose-loose, todos perdem”. O eurodeputado português diz ainda que é mais difícil negociar com Boris Johnson do que com Theresa May. Rangel — que sugeriu em setembro que o primeiro-ministro seguisse mais o exemplo de Harry Potter que Hulk — diz agora que Boris Johnson é “um negociador bastante mais complexo, e bastante mais rebuscado, que será uma espécie de Hulk com poderes de Harry Potter”. Por isso não tem dúvidas: “Estaríamos melhor com uma primeira-ministra com o perfil de May do que Johnson”.

O vice-presidente do Parlamento Europeu Pedro Silva Pereira, que é o porta-voz dos socialistas europeus para o Brexit, diz que o que se segue é “um exercício necessário de controlo de danos”, uma vez que “não há bons ‘Brexit”‘. Para o socialista, “o ‘Brexit’ é um prejuízo para o Reino Unido, para a UE e para a nossa capacidade de conjuntamente enfrentarmos os problemas globais” — “Mas é a escolha dos britânicos.”

Assim, o que está ao alcance da União Europeia é “reduzir os danos, proteger os direitos dos cidadãos, assegurar um período de transição para que as coisas corram de uma forma mais suave e olharmos para a frente para preparar uma relação futura que seja no interesse de todos”. Silva Pereira considera ainda “absurdo excluir à partida a possibilidade de qualquer prorrogação do período das negociações”.

Como fica o Parlamento pós-Brexit: Liberais, Verdes e S&D em queda

Com a saída do Reino Unido, 14 países em 27 vão ganhar lugares (Portugal fica com os mesmos 21 eurodeputados), mas 46 vão ficar vazios à espera de futuros alargamentos. Assim, o Parlamento Europeu passa de 751 para 705 lugares. Os países que ganham lugares (Áustria, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Holanda, Irlanda, Itália, Polónia, Roménia e Suécia) estavam subrepresentados face à população, daí serem agora compensados. No dia 1 de fevereiro saem os britânicos, dez dias depois entram os novos 27 deputados. Cabe às autoridades eleitorais dos respectivos Estados-membros notificar o Parlamento Europeu sobre os novos eurodeputados eleitos, que serão formalmente empossados na próxima sessão plenária em Estrasburgo, a 11 de Fevereiro.

Como pode ficar o Parlamento Europeu depois do Brexit

Já tendo em conta quem sai e quem entra (olhando para os resultados das últimas europeias), os grupos mais penalizados são os Liberais (perdem onze lugares), os Verdes (perdem sete lugares) e os socialistas (perdem seis lugares). Saem 38 deputados, mas estas três forças conseguem recuperar 14 noutras nacionalidades. Perdem, por isso, 24 deputados os três juntos. Já o Partido Popular Europeu — o maior grupo parlamentar — não perde nenhum britânico e ganha cinco novos eurodeputados.

Vão existir muito menos deputados não inscritos, já que o “Brexit” — partido de Farage — tinha 27 eurodeputados que não pertenciam a qualquer grupo parlamentar. Os Verdes passam de quarta força para quinta, sendo ultrapassados pela extrema-direita, que passa ter 76 contra 67 eurodeputados.

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