A investigação começou com uma suspeita de alegada falsificação de rotulagem de carne — carne de porco espanhola que era exportada como se fosse portuguesa — mas o verdadeiro império empresarial construído em muito pouco tempo por Alexandre Cavalleri, o chamado rei do pernil de porco, acabaram por levar o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a Polícia Judiciária a alargar a investigação a suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais.
No centro da Operação Navidad — o nome deve-se à importância do pernil de porco no Natal da Venezuela — está o Grupo Varius, criado por Cavalleri em 2008 e que teve relações muito próximas com figuras políticas. Não só a Iguarivarius foi liderada por Mário Lino (ex-ministro das Obras Públicas que participou ativamente nas fortes relações comerciais entre Portugal e a Venezuela estabelecidas por Sócrates e Hugo Chavez), como um um ex-assessor de Sócrates (e de António Costa, entre 2015 e julho de 2017, tendo-se demitido na sequência do caso Galpgate) chamado Vitor Escária chegou a ser sócio de Cavalleri e foi investigado na Operação Marquês por ter relações muito próximas de figuras chave do regime de Chavez e de Nicolas Maduro. Nenhum deles, bem como Manuel Brandão (ex-chefe de gabinete de Paulo Portas e ex-administrador da AICEP), é arguido na Operação Navidad.
Ao que o Observador apurou, a investigação da Operação Navidad suspeita que as transferências de mais de 15 milhões de euros de uma empresa venezuelana para contas bancárias do grupo liderado por Alexandre Cavalleri na Suíça, que foram reveladas pelo Observador em agosto de 2018, terão dado origem ao pagamento de alegadas luvas a responsáveis políticos e públicos venezuelanos através da utilização de diversas sociedades offshore.
O Observador resume neste trabalho a investigação que realizou ao Grupo Varius e a Alexandre Cavalleri entre dezembro de 2017 e julho de 2018. Foram sete meses de trabalho de recolha de extensa documentação comercial, financeira e judicial que deram lugar a este trabalho publicado em agosto de 2018. Muitos dos pormenores noticiados pelo Observador ajudam a perceber as suspeitas que estão a ser investigadas pela Justiça relativas a contratos assinados entre 2013 e 2016.
Como começou a relação da Iguarivarius com a Venezuela
Comecemos pelo básico: porque se chama Operação Navidad? O pernil de porco está para o Natal dos venezuelanos como o bacalhau está para o dos portugueses — e é a exportação dessa carne que está no centro da investigação do DCIAP e da PJ.
O Grupo Varius, que tem na sua origem a empresa Iguarivarius, faturou desde a sua fundação um mínimo de 200 milhões de euros com a Venezuela. Entre 2012 e 2017, o grupo fundado por Alexandre Cavalleri vendeu mais de 54 mil toneladas de pernil de porco congelado, o que lhe permitiu faturar mais de 100 milhões de euros só com a exportação desse produto. O Grupo Varius estabeleceu ainda vários contratos relevantes de importação e exportação com a PDVSA – Petróleos da Venezuela, uma empresa que chegou a ser um dos 15 maiores produtores de petróleo do mundo. Só os ativos da PDVSA, a principal empresa da Venezuela, chegaram a estar avaliados em mais de 100 mil milhões de euros.
Quando a Iguarivarius nasceu em 2010, fruto da junção de várias empresas portuguesas na área da produção e distribuição de carnes, Portugal exportava cerca de 160 milhões de euros para a Venezuela. Mas, segundo o Jornal de Negócios, que citou a 11 de novembro de 2016 informação cedida por uma fonte oficial da empresa de Cavalleri, a Iguarivarius começou a vender pernil de porco à Venezuela em 2008 — dois anos antes da sua constituição formal. Terá vendido três mil toneladas de pernil nesse ano e 2.500 toneladas em 2010. Na verdade, Cavalleri esteve ligado a empresas que já forneciam carne para a Venezuela. Foi, aliás, como diretor comercial da Montebravo que começou a ir à Venezuela e a construir uma rede contactos com as empresas públicas venezuelanas que centralizam as importações de bens alimentares e outros.
De acordo com uma entrevista que Vitor Escária, ex-assessor económico de José Sócrates e António Costa, deu à Económico TV em maio de 2014, a Iguarivarius ganhou logo à cabeça um contrato de 30 milhões de euros pouco tempo depois de ser fundada a 9 de setembro de 2010 — um contrato que, ao que o Observador apurou, já estava garantido antes de a sociedade ter sido fundada.
Falando na qualidade de membro do Conselho Consultivo da Iguarivarius, Escária revelou um grande conhecimento sobre a atividade da empresa e disse que, à época, a Iguarivarius já tinha contratos de transporte de “lacticínios, conservas de peixe e fornecimento de bens industriais”, lê-se na entrevista publicada a 22 de de maio de 2014. Mais: a poderosa PDVSA tinha perguntado à Iguarivarius se poderia “fornecer alguns tipos de equipamentos para a indústria petrolífera”, afirmou Escária.
Escária disse ainda que, só em 2013, a sociedade de Alexandre Cavalleri tinha exportado diretamente carnes e conservas para a Venezuela no valor de 20 milhões de euros. Mas que a faturação total da Iguarivarius ascendia a 145 milhões de euros.
E o que fazia a Iguarivarius, além de assegurar o transporte e a comercialização do pernil de porco e das conservas de peixe? “O papel da empresa é o fornecimento de serviços, comercialização e apoio à entrada destas empresas [exportadoras] nos mercados” internacionais, como a Venezuela, explicou Escária.
Os contratos com a Venezuela e os pagamentos feitos através da Suíça
Vamos concentrar-nos apenas no período sob investigação na Operação Navidad: 2013 a 2016. No primeiro ano deste período, 2013, os contratos de fornecimento do Grupo Varius eram assinados com a Corporácion La Casa, uma empresa tutelada pelo Ministério da Alimentação venezuelano. Uma empresa do universo da PDVSA, a Bariven, também comprava alimentos e, ao que o Observador apurou, terá igualmente feito contratos com o Grupo de Alexandre Cavalleri. Mas, nos últimos anos, passou a ser a Corpovex — Corporácion Venezolana de Comercio Exterior, tutelada pelo Ministério Popular de Economia e de Finanças, que passou a ser a entidade responsável pela importação de produtos alimentares, sendo que a Agrovarius era a contraparte do Grupo Varius.
A Corpovex, que foi fundada em 2013, é financiada pelo Fonden — Fundo de Desenvolvimento Nacional. Trata-se de um fundo soberano que é financiado com as receitas da venda do petróleo, sendo que a compra do pernil de porco é feita no âmbito do “Plano Geral de Compra de Alimentos”.
Maduro acusa Portugal de sabotar a importação de pernil de porco
Segundo documentação da Iguarivarius a que o Observador teve acesso, a própria Corpovex (o cliente venezuelano da Agrovarius) assumiu em janeiro de 2018 perante a empresa de Alexandre Cavalleri que lhe devia cerca de 38 milhões de dólares (à volta de 32,5 milhões de euros) por conta do fornecimento relativo ao ano de 2016. Valor que, segundo uma notícia do Jornal de Negócios de 11 de novembro de 2016, que cita dados fornecidos pela própria Iguariarius, corresponderá a menos de metade do total do contrato para o fornecimento de 14 mil toneladas de carne por 63,5 milhões de euros (à volta de 69,3 milhões de dólares). É certo que o texto do Negócios fala apenas em fornecimento de pernil de porco mas, de acordo a documentação a que o Observador teve acesso, a Iguarivarius contratualizou também com uma empresa pública venezuelana o fornecimento de combos.
Um combo é uma espécie de cabaz que tem vários produtos, como carne de vaca, de frango e de porco, leite, ovos, latas de atum e de outro pescado, presunto e ervas ou pastas para tempero — produtos muito raros numa Venezuela em que a fome impera por falta de produtos alimentares. Ao que o Observador apurou, a Agrovarius terá assinado contratos de fornecimento de combos em 2016 e em 2017, sendo que neste último ano foi acordado o fornecimento de 600 mil combos.
No que diz respeito a 2017, o ano em que Nicolás Maduro acusou Portugal de sabotagem económica, a Corpovex transferiu um total de 11,6 milhões de euros entre outubro e dezembro de 2017 para uma conta que a Agrovarius detém no Novo Banco, em virtude da relação que a Iguarivarius tinha com o BES de Ricardo Salgado desde a fundação da sociedade de Alexandre Cavalleri.
Mas a Corpovex também transferiu igualmente em outubro de 2017 um valor de 17,2 milhões de dólares (cerca de 15,7 milhões de euros ao câmbio atual) para uma conta da Agrovarius no Banque Privée Millenium BCP — o banco suíço do Banco Comercial Português, localizado em Genebra.
Esse montante total de cerca de 27,3 milhões de euros foi transferido pela Corpovex a título de adiantamento do pagamento do fornecimento de 7 mil toneladas de pernil de porco — tendo a Agrovarius confirmado a 30 de novembro de 2017 que tinha recebido apenas um montante de 10 milhões de dólares (cerca de 9 milhões de euros ao câmbio atual) O montante total que tinha sido contratualizado atingia os 34,5 milhões de dólares (cerca de 31,3 milhões de euros ao câmbio atual).
Ao que o Observador apurou, a investigação da Operação Navidad está a tentar perceber por que razão a Corpovex fazia transferências para as contas portuguesas e suíças do grupo de Alexandre Cavalleri, existindo a suspeita de que os montantes transferidos para a Suíça terão dado origem ao pagamento de alegadas luvas a responsáveis políticos e públicos venezuelanos através da utilização de diversas sociedades offshore.
Por outro lado, existe a suspeita de que parte das transferências da Corpovex para contas suíças do Grupo Varius, que correspondem a faturação do conglomerado de empresas de Cavalleri, não terão alegadamente sido devidamente registas na contabilidade entregue na Autoridade Tributária em Portugal.
O porco espanhol rotulado como português e o “porque no te callas?”
Como referido, a Operação Navidad tem na sua origem suspeitas sobre a falsificação de rotulagem do porco que o Grupo Varius exporta para a Venezuela. Isto é, o pernil de porco exportado é rotulado como tendo origem portuguesa mas, na realidade, uma boa parte é importado de Espanha.
O problema é fácil de explicar: Portugal começou a exportar pernil de porco para a Venezuela desde 2007 e 2008, mas a produção de porcos no mercado nacional sempre foi claramente insuficiente. O que levou os fornecedores portugueses a importar carne de Espanha por falta de produção própria. Os venezuelanos, que estavam com péssimas relações diplomáticas com Espanha desde que o rei Juan Carlos mandou calar Hugo Chávez na Cimeira Ibero-Americana de 2007, no Chile, no célebre episódio “por que no te callas”, começaram a levantar problemas quando desconfiaram que as empresas portuguesas estariam a comprar porcos espanhóis e obrigaram as autoridades portuguesas a emitir documentação que atestasse a origem nacional dos animais.
De acordo com uma fonte do Governo de José Sócrates, o então diretor-geral de Alimentação e Veterinária recusou passar tal declaração.
A situação acabou por perdurar no tempo. Por exemplo, o grupo liderado por Alexandre Cavalleri fez em 2016 um contrato com a Raporal (empresa agro-alimentar com capacidade instalada de produção, abate e indústria transformadora suína e acionista minoritário da Iguarivarius) para o “fornecimento” de 11 mil toneladas de “pernil de cerdo deshuesado y congelado”. Isto é, pernil de porco desosado e congelado.Essas 11 mil toneladas seriam adquiridas pela Raporal e fornececidas à Agrovarius de duas formas:
- 3.800 toneladas eram produzidas pela própria Raporal, sendo vendidas por 6,9 milhões de euros à Agrovarius;
- As restantes 7.200 toneladas seriam adquiridas por 15,2 milhões de euros à empresa Cárniques Celra, com sede em Girona (Catalunha) — um dos maiores grupos agro-alimentares espanhóis, com uma faturação superior a 600 milhões de euros.
Neste último caso, as 7.200 toneladas fornecidas pela empresa espanhola representam um produto em bruto, que teria de ser desmanchado, transformado e congelado pela Raporal. Fica claro, portanto, que a maior parte do pernil de porco fornecido pelo Grupo Iguarivarius à Venezuela tem origem espanhola, sendo que uma minoria é produzida em Portugal.
A Raporal foi alvo de buscas esta segunda-feira por parte da Polícia Judiciária mas nem a empresa nem os seus representantes são suspeitos nos autos da Operação Navidad.
Esta questão da importação em massa de porco espanhol acabou por estar na origem do inquérito aberto no DCIAP por suspeitas de falsificação de rotulagem. Depois de esta informação ter sido avançada pela RTP, fonte oficial da PGR confirmou em janeiro de 2018 a investigação judicial. Já nessa altura estavam a ser investigadas suspeitas da alegada prática dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais.
O envolvimento da Iguarivarius com figuras ligadas a Sócrates e Portas
Todos estes milhões têm na sua origem a forte relação comercial entre Portugal e a Venezuela criada por José Sócrates e Hugo Chávez e continuada por Paulo Portas e Nicolás Maduro. Por isso mesmo, é importante recuar a 2005 — quando a relação especial entre Sócrates e Chávez começou a ser construída.
Tudo começou com uma primeira missão diplomática exploratória liderada em 2005 por Fernando Serrasqueiro, então secretário de Estado do Comércio e Defesa do Consumidor. Presente em Caracas a propósito das cerimónias do 10 de junho, Serrasqueiro percebeu que havia ali hipóteses de negócio para as empresas portuguesas, atendendo à ideia dirigista que Hugo Chávez tinha da economia. Ou seja, havia diversas empresas públicas e fundos soberanos que financiavam as importações de bens alimentares e não alimentares de que a Venezuela necessitava e distribuíam as mesmas por uma rede de supermercados públicos. Tudo isso era financiado por diversos fundos soberanos alimentados com as receitas da venda de petróleo através da poderosa PDVSA — Petróleos da Venezuela liderada por Rafael (‘Rafa’ para o amigos) Ramirez — mais tarde declarado proscrito por Nicolás Maduro.
Chegado a Portugal, Serrasqueiro informou o primeiro-ministro José Sócrates dos contactos que tinha tido com o Governo de Hugo Chávez. O diálogo seria recordado mais tarde, no âmbito de uma inquirição como testemunha na Operação Marquês, por Vitor Escária, que relatou uma conversa entre Serrasqueiro e José Sócrates.“Eh pá, temos lá 500 mil pessoas, nós exportamos 16 milhões de euros para a Venezuela. A nossa comunidade quer bacalhau, quer queijo, quer azeite e não consegue importar por causa dos mercados de divisas. É uma oportunidade de aumentar as exportações. Ainda por cima, dás-te bem com o primeiro-ministro [Hugo Chávez]”, relatou Escária ao procurador Rosário Teixeira, aludindo à boa relação entre Sócrates e Chávez.
Vítor Escária, enquanto assessor económico de Sócrates, viria a acompanhar de forma muito próxima as negociações entre as empresas portuguesas e o Governo e outras entidades públicas venezuelanas. Aliás, Escária era mesmo um dos assessores que selecionava as empresas portuguesas que iam nas embaixadas económicas que Sócrates liderou à Venezuela e a outros países.
O mesmo se diga de Mário Lino (então ministro das Obras Públicas) que, juntamente com Manuel Pinho (ministro da Economia) envolveram-se diretamente nas negociações e nas missões diplomáticas. Tanto que o próprio Hugo Chavéz citou numa visita a Portugal a dupla “Pino & Lino” (que até serviu como material para sketches humorísticos).
Depois de ter sido um dos protagonistas nas embaixadas económicas na Venezuela, Lino tomou posse a 11 de janeiro de 2011 como administrador da empresa de Cavalleri e passou a chairman da Iguarivarius em março de 2013, tendo saído do cargo em dezembro de 2018.
Outro homem próximo de Sócrates que teve ligações próximas com o grupo de Alexandre Cavalleri é Vítor Escária. Em 2012, recebeu da sociedade rendimentos de 12 mil euros e, dois anos depois, a 19 de maio de 2014, tornou-se mesmo sócio da holding familiar (Ribeiro Carvalho Cavalleri, SGPS, SA) que Alexandre Cavalleri utiliza para controlar o Grupo Varius.
Em declarações ao Observador a 23 de fevereiro de 2018, Vitor Escária explicou: “Conheci o Alexandre na infância. Andámos na escola juntos”. Apesar de começar por negar que fosse sócio da RCC — Ribeiro de Carvalho Cavalleri, Escária retificou as suas declarações e acrescentou que isso só aconteceu “durante um determinado momento para me pagarem uma colaboração”. Vitor Escária, que é economista e professor universitário, terá feito um estudo económico para a Iguarivarius.
Manuel Brandão é a terceira cara conhecida da empresa. Entre 2011 e 2014 foi administrador da AICEP Portugal Global com o pelouro da exportação. Homem de confiança de Portas, foi seu chefe de gabinete no Ministério da Defesa no Governo de Durão Barroso. Enquanto gestor público, acompanhou a Iguarivarius como empresa exportadora para a Venezuela. E, depois de deixar a AICEP, acabou como seu consultor e, já em novembro de 2017, passou a administrador.
Temir Porras e outros venezuelanos envolvidos com a Iguarivarius
Vítor Escária tinha, de facto, ótimos contactos na Venezuela de Hugo Chávez e assim continuou com Nicolás Maduro. Tendo participado nas reuniões da Comissão Mista Portugal-Venezuela, desenvolveu uma rede de contactos com figuras próximas dos dois chefes de Estado.
Aliás, um dos seus melhores contactos — e, por arrasto, de José Sócrates — era Temir Porras, chefe de gabinete de Maduro quando este era ministro dos Negócios Estrangeiros e futuro vice-ministro para a Europa, que chegou a ser apelidado pela imprensa local como “el lobbista del poder”. O outro chamava-se Max Arvelaiz e era assessor diplomático do presidente Hugo Chavéz. Quer Porras, quer Arvelaiz foram referidos à exaustão por José Sócrates e por Vítor Escária em inúmeras conversas que foram alvo de escutas telefónicas pelos investigadores da Operação Marquês.
Quando foi inquirido pelo procurador Rosário Teixeira, Vítor Escária explicou a relação que tinha com Porras e Arvelaiz. “Eles tinham um… dentro de um certo folclore eram engraçados… Numa das vezes em que vieram cá, o presidente Chávez ficou no Tivoli. Eles fizeram questão (de ir) ao Largo do Carmo, porque tinham uma memória do 25 de Abril e estiveram na placa onde estava assinalada a coisa do Salgueiro Maia e da ‘Bula’… estiveram ali um bocadinho em respeito…”, contou Escária.
Porras era uma figura central para as empresas portuguesas, sendo vice-ministro da Europa. Visitou Portugal várias vezes oficialmente e recebia o embaixador português em Caracas para tratar de pagamentos em atraso a empresas como a Iguarivarius. A 19 de outubro de 2012, por exemplo, Alexandre Cavalleri foi informado pela AICEP Portugal, a agência pública do comércio externo, que Temir Porras estava a acompanhar de “muito perto” as “dificuldades que tem conhecido a venda do pernil [de porco] acordada entre a empresa Iguarivarius” e a empresa pública venezuelana que comprava o pernil à Iguarivarius. É importante referir que Temir Porras chegou a ser secretário executivo do Fonden — Fundo de de Desenvolvimento Nacional que financiava a compra de bens alimentares.
Depois de sair do governo, Temir Porras negociou com Carlos Santos Silva a possibilidade de ser intermediário das suas empresas na Venezuela, sendo remunerado com uma percentagem dos contratos que eventualmente Santos Silva conseguisse. Uma parte das negociações terá decorrido no Hotel Ritz, em Lisboa, a 23 de outubro de 2013, segundo contou Vitor Escária ao procurador Rosário Teixeira. Pormenor: a equipa de investigadores da Operação Marquês estava a vigiar José Sócrates naquele momento e suspeitava que Temir Porras seria um intermediário venezuelano para garantir ao Grupo Lena um contrato de obras públicas no valor de 900 milhões de euros. Tratava-se de um segundo contrato para a construção de mais de 12.500 casas, depois de um primeiro contrato que foi assinado em maio de 2010 aquando da segunda visita oficial de Sócrates ao país de Hugo Chávez.
Nas conversas no Ritz chegou a ser falada uma percentagem de 1% mas não é claro se a mesma foi concretizada. Como vice-ministro para a Europa, Temir Porras acompanhou de perto a negociação desses contratos, chegando a acompanhar a 2 de março de 2012 o secretário de Estado Almeida Henriques (atual presidente da Câmara de Viseu) numa visita oficial às obras de construção de casas sociais que o Grupo Lena estava a realizar na cidade de Cúa, na Venezuela, no âmbito do primeiro contrato assinado em 2010. Manuel Brandão, ex-chefe de gabinete de Paulo Portas, então administrador da AICEP e futuro administrador da Iguarivarius, esteve também nessa visita.
Mais tarde, José Sócrates ajudou Temir Porras na obtenção de uma entrevista com o reitor de Science Po, a prestigiada universidade francesa onde Sócrates estudou, para a inscrição do venezuelano num dos Masters daquela instituição de ensino.
Nos autos da Operação Navidad investiga-se o crime de corrupção no comércio internacional. Isto é, os representantes da Iguarivarius são suspeitos de ter terem alegadamente corrompido titulares de cargos públicos e políticos da Venezuela.