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Ayuso mais que duplicou os votos do PP em Madrid

LightRocket via Getty Images

Ayuso mais que duplicou os votos do PP em Madrid

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Como os heroísmos que se defrontaram em Madrid podem dar a volta à política espanhola

Ayuso posicionou-se para futura líder do PP. O crescimento do Vox terá estancado. Sánchez ficou sem o peso de Iglesias no Governo. E Ciudadanos e Podemos à beira da extinção? Ensaio de Diogo Noivo.

Madrid inverteu os papéis políticos. Ángel Gabilondo, candidato do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) à presidência da Comunidade de Madrid, o mais votado em 2019, obteve o pior resultado na história do partido em eleições na região. Já Isabel Díaz Ayuso, que há três anos conduziu o Partido Popular (PP) ao pior resultado em Madrid desde 1983, acabou a noite a mais do que duplicar o número de mandatos. Ficou com 65 deputados na assembleia autonómica, mais 7 do que o conjunto dos partidos de esquerda. Como tal, formará um governo onde a extrema-direita do Vox terá um peso relativo muito diminuto – ou até inexistente.

A campanha decorreu em ambiente de intensa polarização ideológica e emocional. A direita bramiu “Comunismo ou Liberdade” e a esquerda retorquiu com “Fascismo ou Democracia”. Dois heroísmos que se enfrentaram em guerras retóricas sem quartel. A desqualificação – e a desumanização – do adversário, com o propósito de criar uma batalha existencial, definiu as semanas de mobilização do voto. A esquerda tentou ressuscitar o espírito guerracivilista da década de 1930, estratégia meta-histórica que entusiasma convertidos e fetichistas. A direita socorreu-se da economia e do combate às políticas identitárias, colocando as escolhas em jogo num esquema dicotómico de vida ou morte. De parte a parte, dominou o populismo pejado de excessos verbais.

Venceu Ayuso

Isabel Díaz Ayuso beneficiou da crítica constante propalada a partir do governo de Espanha. Já há vários meses que o executivo de Pedro Sánchez e Pablo Iglesias a convertera em inimigo público, em parte pela determinação de Ayuso em manter a economia madrilena em funcionamento durante a pandemia. Sob pressão dos nacionalismos basco e catalão, dos quais depende, a coligação do PSOE com o Unidas Podemos (UP) escolheu Madrid como bode expiatório de tudo o que corria mal. A capital espanhola era insolidária, fazia dumping fiscal, tinha os contágios de Covid-19 descontrolados e era um viveiro da extrema-direita. De acordo com Sánchez e Iglesias, o problema de Espanha chamava-se Madrid.

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Pp Follows The Voting Results. Elections 4-m 2021 Madrid
Os ataques desferidos – manifestamente exagerados, assentes em informação deturpada e com recurso a opróbrios como “fascista”, “trumpista madrilena” e “direita taberneira” – acabaram por engrandecer Ayuso, cujo carácter combativo encarnou habilmente o papel de David contra Golias. Passou de personalidade local desconhecida e inócua, um caso de casticismo mais ou menos patusco, a figura política nacional de primeira linha.

Marcadas de forma antecipada e imprevisível, as eleições apanharam o governo em plena campanha contra a região, os seus habitantes e a sua presidente. Em vez de recuar, a esquerda intensificou a estratégia. Os ataques desferidos – manifestamente exagerados, assentes em informação deturpada e com recurso a opróbrios como “fascista”, “trumpista madrilena” e “direita taberneira” – acabaram por engrandecer Ayuso, cujo carácter combativo encarnou habilmente o papel de David contra Golias. Passou de personalidade local desconhecida e inócua, um caso de casticismo mais ou menos patusco, a figura política nacional de primeira linha.

O discurso libertário de Ayuso ocupou o espaço de centro-direita do Ciudadanos, o confronto com a esquerda agradou ao eleitorado conservador e a crítica desabrida à extrema-esquerda captou votantes do PSOE preocupados com a excessiva dependência dos socialistas face ao Unidas Podemos e aos separatismos basco e catalão. Já a defesa de baixos impostos e de uma economia aberta aliviou um segmento importante do eleitorado que teme a destruição de emprego. Porventura seja esta uma das chaves do êxito de Ayuso: enquanto a extrema-esquerda se sitiou na épica vácua e anacrónica do ¡No pasarán!, a presidente da Comunidade de Madrid foi ao encontro dos anseios da classe média – embora extremando-os para servir interesses eleitorais próprios.

No PSOE, Ángel Gabilondo foi ultrapassado pela realidade. Sereno e moderado, com perfil de gabinete, não teve nervo para suportar uma campanha de polarização elevada e permanente. Foi um espectador abúlico do combate entre o PP madrileno e o PSOE nacional. Também por isso, a derrota de ontem foi mais de Sánchez do que sua.

Salvar a circunstância do Podemos

Na semana passada, em entrevista ao Corriere della Sera, Pablo Iglesias fez um balanço triunfal do seu percurso político. “Nem o líder do maior partido comunista do Ocidente, Enrico Berlinger, pôde chegar onde eu cheguei: um marxista num governo da Aliança Atlântica.” A vertigem era prazenteira: “Desde um ponto de vista histórico, olhar para o que consegui deixa-me atordoado.”

Intui-se que Iglesias abandonou o cargo de vice-primeiro-ministro para se candidatar à presidência da Comunidade de Madrid porque nada mais tinha a provar. Contudo, os resultados eleitorais desde 2019 revelam uma realidade bem diferente. Em Abril desse ano, em legislativas, o Unidas Podemos perdeu 1 milhão e 300 mil votos. Os partidos não foram capazes de formar governo, os espanhóis foram novamente chamados às urnas em Novembro e Iglesias perdeu mais 613 mil votos. Depois, em 2020, nas eleições autonómicas no País Basco, a coligação encabeçada pelo Unidas Podemos perdeu cerca de 50% dos votos. Nesse mesmo ano, nas autonómicas na Galiza, foi simplesmente varrido do parlamento regional. Este ano de 2021 não correu melhor: recuou mais de 40% no voto expresso em urna nas eleições catalãs.

Eleição após eleição, o Unidas Podemos perdeu votos e mandatos. Estava obrigado a um bom resultado em Madrid, sob pena de perder ainda mais relevância nacional e, por conseguinte, peso relativo enquanto parceiro de governo dos socialistas do PSOE.

Unidas Podemos Follows The Results Of The Voting. Elections 4-m 2021 Madrid
O fundador do Podemos acabou a noite a despedir-se de todos os cargos políticos que ocupa com um discurso marcado por ressentimento, narcisismo e insulto a adversários, o que contrastou com as palavras de esperança, humildade e determinação dos seus antigos camaradas que hoje estão no Más Madrid. A diferença de discursos explicará parte importante da diferença de resultados.

Precisava de um candidato forte, daí a candidatura de Iglesias. De facto, não havia outro, dado que o líder do Unidas Podemos promoveu a saída dos militantes de primeira linha que dele discordaram ou que lhe fizeram sombra. O partido era Iglesias e Iglesias era o partido.

Por outras palavras, a candidatura teve tanto de messianismo como de necessidade. Aplica-se assim, ainda que de forma peculiar, o aforismo de Ortega y Gasset “yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”. Contados os votos, não houve redenção. Conseguiu três novos mandatos, mas foi o último partido a entrar na Assembleia regional. Até em Vallecas, bairro de tradição operária onde Iglesias foi criado, a vitória pertenceu ao PP. Pior, foi novamente ultrapassado pelo Más Madrid, partido formado por dissidentes do Podemos, que se transformou na principal força de esquerda na comunidade autónoma.

O fundador do Podemos acabou a noite a despedir-se de todos os cargos políticos que ocupa com um discurso marcado por ressentimento, narcisismo e insulto a adversários, o que contrastou com as palavras de esperança, humildade e determinação dos seus antigos camaradas que hoje estão no Más Madrid. A diferença de discursos explicará parte importante da diferença de resultados.

Há legítimas dúvidas de que o UP consiga sobreviver ao seu fundador. O futuro de Iglesias também é incerto. Corre há semanas o rumor de que estará a negociar um programa de televisão próprio com um grande grupo privado de comunicação social. Será certamente maledicência, pois Iglesias defende que toda a comunicação social tem de ser pública, além de ser um crítico impiedoso das portas-giratórias entre o poder político e o sector privado.

Madrid não é Espanha

Espanha compõe-se de 17 comunidades autónomas com demografias, economias e até tradições políticas distintas. Não é possível extrapolar os resultados de ontem para o quadro partidário nacional. Contudo, há tendências que muito provavelmente marcarão a política espanhola nos próximos tempos.

Ciudadanos Follows The Voting Results. Elections 4-m 2021 Madrid
A 'nueva' política terá acabado. A expressão refere-se aos dois partidos que irromperam na arena partidária em 2015, o Ciudadanos e o Unidas Podemos, que puseram fim ao tradicional bipartidarismo espanhol. Ambos estão à beira da extinção. Os resultados de ontem poderão marcar o fim de forças políticas que trouxeram muita esperança, mas poucos resultados tangíveis para o eleitorado.

A ‘nueva’ política terá acabado. A expressão refere-se aos dois partidos que irromperam na arena partidária em 2015, o Ciudadanos e o Unidas Podemos, que puseram fim ao tradicional bipartidarismo espanhol. Ambos estão à beira da extinção. Os resultados de ontem poderão marcar o fim de forças políticas que trouxeram muita esperança, mas poucos resultados tangíveis para o eleitorado.

À direita, o presidente do PP, Pablo Casado, não tem vitórias para mostrar nem encontrou um registo de oposição eficaz ao PSOE. Ayuso sim. Na noite passada fez um discurso de vitória claramente nacional. E é querida pelas bases do partido, logo não se deve descartar que ambicione o palco da política nacional. Com ou sem Ayuso, se o PP for capaz de consolidar o seu espaço à direita, o VOX, que teve um crescimento pírrico em Madrid, poderá estancar.

Por fim, Pedro Sánchez sai manchado das eleições madrilenas, mas o aparente colapso do Unidas Podemos não é má notícia. No governo, o UP adoptou a postura dúplice de reivindicar as medidas populares e zurzir as impopulares, apesar de estar sentado no Conselho de Ministros. Isto suscitou inúmeras polémicas, descoordenações e conflitos entre ministros, dores de cabeça constantes para Sánchez. A derrota do UP e de Iglesias permite ao Presidente do Governo ganhar ascendência sobre o seu parceiro de governação. Pode ser um problema a prazo, mas no imediato facilita a governação.

Uma coisa parece certa: a lógica de heroísmos em confronto será para continuar. Está na matriz política da nova esquerda (inclusive da actual liderança do PSOE) e trouxe vantagens à velha direita. Cada eleição será vista como a última, a mais importante de sempre, a que definirá a fronteira entre céu e inferno.

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