893kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Como vivem os vizinhos de Putin? José Milhazes na fronteira da Estónia com a Rússia

José Milhazes viajou até à Estónia e viu como estão a ser estes dias para quem vive a poucos quilómetros da Rússia. Este país da União Europeia teme ser a próxima vítima do exército de Putin.

Nem mesmo nas margens do rio Narva, que separa a Estónia da Rússia, se sente qualquer sinal de que as relações diplomáticas e políticas entre estes países vizinhos chegaram a um dos níveis mais perigosos de sempre. Tanto mais que nos encontramos numa das fronteiras entre a Aliança Atlântica e a Federação da Rússia.

Em dias de calor anormal para regiões setentrionais, onde o mercúrio do termómetro vai além dos 30 graus centígrados, os veraneantes dos dois lados aproveitam as praias para se bronzear ou esconderem-se do sol debaixo das numerosas árvores frondosas. Do lado estónio do Narva, ouve-se muito mais frequentemente falar russo do que estónio, pois cerca de 96% dos seus habitantes são russófonos (a nível nacional, são cerca de 25%) — mas, nos restaurantes, cafés e lojas, os empregados atendem com a mesma amabilidade em russo e estónio.

Nos postos fronteiriços, a movimentação era muito reduzida, praticamente não se viam automóveis com matrícula russa. Isto deve-se ao facto de a Estónia ter acabado de restringir a entrada no país a cidadãos russos que tenham o visto Schengen, geralmente utilizado para fins de turismo. Habitualmente, o fluxo de ambos os lados era bem mais significativo.

Fronteira entre a Estónia e a Rússia

Trata-se de mais uma sanção para castigar Moscovo pela invasão da Ucrânia. Enquanto que os membros da União Europeia do centro e ocidente do continente ainda discutem  os prós e os contras de tal medida, os vizinhos da Rússia já a implementaram, pois consideram que é imperativo tomar todas as medidas possíveis para que a “operação militar” do ditador Vladimir Putin falhe na Ucrânia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No Nordeste da Estónia, onde a maioria da população é russófona, nem todos são a favor das sanções, e muitos não escondem o seu apoio à invasão da Ucrânia pelas tropas russas, repetindo os argumentos da propaganda de Moscovo: “desnazificação” e “desmilitarização” da Ucrânia e “genocídio dos russófonos”, entre outros. Porém, a maioria, se não é contra a guerra, pelo menos defende que se devem evitar conflitos internos para não transformar o Nordeste do país em mais um “Donbass”.

No Nordeste da Estónia, onde a maioria da população é russófona, nem todos são a favor das sanções, e muitos não escondem o seu apoio à invasão da Ucrânia pelas tropas russas, repetindo os argumentos da propaganda de Moscovo.

O “teste do tanque”

Desde a reconquista da independência, em 1991, que a Estónia se tenta livrar do passado soviético, mas sem o esquecer, colocando-o nos lugares adequados. Os restos mortais dos soldados soviéticos são transladados para os numerosos cemitérios existentes por todo o país e os tanques, canhões e outros símbolos bélicos são transferidos para museus.

Kaja Kallas, primeira-ministra estónia, utilizou a invasão da Ucrânia pelas tropas russas para anunciar a remoção de todos os monumentos construídos no seu país pelo regime comunista soviético, que governou a Estónia entre 1939 e 1991.

Cemitério soviético

“Os símbolos da repressão e ocupação soviética tornaram-se uma fonte de crescente tensão social no país… Nestes tempos, devemos reduzir os riscos para a ordem pública a um mínimo”, declarou ela, frisando: “Não vamos dar à Rússia a oportunidade de usar o passado para perturbar a paz”.

Um dos últimos monumentos da era comunista na Estónia — um tanque soviético T-34 — encontrava-se instalado num pedestal construído na margem do rio Narva e foi retirado no passado dia 16 de Agosto.

Até ao anúncio da sua retirada para o museu militar da cidade de Viimsi,  este lugar era frequentado por idosos russófonos em datas simbólicas como o 9 de Maio, dia em que se assinala a vitória das tropas soviéticas sobre o nazismo, ou por alguns jovens para se fotografarem no dia do casamento.

Porém, após ser revelada a intenção de remover o tanque, uma parte da população de Narva manifestou o seu descontentamento face a essa medida, levando alguns a recear distúrbios graves durante a operação, tal como aconteceu em Tallinn em 2007.

Flores no local de onde foi retirado o tanque e uma imagem que mostra o tanque ainda no local inicial

Então, a Estónia tinha entre 200 a 400 monumentos da era soviética. O governo, que havia sido eleito com folga nas urnas, decidiu trasladar para um cemitério da periferia da capital os restos mortais de soldados soviéticos e a estátua conhecida como “soldado de bronze” que se encontravam no centro de Tallinn. A decisão gerou duas noites de enfrentamentos entre russófonos revoltados com a decisão e a polícia. Uma pessoa morreu, outras 150 ficaram feridas e várias lojas foram pilhadas durante os distúrbios.

Moscovo protestou na altura e também agora não perdeu a oportunidade para utilizar em relação à Estónia a mesma retórica “anti-nazi” que usa e abusa em relação à Ucrânia, na esperança de desestabilizar a situação. “Elas [autoridades estónias] estão a lutar contra a história comum, e livrando-se dos monumentos àqueles que salvaram a Europa do fascismo”, declarou Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, no início de Agosto.

Mas o processo de desmontagem decorreu na maior das normalidades. Houve e continua a haver protestos que se resumem à deposição de flores e ao acender de velas no local onde se encontrava o pedestal.

Do ponto de vista meramente económico, a Estónia perde muito com as sanções decretadas pela UE contra Moscovo, nomeadamente no que respeita aos fornecimentos de eletricidade e de combustíveis russos. Isto vai tornar ainda mais difícil o Inverno, mas os estónios preparam-se para resistir.

Libertação ou substituição de uma opressão por outra?

À primeira vista, o problema da remoção de monumentos pode parecer secundário face à actual situação na Europa e no mundo, mas, na realidade, trata-se de uma questão com profundas raízes históricas. Segundo a narrativa difundida pela propaganda soviética e russa, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o Exército Vermelho libertou os povos do Leste e Centro da Europa do nazismo. Porém, para os povos e países que ficaram na zona de influência soviética, tratou-se apenas da substituição da opressão nazi por um regime totalitário comunista.

No caso concreto da Estónia, a ditadura estalinista deportou dezenas de milhares de estónios para a Sibéria e importou população russófona para as minas de xisto e urânio existentes no Nordeste estónio ou grandes produções fabris noutras regiões do país. Paralelamente, realizavam-se os planos de “russificação” e de “criação da classe operária” na Estónia.

Armamento no museu

Isto deixou marcas profundas e desconfiança entre as duas comunidades. Não se pode dizer que o processo de aproximação das duas comunidades tem sido fácil, mas vai avançando. Atualmente, cerca de dois terços dos russófonos possuem passaporte estónio e apenas 6% da população do país tem um “passaporte cinzento”, ou seja, são apátridas. Na opção entre o regresso à Rússia e a continuação na Estónia, há duas razões que pesam: este último país faz parte da União Europeia, o que permite aos seus cidadãos viajar livremente pelo espaço Schengen, e a melhor qualidade de vida.

Inverno difícil, mas é para aguentar

Do ponto de vista meramente económico, a Estónia perde muito com as sanções decretadas pela UE contra Moscovo, nomeadamente no que respeita aos fornecimentos de eletricidade e de combustíveis russos. Isto vai tornar ainda mais difícil o Inverno, mas os estónios preparam-se para resistir. Já passaram por momentos semelhantes logo a seguir à desintegração da União Soviética.

Logo após a invasão da Ucrânia pelas tropas de Putin, em Fevereiro passado, aumentou bruscamente o sentido de necessidade de preparar-se para o pior dos cenários. O receio de um ataque à Estónia pelos exércitos de Moscovo não é diminuído pelo facto de este país fazer parte da NATO desde 2004. Houve momentos na história em que a Estónia, e não só, se transformou em “moeda de troca”. Por isso, os estónios, através de cursos especiais e de programas televisivos e radiofónicos, recebem instruções sobre como actuar em caso de guerra contra o vizinho.

Daí ser também evidente a grande onda de solidariedade para com o povo da Ucrânia. A maioria dos estónios está convencida de que, se Putin conseguir os seus objetivos imperialistas no confronto com os ucranianos, o ditador russo não se ficará por aí e que a Estónia está na lista dos países a “desnazificar” pelos herdeiros de Estaline.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.