“Lamento profundamente a situação… e preciso de ajuda das autoridades”. O pedido foi feito por Rosa Grilo, na sala de interrogatórios do Tribunal de Vila Franca de Xira. A viúva do triatleta tinha sido detida dois dias antes por suspeitas de ter matado o marido e preparava-se para contar a sua versão dos factos à juíza de instrução. Quis falar, abdicando do silêncio a que tinha direito. Admitindo que já lhe estavam “a faltar algumas coisas”, começou por garantir que “desenrolou-se tudo de outra forma completamente diferente do que está descrito“. Depois, durante várias horas, respondeu ao interrogatório e defendeu a sua tese: Luís Grilo terá morrido às mãos de três homens — dois angolanos e um “branco” — que lhe invadiram a casa em busca de diamantes.
Rosa, que teria, assim, assistido ao homicídio do marido e sido coagida a simular o seu desaparecimento, contava agora a história que garantia ser a verdadeira — uma versão totalmente diferente daquela que foi defendendo nas duas entrevistas que deu antes de ser detida. Dos vidros escuros do carro onde terá sido levada, à cor dos sacos do lixo onde o marido terá sido enrolado, não se poupou a pormenores. Nas declarações oficiais — divulgadas pelo Correio da Manhã –, a suspeita responde firmemente, não precisando de muito tempo para pensar, perante as perguntas da juíza de instrução Andreia Valadas. E isto depois de dois meses do desaparecimento de Luís Grilo, nos quais a viúva escondeu essa tese. Para isso, tem uma explicação: “Eu fui ameaçada de morte e ao meu filho também”.
Angolanos ou uma amante. As teses “mirabolantes” dos suspeitos do homicídio de Luís Grilo
O que disse, porém, não convenceu a juíza, que acabou por aplicar a medida de coação máxima: Rosa Grilo ficou em prisão preventiva e, com ela, António Joaquim, o amante também detido por suspeitas de ter sido coautor do homicídio do triatleta. A partir daí, quebrou-se o silêncio. Por cartas ou em entrevistas na hora da visita, Rosa Grilo continuou a repetir a tese que defendeu em à polícia e em tribunal depois de ser detida, como avançou, na altura, o Observador. Mas a versão da viúva tem algumas contradições e também não convence a PJ, que considera as explicações “absurdas” — ainda que o testemunho da irmã da vítima coloque dúvidas a uma parte da tese defendida pela investigação.
O dia do crime
Rosa Grilo diz que foi dia 16 de julho. PJ acredita que foi no dia anterior
“Na segunda-feira de manhã, foi aí que aconteceu tudo”. Rosa Grilo garantiu à juíza de instrução que o seu marido foi assassinado no dia 16 de julho, contrariando, assim, a investigação da PJ, que aponta o dia anterior como aquele em que Luís Grilo morreu. No interrogatório, a viúva recordou que, por volta das 8h00 daquela segunda-feira, alguém lhe terá batido à porta de casa, onde estava com o marido. “Quando fui abrir a porta, empurram-me a porta e entram três fulanos. Entretanto, assim que entraram, taparam-me a boca”, disse. Por aquela altura, segundo a suspeita, o triatleta ainda estaria deitado e não terá ouvido a porta.
De acordo com Rosa, foram depois esses homens que dispararam os tiros que mataram o marido, entre “as quatro e tal” e as “cinco horas” da tarde dessa segunda-feira, cerca de oito horas depois de terem entrado em casa. Isto porque, ao longo dessas horas, terá havido uma viagem a Benavila — a cerca de 130 quilómetros dali — e vários momentos de confrontos, que terão culminado na morte do triatleta.
A viúva esclarece, aliás, que, no domingo em que a PJ acredita ter sido o dia em que o crime foi cometido, foi passear com Luís e com o filho. O casal terá deixado Renato, de 12 anos, na casa de Júlia, a irmã do triatleta — tratada por avó pela criança. Neste ponto, a convicção da PJ esbarra num testemunho importante: em entrevistas, Júlia disse que viu o irmão com vida no domingo, pelas 16h00, acompanhado por Rosa, mas na tese da investigação ele já estaria morto a essa hora.
De facto, a autópsia foi inconclusiva quanto ao dia e hora a que Luís terá morrido. Sobretudo por causa do avançado estado de decomposição do cadáver, no momento em que foi encontrado — mais de um mês depois –, o cálculo do momento exato da morte deixa de ser possível por essa via. Mas, apurou o Observador, a convicção da PJ baseia-se noutros elementos recolhidos, como a localização celular do telemóvel dos suspeitos e da vítima e o registo de mensagens e chamadas, embora não se saiba qual o conteúdo exato desses elementos.
A viagem a Benavila
O telemóvel desligado e a ida ao Pingo Doce
“Levei, levei. Levei-o na mala”. Rosa Grilo garantiu, assim, à juíza de instrução que o seu telemóvel estava na mala que a acompanhou até Benavila, indo com ela por arrasto. Depois de o casal ter sido agredido e questionado sobre onde estariam os tais diamantes, e perante o silêncio do marido, Rosa Grilo terá tomado iniciativa de encaminhar os alegados agressores até à casa da avó, em Benavila. Lá estariam alguns diamantes que o marido tinha trazido de Angola, onde tinha estado há “sete ou oito anos” — sem saber se eram aqueles que os homens procuravam.
A viúva terá entrado no carro — pensa que seria um Volvo — que os homens tinham estacionado em frente ao “portãozinho” da vivenda do casal. No interrogatório, explicou que levou a sua mala consigo porque inicialmente não sabia onde estavam as chaves daquela casa. Os homens, para não perderem mais tempo, ter-lhe-ão dito para levar a mala, pois as chaves deveriam estar lá dentro. No mesmo sítio estaria também o telemóvel de Rosa e aqui surge outra contradição entre a defesa e os elementos reunidos pela investigação. A viúva disse que teve o aparelho sempre com ela e que, em casa, chegou a usá-lo por ordem dos supostos agressores: “Quando as pessoas ligavam, eles mandavam-nos responder”, explicou à procuradora. Os registos mostram que durante as horas em que a suspeita diz ter estado sequestrada, o seu telemóvel esteve desligado, revelou fonte da PJ ao Observador.
Aos olhos dos investigadores, a tese também esbarra na lógica por causa de um levantamento de 60 euros, num multibanco no Pingo Doce de Alverca, uma deslocação (registada pelo telemóvel) para essa zona e um regresso outra vez às Cachoeiras, onde o casal vivia — tudo feito à hora em que, de acordo com a versão de Rosa Grilo, estaria a caminho de Benavila, amarrada e dentro do carro com as portas trancadas. A suspeita confirmou à procuradora Susan Salgueiral que houve, de facto, uma paragem em Alverca. A ideia dos angolanos seria ir ao escritório de informática de Luís Grilo, mas acabaram por não fazer porque “tinha lá gente”.
Na viagem de regresso, diz, os dois homens pararam o carro junto ao supermercado. Rosa conta à procuradora que os homens decidiram parar para lhe perguntar quem é que estava no escritório e a que horas saíam — quereriam perceber se podiam tentar lá ir novamente sem serem vistos. Uma das dúvidas nesta tese é lançada pela procuradora: porque é que Rosa faz uma viagem de pelo menos uma hora e meia com os angolanos e eles precisaram de parar para lhe fazer essas perguntas? Mas Rosa não reponde à questão.
A viúva conta que, no momento em que estava no carro, terá sido vista por conhecidos — apesar de, na cena que descreve, o carro ter vidros escuros . Apercebendo-se disso e para não levantar suspeitas, os homens terão dito: “Vai ali e levanta dinheiro, só para dizeres que foste fazer alguma coisa”. Rosa diz que foi de pijama — umas “calças tipo fato de treino e uma camisola”. A PJ não vê sentido em que, num momento de rapto, os alegados sequestrados libertassem a vítima, correndo o risco de esta fugir ou chamar as autoridades. Mais: mesmo que tal tenha acontecido, a PJ questiona por que razão “com pijama ou sem pijama” a viúva, vendo-se livre dos raptadores, não tentou pedir ajuda.
Rosa terá, então, ido com “os dois rapazes de cor” à casa da sua avó, em Benavila — perto do local onde o corpo do triatleta viria a ser encontrado no final de agosto. Luís terá ficado em casa com o terceiro homem. E este é mais um dos aspetos que leva a PJ a questionar a versão da viúva: por que razão apenas um homem — de “cinquenta e muitos anos” e “mais ou menos” da altura de Rosa, como ela própria descreveu, teria ficado a tomar conta do triatleta, um homem, à partida, com mais capacidade de resistência, enquanto que os dois homens que, nas palavras da viúva, “eram bem mais constituídos e mais altos” e “deviam estar aí na casa dos vinte e tal, trinta” anos, foram com Rosa, deixado o terceiro elemento sozinho com Luís.
Rosa Grilo conta ainda que, quando chegaram à casa da avó em Benavila, terá indicado aos dois homens o roupeiro onde tinha posto “o saquinho daqueles diamantes que ele [Luís Grilo] tinha trazido já há muitos anos, dentro de uma coisinha daquelas de cheiro”. Mas os diamantes não estariam lá e, por isso, foi agredida pelos dois homens: “Não sei se, porventura, alguém terá mexido ou terá caído para outro lado ou se o Luís terá tirado para o outro lado. Mas eu não encontrei onde estava. No sítio onde estava, não encontrei. Entretanto, demos volta a tudo, eles reviraram tudo”, conta Rosa.
O local do crime
Rosa garante que o marido foi baleado na cozinha
Na tese da viúva, tudo terá acontecido na cozinha. Mas foi no quarto que os investigadores encontraram os vestígios que os levaram a crer que Luís Grilo foi assassinado naquela divisão. Além dos vestígios biológicos (como sangue) encontrados no quarto pelos técnicos do Laboratório de Polícia Científica, um outro elemento foi fundamental para traçar este cenário: fonte conhecedora do processo disse, na altura do interrogatório, ao Observador, que faltava “uma parte da cama” — um sommier simples com um colchão em cima — não dando detalhes sobre que parte seria essa, mas explicando que pode ter sido retirada precisamente para esconder algum vestígio impossível de limpar. O facto de o corpo ter sido encontrado sem roupa também corrobora a ideia: a PJ acredita que o triatleta estaria a dormir, despido, quando foi baleado.
Rosa garante que quaisquer marcas de que o crime teria acontecido na cozinha foram limpos. Na verdade, aquela divisão nem guardou muitos vestígios. “Um bocadinho só no meio porque ele caiu para cima de mim, para cima da roupa. Depois, eles puseram logo a roupa à volta, acabou por não sujar praticamente nada”, conta Rosa. Na sua versão dos factos, Luís não estava despido, mas sim de pijama, que os assassinos cortaram com uma tesoura e levaram “tudo o que estava ali”. “Até levaram o meu tapete“, disse, referindo-se, provavelmente, àquele que foi encontrado ao lado do cadáver, num terreno descampado em Alcórrego onde o corpo foi descoberto.
Perto da cena de crime foi também encontrado um edredão, dentro de uma caixa. Quanto a esse assunto, Rosa antecipa-se: “Esse edredão é meu, mas não foi utilizado lá em casa para envolver o Luís. Esse edredão, eu tenho a certeza que ele estava em casa da minha avó, não sei dizer porque é que estava ali”.
O(s) tiro(s) que matou Luís
Autópsia concluiu que só foi um. Rosa diz que houve um segundo
“Eles agarraram-no por trás e puxaram-no para cima. Ficou meio curvado e disseram-lhe: ‘Olha para ela que é a última vez que a vês’. Eu, nessa altura, fechei os olhos, porque pensava que eles me iam matar ali naquele momento. Ele estava a agarrar o Luís e disse-lhe para olhar para mim, só que não disparou para mim, disparou no Luís. O Luís caiu para cima de mim…”. O suposto assassinato do marido é contado pela viúva ao pormenor. Rosa Grilo diz que o triatleta foi atingido com um primeiro tiro, mas “ficou ainda a respirar durante algum tempo”. “Entretanto, o outro parece que ainda ficou mais danado, agarrou-o e deu-lhe outro tiro assim aqui de lado”, continua Rosa, descrevendo o momento à juíza, com a voz trémula. Questionada, a viúva explica, admitindo que não tem certeza, que, nesse segundo disparo, o marido teria sido atingido “por cima da orelha”.
Os resultados da autópsia, porém, permitiram concluir que Luís Grilo foi atingido com um tiro e não com dois — como a viúva referiu. Aliás, só foi recuperado um projétil, que estava alojado no crânio do triatleta, na zona da nuca, confirmou fonte da PJ ao Observador. Não excluindo a possibilidade de a elevada decomposição do corpo impedir que alguns elementos sejam detetados, a PJ duvida que exista um segundo tiro também por outro detalhe: de acordo com Rosa Grilo, este foi disparado com o marido estava no colo da viúva — o que poderia deixar marcas no seu corpo ou até feri-la com gravidade — e, aparentemente, não seria essa a intenção dos agressores, que acabaram por libertá-la.
A arma do amante
Luís sabia da arma, mas Rosa não sabe se ela foi usada
A tese defendida por Rosa Grilo introduz um novo detalhe. Segundo ela, havia várias armas: as que os homens traziam e a que a viúva teria roubado a António Félix Joaquim, com quem tinha uma “relação amorosa à volta de três anos”, embora o conhecesse desde que eram crianças.
No interrogatório, Rosa explica que andava assustada com as ameaças das quais o marido teria sido alvo. Segundo a viúva, o triatleta teria um negócio com diamantes, com o qual “ganhava algum dinheiro” e recebia encomendas, de seis em seis meses, no escritório da empresa de informática, em Alverca. “E há 6 meses mais ou menos, começou a ficar muito inquieto e preocupado, deixou de dormir, deixou de treinar, estava realmente muito desorientado. E disse-me que talvez estivesse metido num sarilho”, explicou a viúva, adiantando que, no dia 5 de Julho, Luís lhe terá dito que “se tinha cruzado com esses tais senhores, mas que não o tinham abordado”. Rosa admite que, por isso, terá roubado a arma da casa de António Félix Joaquim, sem que este soubesse. “Levei para casa… e dei ao Luís. Até lhe disse que era do António porque ele conhecia o António”, explicou a suspeita à juíza adiantando que inicialmente Luís não queria a arma, mas depois terão acabado por escondê-la na garagem.
Terá sido à garagem que Luís Grilo encaminhou os homens, depois de regressarem com Rosa de Benavila. Terão perguntado pelo “miúdo”, o filho do casal. “E eu feita burra disse que o miúdo vinha mais tarde com a avó“, conta, acrescentando que os homens terão dito “então, vamos esperar”. Com medo que fizessem alguma coisa ao filho, Luís terá dito que os diamantes estavam “lá em baixo no armário da garagem” — “onde estava a arma”, acrescentou Rosa. A viúva conta que percebeu de imediato que o marido estaria a tentar que os homens o levassem à garagem para tentar chegar à arma. Mas os homens terão escolhido Rosa para ir com eles.
“Fui ao armário, tirei a arma, apontei-a, mas nem sequer sei apontar uma arma”, conta à juíza. Rosa explica que o homem lhe terá tirado a pistola, mas não sabe se foi essa a que, mais tarde, já na cozinha, lhe apontaram à cabeça e que, depois, o “homem branco” disparou para matar o marido. O exame à arma António Joaquim não permitiu uma conclusão completa, mas os elementos recolhidos fazem a PJ manter a mesma tese: o tiro que matou o triatleta terá sido disparado da pistola de 7,65 milímetros do amante, que foi apreendida e se tornou uma das razões que motivou a sua detenção.
A viúva conta ainda que, quando os homens foram embora, já depois de terem levado o corpo de Luís, lhe devolveram a arma e disseram: “Toma, guarda para a próxima vez que a gente se encontra”. Este é outro detalhe da história que permite questionar a tese defendida: por que razão os homens lhe devolveriam a arma, sabendo que correriam o risco de serem baleados por Rosa?
O filho e a limpeza dos vestígios
Rosa terá deixado Renato com o assassino — mas a criança não o viu
Com o marido acabado de ser assassinado, Rosa terá alertado que o filho estava quase a chegar a casa. Os homens terão então pedido à viúva que fosse buscar sacos do lixo — eram “pretos e roxos” –, toalhas e lençóis para enrolar o corpo. Os dois angolanos terão levado o corpo e o “indivíduo branco”ficou para trás, exigindo a Rosa que limpasse todos os vestígios. Foi nesse momento que Renato chegou a casa, com a avó.
Segundo a suspeita, a avó “ficou só no corredor” e, depois, saiu. O filho, como é “um bocadinho despistado”, ficou na sala e não se apercebeu de nada. O homem, que terá permanecido no piso de cima, terá ameaçado Rosa e obrigado a apresentar queixa do desaparecimento de Luís Grilo — o que fez nas horas seguintes. “Obrigou-me a ir e ficou com o meu filho sozinho lá em casa. Eu sei que devia ter ido logo à GNR dizer o que se passava, mas eu tive muito medo, e tenho e continuo com muito medo”, adianta ela própria à juíza.
Antes de sair, Rosa disse ao filho que ia “à procura do pai” que tinha “saído na bicicleta”. Foi à GNR às 20h00 e, segundo a sua versão, voltou “por volta da meia-noite”. Renato terá então ficado cerca de quatro horas em casa, com o “homem branco”, sem o ver. Ouvida pela PJ, porém, a criança disse que, durante o período em que a mãe foi à GNR, andou pela casa toda sem ver algum homem, segundo o Correio da Manhã.
Independentemente do que a levou lá, Rosa Grilo foi mesmo à GNR participar o desaparecimento do marido, alegando que tinha saído para fazer um treino de bicicleta e não tinha regressado a casa. O homem terá indicado exatamente o que Rosa deveria contar, incluindo que deveria livrar-se da bicicleta, para dar força à historia do desaparecimento. A viúva revelou que a atirou ao rio na ponte de Alverca, na quarta-feira seguinte. Nesse mesmo dia, voltou a colocar a arma no sítio onde a roubou: a casa de António Joaquim. “Ele não teve conhecimento. Nem soube que eu fui lá buscá-la, nem sabe que eu fui lá pô-la”, garante à juíza. A versão do amante ainda não é conhecida, mas António Joaquim, que deixou de representado pela mesma advogada de Rosa, pediu um interrogatório complementar, durante o qual deverá acrescentar mais detalhes à história.