O aparente alinhamento Belém/São Bento tem vindo a exasperar a oposição e esta semana o Presidente da República deitou mais uma acha para essa fogueira ao deixar a sua família política (o PSD) sozinha na condenação do despacho do primeiro-ministro que veio fazer depender de visto prévio os pagamentos do Estado à elétrica Endesa. Na noite antes dessas declarações de apoio ao Governo feitas por Marcelo, o Presidente foi visto a jantar em Alfama com o primeiro-ministro, com sardinhas como ementa, mas também um país agitado com o aumento dos preços.
Na imagem a que o Observador teve acesso é possível ver Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa à mesa, no restaurante Pateo 13, que fica em Alfama. O jantar aconteceu depois da audiência semanal que os dois tiveram e que, nesta semana, aconteceu na quarta-feira ao final do dia.
Depois da audiência, os dois seguiram para o centro histórico de Lisboa onde estavam sobretudo turistas, mas também alguns portugueses. Multiplicaram-se as selfies — em todas as nacionalidades — e registos fotográficos da mesa onde os dois iam cooperando estrategicamente diante de uma travessa de sardinhas.
A semana corria tensa, com as declarações do presidente da Endesa a irritarem o primeiro-ministro que disparou com um invulgar despacho a hostilizar a elétrica espanhola nas relações com o Estado. A decisão de fazer depender do visto do secretário de Estado da Energia os pagamentos a uma empresa específica devido a umas declarações do seu principal responsável fez levantar a oposição à direita.
Ao mesmo tempo, os especialistas apontavam fragilidade legais ao despacho que fizeram o primeiro-ministro vir garantir tratar-se apenas de uma decisão “preventiva” que não colocava contratos em causa. Nada disso pareceu impressionar Marcelo que, na quinta-feira de manhã, apareceu a defender o que Costa decidira.
O Presidente da República não só saiu em auxílio do primeiro-ministro como ainda acrescentou um aviso duro à Endesa, para que revele “bom senso” e “responsabilidade social” — um discurso que já tinha tido semanas antes sobre os lucros excecionais de algumas empresas na atual crise, mas que aqui assentou sem vincos no inimigo número 1 do Governo dessa semana.
Além disso, Marcelo Rebelo de Sousa acabou a caucionar o despacho onde disse não ver problemas legais mas antes um posicionamento “político” que apoiou. “[O despacho não tem nada que ver com os contratos, com aquilo que são competências e poderes da ERSE, não tem eficácia externa a não ser uma que é política, que é no fundo, sem dizer, que tinha sido estranho o comportamento daquela entidade”, afirmou o Presidente da República.
Nesse dia de manhã, durante a visita aos terrenos onde se realizará a Jornada Mundial da Juventude daqui a um ano, o Presidente da República referira, no meio de uma brincadeira com o presidente da Câmara de Loures que tinha estado com Costa no dia anterior e que o primeiro-ministro “estava em boa forma” — Marcelo referia-se à sardinhada da véspera, naturalmente.
Naquela mesma manhã, Marcelo saudou o acordo entre as Câmaras de Lisboa e Loures e o Governo sobre a JMJ2023 que no dia anterior tinha sabido ter ficado fechado cedo, depois de Carlos Moedas ter recebido uma proposta da ministra Adjunta do primeiro-ministro no início da semana, segundo apurou o Observador junto de fonte do Governo.
Costa guarda medidas. Marcelo espera
O tema principal das conversas entre os dois terá sido mesmo a situação geopolítica e as consequências que traz, nomeadamente o aumento dos preços, na energia mas não só. A resposta para um problema que entrou pelo país adentro, Costa ainda não a tem fechada.
Em Belém, a perceção é que o Governo está à espera para ver números mais concretos depois de passado o período do verão. “Os bancos centrais são muito importantes para a tomada de decisão do Governo”, sublinha fonte da Presidência que nota a paragem da atividade económica em agosto e também a importância, no caso português, de conhecer os números do turismo nesta época alta.
O Governo está a guardar para setembro o pacote de medidas para apoiar as famílias neste contexto de crise — altura em que se marca a rentrée política e o PS tem toda uma semana dedicada a isso mesmo, entre 7 e 13 de setembro, com uma academia de jovens e as Jornadas Parlamentares. E por agora parece contar com a complacência de Belém para ir guardando esse jogo — e não só.
O contexto tem colocado especial pressão sobre as empresas que têm apresentado lucros excecionais, com Marcelo a aproximar-se da preocupação do secretário-geral da ONU, embora sem ir tão longe como António Guterres que exortou os governos a criarem impostos para taxar lucros “imorais”. Também aqui parece estar alinhado com Costa que o Expresso noticiou estar pouco empenhado num imposto dessa natureza.
Aliás, nesta matéria concreta, Marcelo começou no aviso que a aplicação de um imposto a estas empresas (pedido à esquerda), terá de ser acompanhada pelo “baixar de impostos ou medidas sociais relativamente aos sectores desfavorecidos que sofrem mais” na sociedade portuguesa, como o que fez na semana passada, e uma — muito mais moderada — defesa da responsabilidade social das empresas com lucros extraordinários, como fez esta quinta-feira, já depois do fim de dia com o primeiro-ministro.
Embora a paciência de Marcelo não se estenda a todos os temas, como ficou claro logo na segunda-feira quando criticou a reforma do SNS que o Governo aprovou, ao dizer que está quase tudo por regulamentar e a levantar dúvidas sobre o diretor executivo que será uma nomeação governamental. Mas mesmo aí não deixou de dar o benefício da dúvida, promulgando um diploma que considerou central perante a atual situação do SNS.