António Costa não é um homem só. Nunca foi. Levou muitos amigos para o Governo, mas não tem “aquele” especial amigo que faz o papel de braço direito e dá o corpo às balas. Há camaradas dos tempos da jota, colaboradores próximos da era guterrista, políticos de carreira formados nos seus gabinetes ministeriais, e fiéis que o acompanharam também na Câmara de Lisboa. Tem seguidores, mas faltam-lhes os confidentes. António Costa não é de confidências. “Tem a ver com o feitio dele. Costuma-se dizer que ninguém sabe ao certo o que ele pensa”, diz um dirigente socialista. É autocentrado, o miúdo que se habituou sempre a ser o “dono da bola”, confidencia outro socialista. Falta-lhe Diogo Lacerda Machado, o “melhor amigo” — como o próprio descreveu numa entrevista ao DN e à TSF — e o “negociador” que foi ouvido esta terça-feira na Comissão Parlamentar de Economia e que ficou de fora do Executivo por “motivos pessoais”. Entraram outros amigos para o elenco governamental, não tão próximos quanto parece ser este. No entanto, as visitas mais regulares de casa do primeiro-ministro contam-se pelos dedos das mãos.
À cabeça está Eduardo Cabrita, amigo do primeiro-ministro desde os tempos da Faculdade de Direito de Lisboa e da Juventude Socialista. Apesar de ser o amigo mais antigo e mais próximo do primeiro-ministro, Cabrita não faz o combate político que fazia, por exemplo, Jorge Coelho, no tempo de António Guterres. A relação tem lastro e muita política.
“É uma figura que acompanha António Costa desde sempre. É o único no Governo com quem pode haver alguma partilha de segredos e de decisão”, sublinha um deputado socialista. Em 1999 e até 2002, Cabrita foi secretário de Estado de Costa no Ministério da Justiça.
Eduardo Cabrita, ministro-adjunto. Créditos: Portal do Governo
Não é de estranhar, portanto, que a parelha se tenha repetido quando Costa chegou a primeiro-ministro. Como ministro-adjunto, Eduardo Cabrita tornava-se agora numa espécie de braço-direito do chefe do Governo, embora a coordenação política estivesse mais com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva (que do ponto de vista das amizades ouviu José Sócrates defini-lo, na entrevista à Antena 1 de há uma semana, como o seu “melhor amigo político” no Governo). Costa respeita-o e confia nele, mas não existe a mesma intimidade.
A relação entre Costa e Cabrita é diferente e faz com que os laços pessoais se estendam também a Ana Paula Vitorino, mulher de Eduardo e ministra do Mar. Também ela acompanhou António Costa como ministro da Justiça — quando foi vogal do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, e depois presidente do Instituto de Gestão das Infraestruturas de Justiça.
Anos mais tarde, os dois acabariam por cortar relações. Durante a liderança de José Sócrates, em 2009, quando Ana Paula Vitorino era secretária de Estado dos Transportes, os dois entraram em conflito aberto por causa do modelo de gestão Metro de Lisboa, da Carris e da Administração do Porto de Lisboa. A socialista acabaria por concorrer a nas eleições de 2009 pelo círculo eleitoral do Porto.
Hoje, têm uma relação quase de “amor-ódio”, apesar de se conhecerem há muito tempo, descreve ao Observador um socialista próximo de António Costa. O tempo ajudou a ultrapassar a zanga, mas Ana Paula Vitorino está longe de estar entre os raríssimos confidentes do primeiro-ministro.
Os velhos conhecidos
Quem está mais próximo desse estatuto, para além de Cabrita, é Jorge Oliveira, secretário de Estado para a Internacionalização. Por ser dono de um “certo grau de loucura”, criativo, e capaz de “pensar fora da caixa”, Costa sempre gostou de o ter por perto, mesmo quando Jorge Oliveira vivia em Macau (Cabrita também passou pelo território). Quando regressava a Lisboa, de tempos a tempos, faziam questão de almoçar juntos. “É atrevido e Costa aprecia isso”, conta a mesma fonte socialista.
Jorge Oliveira, secretário do Estado para a Internacionalização. Crédito: Portal do Governo
A este duo junta-se José Apolinário, atual secretário de Estado das Pescas, antigo colega de faculdade e ligeiramente mais velho do que Costa. Estiveram juntos na Juventude Socialista e foi Costa quem cozinhou a candidatura vencedora de Apolinário para secretário-geral da Jota. Conheciam-se bem. Apolinário era o líder da Associação de Estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa, de que Costa também fazia parte.
Do outro lado, estava Porfírio Silva, candidato apoiado por Margarida Marques, a anterior líder da JS. Acabou derrotado. Foi uma batalha feia, mesmo para os critérios dos aparelhos partidários, com acusações de batota à mistura. A disputa deixaria marcas. Margarida Marques (hoje casada com Porfírio Silva) só perdoaria Costa & companhia anos mais tarde. A reaproximação foi acontecendo de forma natural e gradual. Prova disso mesmo é que Margarida Marques integra hoje o Governo de Costa como secretária de Estado dos Assuntos Europeus.
José Apolinário, secretário de Estado das Pescas. Crédito: Portal do Governo
Já a relação entre Costa e Apolinário conheceu altos e baixo, em grande parte por causa de um homem que Costa conhece bem: António José Seguro. Já como líder da jota, Apolinário aliou-se a Seguro para tentar neutralizar a influência de Costa na JS. Pouco tempo depois, o jovem de Penamacor acabaria por dar a provar a Apolinário o seu próprio veneno em doses redobradas, organizando um movimento para o derrubar. Estava a consumada a passagem de testemunho. Muitos anos depois, durante as primárias socialistas, José Apolinário acabaria por apoiar de forma inequívoca António Costa contra Seguro.
As criaturas políticas de António Costa
Depois há outro grupo, não menos importante: os delfins de Costa, peças importantes no tabuleiro do primeiro-ministro, que ele foi criando nos seus gabinetes e cuja evolução foi acompanhado e promovendo. São essenciais. Fernando Rocha Andrade, Marcos Perestrello e Graça Fonseca.
Os três costistas acompanharam o líder socialista praticamente desde os primeiros tempos de Costa no Governo de António Guterres. Ocuparam cargos de importância estratégica dentro e fora do partido e assumiram-se como pessoas de confiança do socialista. Mas a relação pessoal está longe de ser perfeita.
Dos três, Fernando Rocha Andrade, atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e ex-subsecretário de Estado da Administração Interna (2005-2008) é o único verdadeiramente tratado de igual para igual, explica uma fonte socialista que conhece bem os dois. Partilha com António Costa uma forma de ver o mundo semelhante e comungam, segundo este amigo, de uma certa síndrome de filho único. Rocha Andrade é-o de facto. António Costa só teve um meio-irmão já com sete anos de idade, o que fez com que cultivasse algum “egoísmo” e “egocentrismo”. Um traço de personalidade que sempre influenciou a sua forma de estar na vida e na política.
Há mais pontos em comum. Desde logo, são ambos licenciados em Direito e respeitam-se intelectualmente. São frontais e dizem o que pensam, às vezes de forma desconcertante para os restantes. Se António Costa é direto, Rocha Andrade ainda é mais. Não consta que precisem de falar muito para se entenderem e para se fazerem entender.
Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Crédito: Portal do Governo
Juntamente com Marcos Perestrello e com Graça Fonseca — que se integram nesta categoria — Rocha Andrade teve o primeiro contacto com os corredores do poder no gabinete de António Costa como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, nos primórdios do guterrismo, em 1995. Quatro anos depois, seria este jurista a preparar o estudo que apresenta a primeira proposta de círculos uninominais. Quando Costa passa para a Justiça, Rocha Andrade torna-se assessor. No Ministério da Administração Interna, já no Governo de Sócrates, vai a subsecretário de Estado de António Costa. No entanto, ao contrário do que acontece com os outros delfins de Costa, o atual secretário de Estado para os Assuntos Fiscais não costumava ser um alvo potencial dos conhecidos ataques de ira do primeiro-ministro.
Com Marcos Perestrello, a relação é diferente. “Têm muitos arrufos. Falam muitas vezes mal um do outro. De quando em vez, o Marcos amua, mas acabam sempre por resolver as coisas. Apesar de tudo, não passam um sem o outro”, explica um amigo que os conhece bem.
“O Marcos Perestrello nasceu para isto quando foi para o gabinete dele nos Assuntos Parlamentares”, recorda um antigo alto dirigente do PS. Em 1995, ainda era militante da JS. Hoje é líder de uma das principais estruturas socialistas, a FAUL (federação distrital de Lisboa), uma ajuda essencial para eleição de Costa como secretário-geral do PS. Pela segunda vez no Governo, ocupa o cargo de secretário de Estado da Defesa. Fez a carreira com Costa. No ministério da Justiça costista, Perestrello foi diretor-geral do primeiro Centro de Informação e Arbitragem de Seguros Automóveis. Depois, na Administração Interna, seria chefe de gabinete do secretário de Estado. Em 2007, Costa levou-o para vice-presidente da Câmara de Lisboa.
Marcos Perestrello, secretário de Estado da Defesa. Crédito: Portal do Governo
Graça Fonseca, atual secretária de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa, está neste lote. Parte significativa do seu percurso desenvolveu-se ao lado do atual primeiro-ministro. Foi sua chefe de gabinete no MAI e mais tarde vereadora da Câmara Municipal de Lisboa. António Costa respeita-a, mas não hesita em dar-lhe um puxão de orelhas sempre que se irrita.
Tal como Marcos Perestrello, também Graça Fonseca tem momentos de afastamento de António Costa. No entanto, e até hoje, as criaturas de Costa nunca romperam a corda. “São capazes de levar uns berros e até de se queixarem. Mas nunca deixam de o seguir. São os putos do Costa”, diz um socialista que acompanhou todos estes percursos.
Graça Fonseca, secretário de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa. Crédito: Portal do Governo
Neste lote dos delfins, poder-se-ia contar ainda João Vasconcelos, ex-diretor da Startup Lisboa e atual secretário de Estado da Indústria. Ainda assim, dos quatro jovens promovidos por Costa ao longo dos anos, Vasconcelos será o que está mais afastado do primeiro-ministro.
A radiografia do Governo faz-se assim. “Não há no Governo tantos amigos de António Costa como podíamos imaginar à partida“, reconhece outro socialista que pede para não ser identificado. Além de Diogo Lacerda Machado, faltam no Executivo nomes como João Tiago Silveira ou Ascenso Simões. O primeiro, ex-diretor do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça quando Costa tutelava a pasta, chegou a secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros com José Sócrates; natural de Vila Real, Ascenso foi o homem escolhido para dirigir a campanha de Costa nas legislativas, mas demitiu-se depois dos polémicos cartazes.
Há ainda os casos casos de Maria Manuel Leitão Marques (ministra da Presidência e da Modernização Administrativa) e Margarida Marques (secretária de Estado dos Assuntos Europeus), com quem Costa vai mantendo uma relação cordial, de longa data, ainda que sem grande intimidade. Respeita-as e ouve-as. Mas não são visitas frequentes de casa.
Costa também está a desenvolver uma relação forte com Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e responsável por manter a aliança de esquerda bem oleada no Parlamento. O líder da federação de Aveiro não cresceu nos gabinetes do líder socialista.
Mesmo sem o melhor amigo no Governo, Costa tem no Executivo amigos mais do que amigos de ocasião: pelo menos estes seis são para todas as ocasiões.