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Universal Images Group via Getty

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Credit Suisse treme, escândalo atrás de escândalo, e mercados receiam novo Lehman

Atuns moçambicanos, traficantes búlgaros, executivos espiados e banqueiros à bulha por causa de retroescavadoras barulhentas. O banco onde Horta Osório esteve menos de um ano está em risco de colapso.

A cada manhã de sábado, o então presidente do Credit Suisse – Tidjane Thiam – sabia que não ia poder ter um dia sossegado com a família. Um outro banqueiro tinha comprado a casa do lado, na Costa Dourada de Zurique, e decidiu parti-la toda, em trabalhos de renovação profunda que se arrastaram quase dois anos. Esse outro banqueiro, porém, não era um qualquer: era o ultra-ambicioso Iqbal Khan, um executivo de topo do mesmo banco. A tensão entre os dois levou a que acabassem engalfinhados, durante um jantar, lançando as bases para o caso de espionagem que é um dos inúmeros escândalos que se acumularam e que, hoje, ameaçam a sobrevivência do icónico banco suíço.

O Credit Suisse tem estado nas manchetes da imprensa financeira internacional, nas últimas semanas, com as ações a perderem mais de metade do valor desde o início do ano. Mais recentemente, a pressão agudizou-se por se terem gerado receios sobre a solvabilidade do banco, tornando-se mais provável que seja lançado um aumento de capital muito penalizador para os acionistas atuais – que podem ter de entregar mais dinheiro ao Credit Suisse para não verem as suas posições diluídas.

Os receios sobre a posição de capital do banco levaram a um aumento da procura pelo chamados credit default swaps, instrumentos que funcionam como seguros caso uma dada empresa ou país falhe com os seus pagamentos de dívida. O custo desses contratos mais do que quintuplicou desde o início do ano, ao mesmo tempo que algumas obscuras contas de Twitter – ligadas ao movimento WallStreetBets e à febre da GameStop – especularam que o banco estaria “insolvente”, “provavelmente falido”.

Um momento como 2008 novamente?“, perguntava-se, numa referência à queda do norte-americano Lehman Brothers, que desencadeou a crise financeira mundial de 2008.

FONTE: Refinitiv/Reuters, atualizado a 4 de outubro

No último fim de semana, o presidente do banco desdobrou-se em contactos com investidores e clientes e foi emitido um comunicado que, pelo menos numa primeira fase, fez mais mal do que bem. A gestão do Credit Suisse garantiu que o banco tem uma “base de capital robusta” e uma “boa posição de liquidez” – porém, reconheceu que a instituição vive um “momento crítico”.

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As primeiras horas de negociação na madrugada de segunda-feira foram muito difíceis, com as ações a caírem mais de 10%. Porém, as ações, que chegaram a ser negociadas a um mínimo histórico de pouco mais de 3,60 francos suíços, recuperaram e deram um “salto” de mais de 15% em relação a esse mínimo, para quase 4,20 francos suíços.

Há um ano, porém, valiam mais do que o dobro, o que mostra a visão pessimista que os investidores têm tido em relação às perspetivas do banco.

FONTE: Google Finance

Pelo menos para já, parecem estar controlados os receios de que possa haver um colapso comparável ao do Lehman Brothers – a julgar pela estabilização das ações nos últimos dias.

Um famoso repórter financeiro da Fox Business, Charles Gasparino, veio colocar um pouco de água na fervura, ajudando a essa estabilização: “O consenso entre os executivos de topo em Wall Street, sobre o Credit Suisse, é que os problemas que assombram o banco de investimento não são tão graves quanto parecem quando se olha para a especulação nas redes sociais e para a negociação dos seus credit default swaps“.

Porém, acrescentava o veterano jornalista, estes banqueiros “estão todos a seguir o tema de forma muito próxima e a calcular a sua exposição” ao Credit Suisse.

“Os executivos de Wall Street que se encontraram com o CEO do Credit Suisse (Ulrich Koerner) ouviram garantias de que os problemas estão apenas na unidade de banca de investimento e que o grupo, como um todo, tem capitais e liquidez adequados – porém, isso também era o que dizia Dick Fuld“, ironizou Charles Gasparino, em alusão ao último presidente do Lehman Brothers.

Uma repetição do Lehman Brothers ou do Deutsche Bank?

Para quem vê com maior pessimismo a situação do Credit Suisse, a comparação natural que é feita é com o Lehman Brothers. Mas, pelo menos nesta fase, a comparação mais aproximada é com a forma como os mercados olhavam em 2016 para o Deutsche Bank.

Também em torno do Deutsche Bank se formaram, há cerca de seis anos, graves receios sobre a continuidade da instituição – sobretudo após as multas multimilionárias aplicadas pelos supervisores bancários nos EUA. Porém, apesar de todos esses desafios, o banco tem vindo a cumprir um plano de reestruturação ambicioso e as agências de rating têm aplaudido o trabalho realizado.

No melhor dos cenários, é este trajeto que o Credit Suisse tem pela frente – uma longa reestruturação, com ou sem aumento de capital (e um aumento de capital mais ou menos diluitivo), cujo plano deverá ser apresentado a 27 de outubro. Mas no final da semana passada até esse cenário parecia demasiado otimista, sobretudo depois de um jornalista da norte-americana ABC News ter escrito no Twitter que uma “fonte credível” lhe tinha dito que um “grande banco de investimento estava à beira do precipício“.

O tweet acabou por ser apagado, não sem antes gerar enorme frisson nos mercados financeiros, que tinham acabado de fechar o pior trimestre desde o início da pandemia. E, embora o jornalista não tenha revelado qual era o tal banco de investimento internacional, foi praticamente consensual que se estaria a falar do Credit Suisse – daí o fim de semana atarefado que teve o novo presidente executivo do banco, Ulrich Koerner, a tentar tranquilizar os investidores.

A quantos escândalos consegue um banco resistir?

E foi praticamente consensual, entre quem se envolveu no debate, que se estaria a falar do Credit Suisse porque há muitas dúvidas sobre se o banco será capaz de sobreviver aos incontáveis escândalos em que se envolveu nos últimos anos (décadas, na verdade), alguns dos quais resultaram em litígios potencialmente danosos.

A grande instabilidade na liderança não ajuda, com uma sucessão de gestores que incluiu António Horta Osório, que mal aqueceu o lugar de presidente do conselho de administração.

O banqueiro português esteve menos de um ano no Credit Suisse, saindo abruptamente depois de ter sido feito um inquérito interno às suas violações das regras dos isolamentos pandémicos. Após a sua saída, Horta Osório foi substituído por Axel Lehmann, um suíço vindo do UBS, o arqui-rival que tem no mercado uma fama de ser mais “aborrecido” do que o Credit Suisse – e “aborrecido”, neste caso, é uma coisa boa.

António Horta-Osório demite-se do Credit Suisse após quebrar regras anti-Covid-19

Os últimos anos no Credit Suisse têm sido tudo menos “aborrecidos” – e o caso mais caricato a chegar à imprensa foi aquele, em 2019, em que o presidente e um dos seus principais executivos (e vizinho do lado) quase chegaram a vias de facto, ao ponto de terem de ser separados pela mulher de um deles e pelos outros convidados numa festa de cocktails.

Apesar de viver angustiado pelo incessante barulho das obras na casa do lado, o ex-presidente (executivo) do banco, Tidjane Thiam, decidiu organizar um jantar na sua casa na Costa Dourada de Zurique – e convidou várias figuras do banco incluindo Iqbal Khan, precisamente o vizinho responsável pelo desassossego na rua.

Entre um cocktail e outro, Tidjane Thiam, nascido na Costa do Marfim, e Iqbal Khan, oriundo do Paquistão, acabaram a falar sobre as obras e sobre umas árvores que tinham sido plantadas no terreno de Thiam. Dali a pouco, a discussão subiu de tom e os dois passaram para um confronto físico que acabou por chegar à imprensa, abalando a reputação do banco no setor suíço, que tem no secretismo e na discrição o seu pilar fundamental.

Goldcoast at Zurich lake During The Coronavirus Pandemic

A "Costa Dourada" de Zurique, onde um presidente do Credit Suisse teve um confronto físico com um dos seus principais executivos (e seu vizinho).

Getty Images

Após o incidente, Khan acabou por ter uma licença e foi durante esse período que terá tido reuniões com outras instituições financeiras de Zurique – onde não só se falou sobre a possibilidade de o executivo ser contratado para esses bancos como, também, Khan terá posto em cima da mesa uma lista das várias pessoas que o potencial novo empregador deveria ir “roubar” ao Credit Suisse.

Acabaria por ser contratado pelo UBS e terá sido nessa altura, finais de agosto de 2019, que o diretor operacional do Credit Suisse terá incumbido o diretor de segurança do banco de contratar detetives privados para seguirem Khan – sobretudo porque este continuava a socializar com ex-colegas do Credit Suisse (que a liderança do banco temia que pudessem ser desviados para o UBS).

O escândalo rebentou quando Iqbal Khan ia na rua, a passear com a mulher, e se apercebeu que estava a ser seguido – e confrontou o detetive privado, fotografando a matrícula do carro e fazendo queixa no Ministério Público. O caso acabou por levar a penas de prisão mas a pior consequência foi a morte, por suicídio, de um homem cuja identidade nunca foi revelada mas que terá estado envolvido na contratação dos detetives.

A investigação determinou que o diretor operacional terá agido de forma independente quando deu a ordem para seguir o banqueiro. Porém, mesmo assim, poucos meses depois também o presidente Tidjane Thiam acabaria por sair do Credit Suisse. E a casa? Foi vendida neste verão.

Credit Suisse Group CEO Tidjane Thiam briefs the media . 05APR16 SCMP/ Nora Tam

Tidjane Thiam foi presidente executivo do Credit Suisse até ao início de 2020

South China Morning Post via Get

Este caso juntou-se a uma já longa lista de escândalos que, mesmo que o banco reestruture as operações, vão continuar a assombrar a instituição nos próximos anos. Um dos piores foi o colapso dos fundos Greensill, em que o Credit Suisse se viu obrigado a congelar o equivalente a 10 mil milhões de dólares em dinheiro dos seus clientes.

O Credit Suisse tinha vendido aos seus clientes mais conservadores milhares de milhões de dólares em dívida da Greensill – uma fintech que acabou em maus lençóis. Os investidores processaram o banco e cerca de 6,8 mil milhões já foram devolvidos pelo Credit Suisse – mas este caso ainda está para durar.

Onde também se perderam vários milhares de milhões de dólares – 5,5 mil milhões, em rigor – foi no escândalo da Archegos, uma casa de investimentos nos EUA que fez apostas altamente alavancadas em algumas empresas tecnológicas. Essas apostas correram mal e a divisão de banca de investimento do Credit Suisse sofreu, de longe, as maiores perdas entre as financeiras que tiveram exposição à Archegos.

Archegos Capital Management Owner Bill Hwang Arrested For Fraud And Conspiracy

Bill Hwang, o dono da Archegos Capital Management, foi preso em Manhattan, por irregularidades nas apostas altamente alavancadas que fez (e que chamuscaram o Credit Suisse).

Getty Images

O caso dos atuns moçambicanos também colocou o Credit Suisse nas manchetes, pelas piores razões, depois de o banco ter reconhecido que defraudou os investidores num empréstimo de 850 milhões de dólares que serviu para financiar a compra de uma frota de barcos para a pesca de atum.

Desse financiamento total, cerca de 200 milhões de dólares terá alegadamente servido para pagar luvas a banqueiros do próprio banco e, também, a responsáveis políticos de Moçambique. Além disso, acusam os reguladores, o banco saberia que existia um grande fosso entre o financiamento e o valor dos barcos mas não disse nada aos investidores, quando este empréstimo foi reestruturado em 2016.

Além disso, o Credit Suisse também montou um empréstimo ao estado moçambicano que foi mantido em segredo e que não foi comunicado ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que levou a que o FMI interrompesse o plano de assistência económica ao país. O banco acabou multado em cerca de 400 milhões de dólares, a pagar aos reguladores financeiros dos EUA e do Reino Unido.

Entre todos estes escândalos juntam-se ainda vários outros, incluindo o alegado envolvimento do Credit Suisse em operações de lavagem de dinheiro de políticos corruptos, ditadores, traficantes de droga, nomeadamente da Bulgária, denunciado por uma investigação jornalista (Suisse Leaks). Entre 2004 e 2008, pelo menos 146 milhões de dólares terão sido branqueados em contas do Credit Suisse, cujos detentores o banco não escrutinou como preveem as regras. O banco foi condenado, em junho deste ano, mas está a recorrer nos tribunais.

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