Os portugueses não parecem muito interessados em fixar a taxa de juro dos seus créditos à habitação por prazos muito longos (toda ou quase toda a duração do empréstimo), porque o atrativo das taxas Euribor negativas — sem perspetivas imediatas de subida — tornam a opção pela taxa variável mais vantajosa, à primeira vista. Para quem tem como prioridade pagar a “renda” ao banco mais baixa possível, aproveitar a baixa da Euribor através da taxa variável é aquilo que faz mais sentido. Mas para as pessoas mais cautelosas (ou aquelas com memória da crise de 2007/2008 e outras mais ou menos recentes) os últimos meses trouxeram o que pode ser uma oportunidade de fixar em valores muito baixos a prestação que ficarão a pagar, sem alterações, para “o resto da vida” — porque o indexante (swap) a 30 anos caiu a pique para valores muito próximos de zero.
Os últimos dados divulgados pelo Banco de Portugal mostram que, nos primeiros seis meses do ano, caiu a pique a proporção do crédito que foi contratado com taxa fixa, sugerindo que os clientes bancários portugueses não tencionam inverter a tendência muito portuguesa de privilegiar a taxa variável — já que em vários países europeus predomina a taxa fixa. Entre janeiro e junho de 2019, mais de 81% dos quatro mil milhões de euros em novo crédito à habitação foram créditos indexados à Euribor. Ou seja, menos de 20% fixaram a taxa, apesar de alguns bancos terem lançado campanhas promocionais.
Mas até que ponto faz sentido fixar a taxa de juro (e a prestação) naquela que é, para muitas pessoas, a maior transação financeira em que se verão envolvidas em toda a sua vida — isto é, a compra de casa própria? Com a ajuda da plataforma de comparação de produtos bancários ComparaJá.pt, o Observador comparou os custos das ofertas com taxa variável face às ofertas que existem no mercado com taxa fixa a 30 anos, que cada vez mais bancos estão a comercializar.
Mas se a Euribor subir, o meu ordenado também será melhor. Certo?
Antes de mais, é importante explicar como é que são formadas as ofertas de taxa fixa. Tal como na taxa variável, para calcular a prestação é preciso incluir dois grandes elementos: um determinado indexante e, por outro lado, o spread, ou seja, a margem de lucro que o banco aplica conforme o perfil de risco do cliente ou do financiamento, que os bancos atenuam se o cliente se comprometer com outros produtos ou serviços associados, como seguros, domiciliações de ordenado, cartões de crédito, entre outros. É da soma destes dois que resulta a prestação mensal que o cliente paga.
Se sobre o spread não há muito a dizer — caberá a cada pessoa negociar com o banco o melhor spread possível — sobre o indexante sabemos que, no caso da taxa variável, a taxa Euribor a 12 meses e, também, a Euribor a 6 meses, são os indexantes mais usados. Quando se usa taxa variável, o cliente fica sujeito às flutuações dos mercados.
Em teoria, se as taxas Euribor subirem isso poderá ser uma boa notícia porque significa que a economia também estará a melhorar, que estaremos todos mais sólidos no emprego e a ganhar mais salário ao fim do mês. Mas isto pode ser uma ilusão. Basta recuar até 2007/2008 para recordar que Portugal e outros países já estavam a entrar em crise, com as taxas de desemprego a subir, mas, por força de fatores como a subida dos preços do petróleo, a taxa de inflação estava em níveis elevados e os bancos centrais subiam as taxas de juro para tentar travar a inflação.
Lembra-se que, em plena crise, precisamente quando Portugal estava, no início de 2011, a pedir um resgate internacional, o BCE (na altura liderado por Jean-Claude Trichet) subiu as taxas de juro duas vezes, em abril e junho desse ano? Pois, como muita gente bem se lembrará, nada garante que existirá um equilíbrio perfeito entre as condições económicas e o nível de taxa de juro.
Por esta razão, é recomendável consultar os bancos sobre todas as opções disponíveis. E ficar a saber exatamente — ao cêntimo — qual é a prestação mensal que vai ficar a pagar. Nem todos os bancos comercializam a opção de taxa fixa a 30 anos. Alguns não vão além de cinco ou 10 (passando, automaticamente, depois, para taxa variável), mas a maioria dos economistas não vê grandes perigos nesse horizonte tão próximo. Porém, quando falamos de prazos muito longos, que englobam toda (ou quase toda) a duração do empréstimo, a taxa fixa é uma modalidade que pode fazer sentido para algumas pessoas, mesmo que isso saia um pouco mais caro, todos os meses. Mas quanto mais caro, exatamente?
Se quisermos avaliar uma oferta de taxa fixa, devemos olhar para indicadores como o TAEG (taxa anual de encargos efetiva global) e o MTIC (montante total imputado ao consumidor), tal como é importante perceber exatamente as condições necessárias para se obter uma bonificação no spread e, ainda, conhecer as características dos seguros associados. Se o consumidor escolher a modalidade de taxa fixa, a prestação fica acordada entre ele e o banco e irá manter-se inalterada ao longo do prazo do empréstimo. Ou seja, aconteça o que acontecer, o cliente pagará sempre a mensalidade que ficou estabelecida no contrato (atenção, porém, que os seguros se tornam mais caros à medida que se envelhece — mas isso também acontece com a taxa variável).
O caso do Francisco e da Teresa. Devem optar pela taxa fixa?
Vamos a um caso prático. Para perceber se compensa mais fazer um crédito à habitação com taxa fixa ou variável, o ComparaJá.pt apresentou ao Observador o perfil de um casal, o Francisco e a Teresa, ambos com 34 anos. Estão os dois efetivos e empregados por conta de outrem, são quadros intermédios de uma consultora na área dos serviços financeiros. O rendimento anual líquido do casal é de 36.000 euros.
O Francisco e a Teresa, neste momento, estão a viver numa casa arrendada e têm despesas mensais de 750 euros. Não detêm qualquer outro crédito e estão a pensar comprar um apartamento em Lisboa que foi construído em 2015. O apartamento tem uma área bruta de 100 metros quadrados e está avaliado em 215.000 euros. O casal prevê comprar o apartamento por 200.000 euros e precisa, para isso, de um empréstimo no valor de 150.000 euros. O prazo de reembolso que estabeleceram foi de 30 anos.
Para obter bonificação no spread, o Francisco e a Teresa estão dispostos a domiciliar os dois ordenados na instituição de crédito; ter conta bancária na instituição, com descoberto contratado; contratar cartão de crédito e de débito; ter ordens de pagamento permanentes ativas; e, ainda, subscrever o seguro de vida e o seguro multirriscos propostos pelo banco.
Então, mas, afinal, o que é que serve de indexante na taxa fixa, se a Euribor não é tida nem achada nesses contratos? Tal como acontece na Euribor, para calcular o indexante na modalidade fixa os bancos vão ao mercado — a diferença é que só contam os valores de mercado no momento da escritura (e, depois, deixamos de estar expostos às variações). E o instrumento relevante na taxa fixa são os swaps de taxa de juro no prazo relevante, por exemplo 30 anos.
As taxas swap, em termos simples, são instrumentos complexos que funcionam como seguros com vista a algo que pode acontecer no futuro. E se ainda há cerca de um ano as taxas swap a 30 anos oscilavam entre 1,5% e 2%, nesta fase, com os EUA a descer juros e o BCE prestes a lançar novos estímulos, as taxas caíram para um valor a rondar os 0,1%, que muda todos os dias mas que se tem mantido nestes níveis historicamente baixos, muito próximos de zero.
Contudo, há bancos mais transparentes (e outros menos) na altura de dizer ao cliente como se calcula a prestação. Alguns apenas indicam uma TAEG global, opaca, ao passo que outros negoceiam o spread e dizem ao cliente que o segundo elemento — o swap — será aquele que estiver no mercado internacional no dia da escritura. Tendo isso em conta, veja a tabela comparativa seguinte:
À primeira vista, se compararmos as prestações podemos ver diferenças de algumas dezenas de euros na prestação mensal. Por exemplo, logo no primeiro caso, no Bankinter, é a diferença entre os 507 euros de prestação na taxa variável e 538 euros na taxa fixa, cerca de 30 euros de diferença. Isto significa que, ao longo de todo o empréstimo, o Francisco e a Teresa terão pagado cerca de 200 mil euros pela casa, ao passo que com Euribor a 12 meses o custo previsível é inferior a 189 mil euros — mas, atenção, ao passo que o primeiro valor é fixo e perfeitamente previsível, o segundo só se confirmará se a Euribor continuar nos valores atuais ao longo de 30 anos.
E pergunte, então, a si próprio (e, claro, ao gestor de conta): acha que é provável que a taxa Euribor permaneça neste valores negativos nos próximos 30 anos? Sim: nos próximos 30 anos.
Tudo leva a crer — e a maioria dos economistas é dessa opinião — que nos próximos anos as taxas de juro vão continuar em níveis baixos. Mas… 30 anos? Alguns poderão argumentar que se as taxas de juro não subirem na zona euro, de alguma forma, nos próximos cinco a 10 anos, isso significará que a união monetária não está a conseguir resolver os seus desequilíbrios e desafios económicos.
“Japonificação”. Zona euro arrisca nova década perdida, receiam analistas
E se as taxas de juro subirem (pouco ou muito)?
Ninguém está a prever que isso aconteça, pelo menos nos próximos 10 anos: mas o que é que aconteceria à prestação paga pelo Francisco e à Teresa caso as taxas de juro atingissem os máximos históricos (desde o início da zona euro) a que chegaram antes da crise?
Veja a tabela seguinte, comparando os mesmos produtos e os mesmos bancos. Nesta tabela não são consideradas bonificações de spread porque as fichas de informação normalizada disponibilizadas pelos bancos partem sempre do spread base para simular o efeito da subida das taxas de juro. Para que a nossa análise seja justa, porém, aplicamos o mesmo spread base, sem bonificações, para dar uma ideia da comparação entre a taxa fixa e a taxa variável.
Se o Francisco e a Teresa optassem pela fixação da taxa, tendo como contraponto um cenário de taxa variável num cenário de subida da Euribor para o máximo de 5,393% verificado em 2008, as suas prestações poderiam ser praticamente metade. O que é o mesmo que dizer que, na comparação entre a prestação invariável que hoje é possível contratar e a taxa Euribor no máximo histórico, o Francisco e a Teresa poderiam, em alguns casos, acabar por pagar o dobro pela mesma casa — isto, claro, se conseguissem, com os seus rendimentos, suportar os encargos e manter a casa.
Nem 8 nem 80. A partir de quando é que a taxa fixa vale a pena?
Mesmo assim, é preciso olhar para o problema com equilíbrio: se não é provável que as taxas Euribor se mantenham nos níveis atuais, também não é muito provável que as taxas subam para os máximos históricos e lá permaneçam durante 30 anos. Mas ninguém sabe: quem pode garantir que não sobem ainda mais, mesmo que temporariamente? Ou quem pode garantir que não descem para valores ainda mais negativos por um período prolongado?
“Embora neste momento a Euribor se encontre em mínimos históricos, o que naturalmente faz descer as prestações dos empréstimos, não é possível prever durante quanto tempo estará em terrenos negativos”, explica José Figueiredo, CEO do ComparaJá.pt, ao Observador.
Mas se apontar para uma Euribor novamente nos máximos históricos parecer ao leitor um cenário exagerado, a tabela seguinte ajuda a compreender qual seria o impacto, nas prestações de taxa variável, de subidas mais moderadas do indexante — usando, para isso, os valores médios de mercado.
O que é claro é o seguinte: “A única maneira de os consumidores se protegerem desta incerteza é recorrerem a um empréstimo com taxa fixa, que garantirá maior estabilidade no orçamento familiar. No entanto, ao transferirem este risco para o banco, têm de estar preparados para suportar uma prestação mais elevada, ainda que neste momento as diferenças entre os valores não sejam extremamente significativas”, sublinha José Figueiredo, o responsável do ComparaJá, o portal independente de comparação de produtos.
“Fixar a taxa, com a Euribor tão negativa, porquê? Não recomende isso a ninguém”
Por muitas campanhas promocionais que tenham sido feitas, nas visitas feitas pelo cliente-mistério do Observador a sucursais bancárias, os bancários não parecem, de um modo geral, muito interessados em propor a opção da taxa fixa. Numa visita a uma agência do BPI, na Grande Lisboa, por exemplo, a funcionária garantiu que nem se lembra do último crédito que fez com taxa fixa — e indicou que tem feito “imensos” com taxa variável. “Fixar a taxa, com a Euribor tão negativa, porquê? Não recomende isso a ninguém da sua família“, afirmou, sem saber que estava a falar com um jornalista.
De seguida, a bancária defendeu que as taxas baixas (variáveis) são para aproveitar. E se a Euribor sobe e eu deixo de conseguir pagar? “Se não conseguir pagar, vende a casa”, respondeu. Numa eventual crise, como se viu na mais recente, por vezes esta não é uma boa filosofia, até porque os preços das casas podem cair e a venda pode nem ser suficiente para saldar a dívida ao banco. E vender a casa de família, mesmo que não se perca muito dinheiro, pode não ser um processo pelo qual boa parte das pessoas queira ser obrigado a passar.
E quem já tem crédito? Faz sentido "converter"?
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Se já tem crédito à habitação há vários anos e está a ponderar aproveitar os juros baixos para, pagando um pouco mais, fixar a taxa, consulte o seu gestor de conta sobre essa possibilidade. Ou visite outros bancos concorrentes que admitam transferir o crédito (tenha, porém, atenção aos custos). Sem mudar de banco, é possível em alguns fazer esta “conversão” sem penalização — mas tenha em atenção que, se passar para taxa fixa, a comissão de reembolso antecipado passa a ser de 2%, em vez dos habituais 0,5% que são praticados na taxa variável.
Daí que esta seja, claro, uma aposta que pode revelar-se uma ótima poupança ou um desperdício de dinheiro. Alguém pode olhar para o que paga a mais, mensalmente, na taxa fixa como uma espécie de “seguro” ou de “poupança forçada” para garantir que, um dia, o cenário se inverte e, aí, passamos a poupar dinheiro. Outros poderão preferir a alternativa: optar pela taxa variável e, por exemplo, poupar a diferença. Não sabemos é se essa diferença chegará para cobrir aquilo que a prestação pode subir caso as taxas de juro cresçam no futuro.
José Figueiredo, do ComparaJá.pt, defende que “optar entre taxa variável e fixa prende-se sobretudo com os riscos que as famílias estão dispostas a correr”: “Quem neste momento contratar um empréstimo indexado à Euribor estará a pagar menos várias dezenas de euros por mês face a quem opte por um crédito com taxa fixa. Mas caso haja uma alteração substancial nas condições do mercado, o que poderá levar a que a Euribor atinja valores semelhantes aos de 2008, quem agora optar pela taxa fixa poderá poupar várias centenas de euros a cada mês”.
A realidade é que ninguém sabe como vai evoluir a taxa de inflação e as taxas de juro nas próximas décadas, portanto é impossível dizer quanto dinheiro se poderá poupar ou desperdiçar optando pela taxa fixa. Há fatores, como os desafios demográficos, que não fazem adivinhar grandes pressões inflacionistas — e, também, a rápida evolução tecnológica é referida pelos académicos como tendo um efeito intrinsecamente deflacionista.
Por outro lado, vários economistas receiam que as medidas de estímulo monetário lançadas pelos principais bancos centrais mundiais possam estar a gerar uma espécie de “bomba-relógio” em que, apesar de não estar a gerar-se inflação nesta fase, o cenário pode inverter-se na altura em que os bancos forem reduzindo a sua intervenção (parecia estar a iniciar-se esse desmame em 2018, com a Fed norte-americana a subir as taxas de juro várias vezes, trajetória agora interrompida).
E há outro fator que leva a crer que os governos da zona euro terão, de alguma forma, de conseguir gerar crescimento económico mais sólido (e com inflação) nos próximos anos, caso contrário a união monetária arrisca uma nova crise existencial e a possível desagregação. O economista Carsten Brzeski, do ING, dizia num artigo recente da CNN que caso haja mais uma “década perdida” isso poderá aprofundar o fosso crescente que existe entre a Europa rural e as zonas urbanas, privar mais jovens de trabalho e alimentar a instabilidade política. No final de contas, admitiu o economista, o risco é que a zona euro acabe, mesmo, por se desmembrar numa eventual segunda ronda de problemas. Não faltará, portanto, incentivo para estimular a inflação e o crescimento económico.
Comprar uma casa para, depois, arrendar. (Onde) é um bom negócio?