“Depende dos resultados e das circunstâncias.” É assim que Rui Rio responde ao Observador, numa curta conversa na terça-feira à noite, minutos antes de entrar no comício em Viseu. É a questão para um milhão de euros: o que fará o líder do PSD no day after, caso não ganhe as eleições. Sai ou fica? Tudo depende não só do resultado do PSD, como também, e sobretudo, do resultado do PS. Uma das “circunstâncias” é precisamente essa: avaliar o grau de estabilidade, ou instabilidade, da solução de governo que Costa desencantar. Quanto menos estável for, maior é a probabilidade de Rui Rio ficar. “Vamos olhar para o xadrez que sair dali”, diria Rui Rio já esta quinta-feira, no Porto.
Há ainda muitos dados em jogo, mas o principal é saber o que o PS vai fazer: “Tudo depende da maior ou menor fragilidade que a solução de governo possa revelar no médio prazo”, ouve o Observador de fonte social-democrata. Há quem lembre que há eleições autárquicas em 2021, e que, se o próximo governo não for estável, pode ser de desgaste rápido. “Quem diz que o próximo governo dura a legislatura toda?”, questiona-se no núcleo duro de Rio. Nesse caso, o líder poderia lutar por uma vitória em dois atos: menos de 30% agora, e mais de trinta amanhã?
Se houve coisa que as anteriores eleições legislativas ensinaram foi que nada é certo e nenhum cenário pode ser descartado. António Costa parece posicionado para ganhar, mas sem maioria absoluta; o crescimento do Bloco de Esquerda parece indicar que o PS vai ficar na mão dos bloquistas, porque nem PCP nem PAN serão suficientes. Mas António Costa também pode preferir governar à vista, à Guterres, fazendo acordos pontuais para aprovar leis e orçamentos. E, se assim for, o PSD contará para esse tabuleiro de xadrez? No meio das dúvidas, parece haver pelo menos uma certeza: “Vai haver Rio no pós-Rio”.
No bar escuro do hotel de Viseu, Rui Rio prefere a fórmula do “se eu ganhar, não há cenários”, mas todos sabem que ganhar é, de todos, o cenário menos provável. Por isso, Rui Rio vai descontruindo: “Se tiver 15%, é fácil, não tenho de pensar nada; se tiver 20% também não tenho de pensar muito”. Sai. A questão põe-se se o resultado do PSD estiver algures entre os 26 e os 30%. Ao Observador, várias fontes sociais-democratas concordam num ponto: com 26% já dá para Rui Rio criar alguma narrativa dentro do partido, mas terá dificuldades em lidar com o avanço dos challengers; com 28% vai seguramente à luta e será “taco a taco”; e com mais de 30% Rui Rio cantará vitória (mesmo na derrota) na noite eleitoral e “ninguém o tira de lá”.
As zonas cinzentas são o 27% e o 29%, mas Rui Rio garante ao Observador que não tem “nenhum número mágico na cabeça”. “Logo vejo”, diz e volta a dizer, repetindo uma fórmula que tem usado várias vezes em campanha: “Isto é duro, tenho de ver se estou para me chatear, porque de certeza que estaria melhor em casa ou a ganhar dinheiro noutro lado”. Ou seja, se ficar à frente do partido, não será apenas pelo cargo de líder de alguma coisa, que neste caso será de líder da oposição. Desprendimento, vai repetindo.
Portanto, se ficar, das duas uma: ou é para aguentar o barco enquanto o governo, se for frágil, cambalear até cair; ou é para ser “útil” ao país. Por “útil” entende-se ser capaz de fazer as reformas estruturais de que “o país precisa”, sendo que essas reformas podem fazer-se “estando no Governo ou no Parlamento”, como tem dito várias vezes nas suas intervenções. No partido há quem acrescente um outro dado: Rui Rio sabe que essas reformas só se fazem se um dos dois, Rui Rio ou António Costa, for primeiro-ministro e contar com o outro no Parlamento.
Ainda esta quinta-feira, num almoço com empresários em Vila Nova de Gaia, Rui Rio dizia que estava “disponível para possibilitar que o país tenha uma série de reformas que só são possíveis de fazer com o PS e o PSD”. Mas, ressalvou, isso não implica “a viabilização do Governo [de Costa] e muito menos implica ter de ir para o Governo”. Perante os empresários, Rio já tinha explicado: “Há reformas que um governo minoritário pode fazer”, e há reformas que exigem “um consenso nacional, de maioria qualificada”, mas há outras que se podem fazer apenas com um “consenso político”, que não requer maioria de dois terços. A reforma da Segurança Social é uma delas: basta um entendimento entre os dois maiores partidos para mudar alguma coisa. “Temos a obrigação de fazer agora o que melhor sabemos para garantir as pensões de reforma para as gerações futuras”, disse em Gaia. No núcleo duro do PSD, ninguém tem dúvidas de que essa vontade de entendimento em nome do interesse nacional não vai ao ponto de Rui Rio viabilizar Orçamentos do Estado a António Costa: “Os modelos económicos são estruturalmente diferentes”. Além de que Rio não tem dúvidas: se Costa precisar da “geringonça”, a “geringonça” está lá.
“Não há vitórias morais” nem “meias vitórias”. Críticos pressionam: ou Rio ganha ou Rio perde
A última sondagem da Universidade Católica, para o Público e a RTP, deixou os críticos internos de Rio “assustados”. O PS sem maioria absoluta e a precisar de, na melhor das hipóteses, nove deputados para governar, o PAN a conseguir apenas quatro, logo, a não ser útil, e o PSD com 30% das intenções de voto, bem mais do que as primeiras projeções levavam a crer, fez alguns setores do partido levantarem as orelhas. “Estão todos assustados, há quem já se tenha comprometido com outras fações e que agora está com vontade de recuar”, ouve o Observador de uma fonte externa à direção do partido, que avança uma certeza de corredores: “Hoje o militante-base está semi-rendido a Rui Rio e já ninguém parece ter dúvidas de que vamos ter Rio no pós-Rio”.
Paralelamente, há outra aparente certeza: no day after, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz, pelo menos, não vão faltar à chamada. Depois de mais de um ano e meio a marcar posição, não têm grande margem para recuar. A diferença é que, enquanto Montenegro vai jogar a liderança, e portanto, o tudo ou nada, Pinto Luz joga apenas no campeonato da “afirmação política”. E se Rui Rio está, de certa forma, a beneficiar de um ponto de partida baixo, “a jogar com expectativas baixas”, o truque agora é aumentar a fasquia. “Não há vitórias morais”, “não há meias vitórias” e “a única maneira de [Rui Rio] calar os críticos é ganhando as eleições”, foi ouvindo o Observador de fontes da ala anti-Rio.
Ou seja, a narrativa de que Rui Rio recuperou e conseguiu ganhos eleitorais na reta final da campanha não cola. Primeiro, porque, à semelhança do que diz várias vezes o próprio Rui Rio, nunca o PSD valeu “19 ou 20%” como diziam as sondagens. Depois, porque Rio se limitou a “recuperar o eleitorado perdido” no tempo da troika, não propriamente a acrescentar eleitorado ao PSD. “Isto não muda nada, até o Santana teve 28% [em 2005, quando concorreu contra Sócrates, Santana Lopes teve 28,7%, mas Sócrates teve maioria absoluta]”, diz um dos chamados críticos ao Observador, sublinhando que o que as sondagens mostram hoje não é que o PSD está a subir, mas sim que o PS está a descer”. Os críticos aumentam a pressão: “O trabalho dos últimos dois anos não se resume ao trabalho eleitoral” e, na hora H, “só interessa ganhar ou perder”.
E se perder, Rui Rio vai ter de defrontar pelo menos Luís Montenegro na luta interna. “Com 27%, [Rio] não tem condições para se recandidatar, com 28 a 30% pode até pensar nisso, mas não muda nada”, defende a mesma fonte. Outra fonte tem os mesmos números na cabeça: “Se [Rio] tiver 28 a 30% tem todo o direito de se recandidatar, até é bom para definirmos e esclarecermos o rumo que queremos para o PSD. Mas uma derrota é uma derrota”, avisa.
Copo meio cheio e copo meio vazio. Resultado da PàF é a bítola
No inner circle de Rio, contudo, a perceção sobre os chamados críticos é outra: perderam a narrativa e vão ser responsabilizados pelos distúrbios causados. “Andaram a anunciar que vinha o diabo ao PSD e o diabo não veio”, diz uma fonte. O próprio Rui Rio reconhece isso mesmo na conversa com o Observador. “Sou o que sou, e faço o meu caminho como acho que deve ser feito, mas esse caminho foi-me de certa forma boicotado em 2018”, disse, defendendo que já “podia ter chegado aqui [ao taco a taco] há quatro ou cinco meses”. Ou seja, Rui Rio vai atribuir uma quota parte da culpa aos críticos que o atrasaram.
Vendo as coisas deste prisma, o entendimento no núcleo social-democrata é mais ou menos este: o PSD “recuperou” os resultados de 2015, da coligação Passos/Portas, tendo recuperado o eleitorado da classe média — “só faltam os reformados” –, e só não recuperou mais porque teve obstáculos internos que funcionaram como pedras no caminho. Em 2015, a PàF teve 36,8%, foi a força mais votada, mas não conseguiu formar governo. Desses 36% tem de se retirar uma parcela do CDS, que em 2011 valia 11% nas urnas, e nas Europeias de maio caiu para 6%. Partindo do princípio de que o CDS vale hoje menos do que valia em 2015, então, a conclusão que se retira entre os apoiantes de Rio é que o PSD já vale mais hoje do que valia o PSD de Passos Coelho em 2015. As circunstâncias são outras, dirão os críticos, sem troikas e sem colossais aumentos de impostos, mas a narrativa vai ser essa.
Na noite eleitoral, Rui Rio poderá mesmo ter dois copos para olhar, um meio cheio e outro meio vazio: é uma questão de escolher. Ao que tudo indica, o líder do PSD não vai decidir logo o seu futuro. Primeiro, vai parar para olhar para o tabuleiro de jogo e pensar. Dependendo do resultado, na noite eleitoral pode fazer um discurso de vitória mesmo tendo perdido, ou pode fazer um discurso neutro e esperar para ver. É preciso esperar pela atribuição de mandatos no Parlamento e saber de que maneira o PS — se ganhar — vai querer governar. Quanto maior for a fragilidade da solução governativa, maior é a importância do PSD. Só depois Rui Rio decide o que faz. “Logo vejo”, vai dizendo por agora, enquanto se despede no hotel de Viseu. Faltam dois dias para a ida às urnas, e cerca de dois meses para o PSD levar a votos a liderança. Tic-tac.