Índice

    Índice

[Esta é o primeiro de três artigos sobre a origem da terminologia do mundo do petróleo (parte 1), bem como das suas marcas comerciais mais conhecidas (partes 2 e 3)]

O petróleo, que o “Processo de Descarbonização em Curso” parecia ter condenado à obsolescência, tem registado nos últimos tempos uma procura sôfrega (com consequente escalada de preço) que sugere que ainda teremos de viver com ele durante muitos anos

As promessas de um futuro mais verde que os políticos fazem todos os anos, por ocasião das Conferências das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, a convicção dos grupos ambientalistas de que a única forma de evitar o cataclismo é suspender de imediato a extracção de combustíveis fósseis e a simpatia expressa pela maior parte dos cidadãos do mundo desenvolvido por causas como a defesa do ambiente e a criação de uma sociedade “sustentável” desfazem-se em pó perante a realidade e os grandes e nobres desígnios que julgamos alimentar (ou que alardeamos em público) raramente são congruentes com as nossas mais íntimas aspirações e prioridades e com as opções que fazemos na vida real.

E foi assim, que em 2021, percebemos que, apesar de tudo o que foi dito e escrito nos últimos anos, o quase universalmente detestado petróleo ainda é vital ao nosso estilo de vida. A fim de compreender melhor como as sociedades modernas se tornaram “viciadas” neste líquido negro é preciso recuar cerca de dois milénios e meio.

A morte do petróleo: um anúncio manifestamente exagerado

Ao fim de décadas de avisos, cada vez mais veementes e alarmantes, da comunidade científica sobre os previsíveis efeitos dos gases de efeito de estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis – petróleo, gás natural e carvão – sobre o clima do planeta, só no século XXI os governos começaram a tomar medidas tímidas para limitar essas emissões. Apesar do Processo de Descarbonização Em Curso, o petróleo e os seus derivados são ainda largamente dominantes no transporte rodoviário, aéreo e marítimo, no aquecimento de edifícios e águas sanitárias e na confecção de alimentos e geram fracção relevante da electricidade para fins domésticos, urbanos e industriais, o que faz com que o petróleo represente 32% do consumo de energia na Europa e Ásia e 40% na América do Norte. E, ao contrário do que muitos ambientalistas mais inflamados e radicais parecem pensar, mesmo que as energias renováveis sejam, um dia, capazes de substituir integralmente a energia proveniente de combustíveis fósseis, iremos continuar a precisar de petróleo para alimentar a indústria química, que produz a miríade de materiais sintéticos, pesticidas, fertilizantes e fármacos que são omnipresentes nas nossas vidas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Huntington Beach, Califórnia, 1928

Devido à pressão – dos governos e da opinião pública – para a “descarbonização”, algumas das empresas que começaram por ser estritamente petrolíferas – e que, durante anos, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para negar ou considerar irrelevante o efeito da queima de combustíveis fósseis no clima e retardar a aplicação de legislação ambiental – estão, finalmente, a investir em energias renováveis e a reconverter-se em empresas de energia no sentido lato. Esta mudança tem vindo a ser acompanhada por despudoradas manobras de “greenwashing”, que passam por ocultar o seu lamentável cadastro ambiental e apresentar-se como paradigma de sustentabilidade e consciência ambiental; nalguns casos, o seu passado é tão “sujo” que, a fim de assumirem este novo rosto de salvadoras do planeta, algumas empresas têm vindo a operar radicais mudanças de imagem (e até de nome).

Todavia, por muito que se fale em “descarbonização” (os políticos invocam-na agora com a mesma frequência e devoção com que um beato invoca o nome do Senhor), a verdade é que o consumo de petróleo tem continuado a aumentar consistentemente ao longo do século XXI, passando de 85 milhões de barris por dia em 2006 para 100 milhões em 2019 e só registando quebras ligeiras em 2008-09, em resultado da recessão económica mundial, e uma quebra mais pronunciada em 2020, por causa da pandemia de covid-19; ainda assim, o consumo de 2020 – 92 milhões de barris por dia – foi superior ao de 2012 (ver As alterações climáticas e a conferência das Nações Unidas: O Grande Circo Carbónico).

Em 2021, a redução dos confinamentos e a retoma da actividade económica confirmaram que a quebra de consumo de 2020 nada teve de “virtuosa” ou “sustentável”: o consumo de petróleo subiu em 2021 para 97 milhões de barris por dia, a procura excedeu a oferta, os preços do petróleo e dos restantes combustíveis fósseis subiram vertiginosamente, muitos países suspenderam ou reverteram os planos de abandono do carvão e a Europa (em particular a Central e de Leste) entrou em pânico com a perspectiva de não estar garantido o abastecimento de gás natural russo indispensável a manter as casas quentes durante o Inverno – em resumo, ficaram cruamente expostas a hipocrisia dos líderes políticos e empresariais e a dissonância cognitiva das massas.

As respostas dos governos dos países desenvolvidos à presente “crise energética” e, em particular, ao previsível desagrado dos seus cidadãos com a subida do preço dos combustíveis envolveram medidas como subsidiar o consumo de gasolina e gasóleo (em Portugal, estima-se que este subsídio, realizado através do IVAucher, custará ao Estado 132 milhões de euros) ou libertar para o mercado reservas estratégicas de petróleo (só os EUA libertaram 50 milhões de barris). Os seus cidadãos (supostamente “ambientalmente conscientes”) ficaram muito agradecidos com estas medidas e poucas associações ambientalistas se atreveram a denunciar que elas representavam a negação das belas proclamações dos governantes em favor da “transição energética”. Pelo seu lado, Vladimir Putin, os oligarcas russos, os petro-emires do Golfo Pérsico e os petro-cleptocratas africanos não podiam ter ficado mais felizes, pois a “crise energética” é um indicador de que o dinheiro continuará a jorrar para sustentar as suas economias incipientes (cujo único produto de exportação relevante são combustíveis fósseis) e os seus regimes autocráticos e de que as democracias de modelo ocidental continuarão a comportar-se subservientemente e a fechar os olhos aos seus curricula no domínio dos direitos humanos e até ao seu comportamento de bully na política externa.

Distribuição mundial de reservas estimadas de petróleo: a intensidade do verde é proporcional à abundância de petróleo)

Antiguidade Clássica

O petróleo só assumiu um papel fundamental no funcionamento da civilização no final do século XIX, mas era conhecido há milénios dos povos que habitavam o Médio Oriente. Nalguns locais desta região, o petróleo ascendia naturalmente à superfície e acumulava-se em charcos, onde por acção dos elementos e da evaporação dos seus componentes mais voláteis, se transformava numa pasta espessa e viscosa, que tinha aplicação na impermeabilização de embarcações, canais de irrigação, telhados e recipientes, na pavimentação de ruas e como “cola” para ligar blocos de pedra; os egípcios empregavam-na também no embalsamamento. Quando era recolhido na sua forma mais líquida, o petróleo podia ser usado na iluminação, aplicação que está atestada na China pelo menos desde o século IV a.C.

A Bíblia contém registos destes diversos usos: no Segundo Livro dos Macabeus menciona que Neemias enviou sacerdotes em busca do fogo sagrado e que, não o tendo encontrado, aqueles lhe trouxeram uma “água espessa”, que Neemias usou para aspergir a lenha no altar do templo, que, para espanto geral, se incendiou quando o sol se descobriu; no Génesis, escreve-se que, quando finalizou a construção da Arca, Noé a revestiu, “tanto por dentro como por fora”, com betume – que ocorria naturalmente junto ao Mar Morto.

A construção da Arca de Noé, segundo gravura no Liber Cronicarum (1493), com texto de Hartmann Schedel e ilustrações de Michael Wolgemut e Wilhelm Pleydenwurff, obra também conhecida como Crónicas de Nuremberga ou Schedelsche Weltchronik

O betume corresponde à forma viscosa de petróleo acima descrita e é também conhecido como asfalto. A palavra asfalto provém do grego “ásphaltos”, que resulta da junção de “a”, denotando ausência ou negação, e “phallein”, que significa desfazer ou fazer tombar, evocando portanto o poder da substância para ligar e consolidar; a abundância de asfalto junto ao Mar Morto levou a que os gregos designassem este como Thálatta Asfaltites, ou seja Mar de Asfalto. A origem da palavra betume está no latim “bitumen”, possivelmente a partir de “betulla”, com origem no gaulês “betua” e no proto-celta “betuyā”, que designa a bétula, talvez por o historiador romano Plínio ter confundido a resina desta árvore com o betume. A ocorrência histórica de asfalto/betume no Próximo Oriente está na origem dos termos “betume da Judeia” (português) e “bitumen of Judea” ou “Syrian asphalt” (em inglês). O termo alcatrão é por vezes usado como sinónimo de asfalto, embora o “asfalto” seja mais usualmente aplicado à ocorrência natural da substância e “alcatrão” – “alquitrán” em espanhol, “goudron” em francês e “tar” em inglês – à substância com propriedades afins obtida por destilação do petróleo, carvão, madeira ou turfa, como, aliás, indica a origem etimológica da palavra em português, espanhol e francês: o árabe “qatrān”, que provém de “qatr”= destilar, gotejar.

Lago de asfalto perto de Ar-Ramādi, Iraque, 1937

Idade Média

Dada a sua natureza combustível, o petróleo foi empregue na Antiguidade Clássica para a preparação de projécteis incendiários, uso que foi consideravelmente aperfeiçoado no século VII pelo Império Bizantino sob a forma do fogo grego – embora os bizantinos se designassem a si mesmos como “romanos” (rhōmaîoi), os europeus ocidentais conheciam-nos também como “gregos”, pois o grego era a língua oficial do Império. O fogo grego era uma arma temível, sobretudo nos combates navais, pois era muito difícil de extinguir, ardendo mesmo sobre a água. Não existem registos da sua composição, uma vez que esta foi zelosamente mantida em segredo pelos bizantinos, mas, entre as várias propostas apresentadas, a mais consensual é que se trataria de um líquido à base de nafta (eventualmente aditivada com resinas e enxofre), que era projectado sob pressão através de um “siphōn” – ou seja, seria o equivalente medieval de um moderno lança-chamas. A palavra nafta provém do grego “naphtha”, por sua vez com origem no persa “naft” (possivelmente a partir do acádio “naptu”), e era, então, uma designação para o petróleo bruto (na terminologia da moderna indústria petroquímica, nafta designa uma fracção obtida na refinação do petróleo). Os bizantinos tinham fácil acesso a esta substância, pelo menos enquanto estiveram na posse dos territórios na Síria e na margem sudeste do Mar Negro, onde ele aflorava espontaneamente à superfície. Estes afloramentos seriam também frequentes na Pérsia, como sugere a etimologia de nafta e o facto de os gregos usarem o termo “óleo medo” (isto é, “óleo persa”) como sinónimo de nafta.

Uso de fogo grego por um navio bizantino, iluminura no Codex Skylitzes Matritensis, século XII

O fogo grego continuou a ser usado pela Idade Média dentro, por vezes também pelas forças islâmicas, embora nem sempre seja possível apurar se se tratava realmente de fogo grego, pois esta expressão começou a ser usada indiscriminadamente para descrever qualquer tipo de substância ou engenho incendiário. Como a evolução das tácticas de combate levou a que o fogo grego fosse caindo em desuso, a procura por petróleo foi decaindo – e a substância foi novamente remetida para a obscuridade, sendo usada apenas pelos habitantes das regiões onde aflorava naturalmente e por alguns alquimistas e estudiosos.

Entretanto, em 1546, o petróleo ganhou o nome por que é hoje conhecido na maioria das línguas europeias: no seu tratado De natura fossilum, o mineralogista alemão Georg Bauer baptizou-o como “petroleum”, a partir do latim “petra” (pedra) + “oleum” (óleo). A maioria das línguas da Europa Ocidental adoptou uma designação derivada de “petroleum”, mas os alemães não seguiram a construção latina proposta por Bauer e chamam-lhe “Erdöl” (de “Erd” = Terra + “öl” = óleo), opção também seguida pelos holandeses (“ardolie”), dinamarqueses (“råolie”) e finlandeses (“maaöljy”), enquanto a maioria das línguas eslavas faz derivar o nome de “nafta” e os húngaros usam “kóolaj”, de “kó” = pedra + “olaj” = óleo. O termo crude, ou seja, o petróleo antes de ser refinado, vem da palavra inglesa “crude”, que, antes de ser sinónimo de petróleo bruto, era (e é) um adjectivo com significado de “pouco elaborado, grosseiro”.

Primeira Revolução Industrial: Pennsylvania

A Revolução Industrial começou por ignorar o petróleo e assentou, nas suas fases iniciais, no carvão (de lenha ou mineral), mas em meados do século XIX, nos EUA, foi descoberto uma aplicação relevante para o petróleo. Desde o final do século XVIII que se produzia “óleo de carvão”, obtido pela destilação de carvão, mas a sua chama era fuliginosa e o produto não era muito valorizado. Na década de 1840, o empresário americano Samuel Martin Kier viu os poços de onde extraía sal inundados com petróleo e, após, num primeiro momento, ter tentado ver-se livre daquele líquido nauseabundo e inútil, pensou em tirar dele algum proveito. A tentativa de o comercializar como medicamento fracassou, mas já o óleo para iluminação que destilou a partir do petróleo foi um sucesso e, em 1853, Kier abriu em Pittsburgh a primeira refinaria industrial dos EUA. Mais ou menos pela mesma altura, o geólogo canadiano Abraham Gesner desenvolveu um novo processo, mais limpo, para obter óleo de iluminação a partir de xisto betuminoso (ou carvão) – patenteou-o em 1854 e designou o líquido por “keroselain”, a partir do grego “keros” (cera) + “elaion” (óleo). O termo querosene passou a designar o óleo para iluminação extraído de substâncias betuminosas ou de petróleo, que rapidamente se superiorizou não só ao (pouco apreciado) “óleo de carvão” como ao óleo de baleia (então o favorito para fins de iluminação, pelo menos entre quem tinha dinheiro para o comprar), pois era muito mais barato do que o segundo.

Na verdade, a querosene era uma redescoberta, pois no século IX o médico e alquimista persa Al-Rāzi já descrevera, no seu Kitab al-Asrar (Livro dos Segredos) o processo para a obter a partir do petróleo, usando um alambique, e na China, durante a dinastia Ming, também se usou na iluminação querosene obtida a partir de petróleo.

Al-Rāzi, segundo iluminura na Compilação de tratados de medicina (1250-60), de Gerardus Cremonensis

Até então, o petróleo tinha sido colectado nos locais onde aflorava naturalmente, mas a partir do momento em que a querosene se impôs na iluminação doméstica, os charcos deixaram de satisfazer a procura e alguns empreendedores dispuseram-se a obter uma fonte de petróleo mais substancial e fiável. Entre eles estavam George Bissell, que, ao saber do sucesso de Kier, se associou ao químico Jonathan Eveleth e fundou a Pennsylvania Rock Oil Company; em 1858, juntou-se-lhes o “coronel” Edwin Drake, um antigo revisor e maquinista nos caminhos-de-ferro (a patente militar era pura invenção), e o nome da empresa foi mudado para Seneca Oil Company. Esta designação não tinha relação com nenhum dos dois autores romanos conhecidos como Séneca (Lucius Annaeus Seneca, o Jovem, e Lucius Annaeus Seneca, o Velho), sendo antes o termo genérico então usado nos EUA para designar os óleos “medicinais”, preparados a partir de petróleo bruto e que prometiam curar quase todas as maleitas conhecidas. A designação “Seneca oil” resultou de os primeiros fornecedores da matéria-prima para estas mezinhas terem sido os índios Seneca, que a recolhiam em afloramentos no estado de Nova Iorque; os Seneca chamavam-se a si mesmos Onöndowá’ga (“os que vivem nas colinas”), mas as tribos vizinhas conheciam-nos por Osininka, que os europeus, surdos ou indiferentes às subtilezas fonéticas das línguas indígenas, adaptaram para “Seneca”.

A prospecção que o “coronel” Drake empreendeu em Titusville, na Pennsylvania, junto ao Oil Creek, um ribeiro conhecido pelos seus afloramentos de petróleo, parecia estar condenada ao fracasso, mas a 28 de Agosto de 1859, quando Drake estava prestes a desistir, o petróleo começou a brotar – a primeira perfuração comercial de petróleo nos EUA apenas produziu 12 a 20 barris, mas a corrida ao “ouro negro” na Pennsylvania não tardou a pôr-se em marcha.

O “coronel” Drake (à direita) junto do primeiro poço de petróleo, em Titusville

A paisagem em torno do Oil Creek sofreu uma mudança radical, com a vegetação natural a dar lugar a uma densa floresta de derricks, por vezes separados entre si por pouco mais de uma dezena de metros. O termo derrick, que, na linguagem da indústria petrolífera, designa a estrutura e a maquinaria associadas a um poço de extracção de petróleo, aplica-se também a vários tipos de grua, sem relação com a extracção de petróleo, e tem origem em Thomas Derrick, que viveu em Inglaterra na viragem dos séculos XVI/XVII.

Oil Boom

Campo petrolífero, Pennsylvania, década de 1860

Derrick tinha sido condenado à morte por violação, mas foi perdoado por Robert Devereaux, Conde de Essex e favorito de Isabel I, na condição de aceitar desempenhar funções de carrasco, uma profissão que, por motivos compreensíveis, atraía poucos candidatos. Derrick descobriu uma vocação e ao longo da carreira executou 3000 condenados, um dos quais foi, por ironia, o próprio Devereaux, que, entretanto, perdera o favor de Isabel I (devido à gestão desastrosa de uma revolta na Irlanda) e, em desespero, ousara desafiar o poder real. Derrick tornou-se tão famoso que a estrutura de madeira onde enforcava os condenados, em Tyburn, um local privilegiado para as execuções públicas em Londres, ganhou o seu nome (antes era conhecida como “Tyburn tree”) e alargou-se depois a estruturas similares.

A “Tyburn tree”, numa gravura c.1680

Nos primeiros tempos o petróleo foi acondicionado nos recipientes que havia disponíveis: barris de vinho e whiskey. Embora estes fossem, inevitavelmente, de diversas capacidades, o volume mais corrente era o de uma antiga medida inglesa para vinho, a “tierce”, correspondente a 42 galões ou 159 litros. Os produtores de petróleo perceberam que o facto de o seu produto ser comercializado em recipientes com volumetria variada dificultava cálculos e transacções e inspirava desconfiança nos compradores, pelo que em 1872 decidiram instituir o barril de 42 galões como padrão. O petróleo deixou há muito de ser transportado em barris, mas a unidade de medida continua em uso.

Exploração de petróleo na Pennsylvania, 1862: ao fundo vêem-se os barris em que o petróleo era então armazenado

Ao longo das décadas de 1870 e 1880, a produção de petróleo aumentou a forte ritmo, puxada sobretudo pela querosene para iluminação, embora, pouco a pouco, fossem sendo descobertas aplicações para outros derivados de petróleo: lubrificantes para maquinaria industrial e ferroviária e para alfaias agrícolas; gasolina, que, então, era usada sobretudo como solvente; e parafina, que era empregue no fabrico de velas, revestimento de queijos, impermeabilização de papel e cartão e, durante algum tempo, como pastilha elástica. A parafina fora descoberta em 1830 pelo químico alemão Carl Reichenbach e o seu nome vem do latim “parum” (pouco, escasso) + “affinis” (afinidade), traduzindo a pouca reactividade da substância.

Em 1859, o farmacêutico americano Robert Chesebrough visitou os poços de petróleo de Oil Creek e deparou-se com uma substância pastosa que se formava nas bombas dos poços e que os trabalhadores diziam ser eficaz no tratamento de queimaduras e feridas. Chesebrough interessou-se por aquele sub-produto e começou a comercializar uma pomada medicinal nele baseada, cuja marca registou em 1872 como vaselina, a partir do alemão “wasser” (água) e do grego “elaion” (óleo).

Um carregamento de vaselina sai da Chesebrough Manufacturing Company

Primeira Revolução Industrial: Baku

Os EUA não ocupam apenas o 1.º lugar nos planos militar e económico, exercem também um poder hegemónico nas narrativas que correm o mundo (em parte graças à poderosa “fábrica de ficções” de Hollywood) e foi assim que “venderam” a todo o planeta a história dos primórdios da indústria petrolífera centrada na Pennsylvania. Porém, antes de o mitificado poço de Drake em Oil Creek ter vertido a sua magra dúzia de barris, já a extracção de petróleo florescia na Península de Absheron, no Cáucaso Oriental, no litoral do Mar Cáspio: os primeiros poços de petróleo de que há conhecimento foram perfurados em 1803, em Bibi-Heybat (antiga Xanlar), hoje parte da cidade de Baku, capital do Azerbaijão. A região gozava então de uma efémera (e relativa) independência como Khanato de Baku, tirando partido de estar situada no ponto de equilíbrio geoestratégico entre os impérios russo e persa, mas em 1806 os russos englobaram-na no seu império e declararam como património do Estado russo os 120 poços – cavados à mão e pouco profundos – então existentes.

Poço de petróleo artesanal, Bibi-Heybat, Baku

Em 1825, Baku rendia 3500 toneladas por ano de petróleo por ano e, após em 1837 ter sido construída a primeira refinaria de petróleo em Baku e em 1846 ter sido realizada a primeira perfuração recorrendo a tecnologia “moderna”, a produção cresceu lentamente até 7000 toneladas/ano em meados do século. Só em 1873, com o término do monopólio do Estado e a chegada de investidores estrangeiros – sobretudo a empresa Branobel (do russo Brat’yev Nobel = Irmãos Nobel), que pertencia aos suecos Ludvig e Robert Nobel, irmãos do mais famoso Alfred, e ao Barão Peter von Bildering – é que a indústria petrolífera de Baku ganhou impulso.

Campo petrolífero da Branobel, Baku, 3.º quartel do século XIX

Passou a empregar-se tecnologia mais moderna na perfuração e bombagem, foram construídos tanques de armazenagem, linhas de caminho-de-ferro, refinarias mais sofisticadas e dois pipelines, um entre Baku (no Cáspio) e Batum (no Mar Negro) e outro entre a Chechnya (Tchetchénia) e o Cáspio, e foi encomendado o primeiro petroleiro da história, lançado à água, no Cáspio, em 1879 e baptizado como Zoroaster (um profeta persa de contornos lendários).

O Zoroaster, numa foto de 1908: uma “lancha”, pelos padrões dos petroleiros actuais

Os produtores de Baku não pretendiam ficar-se por vender petróleo bruto: perceberam que teriam lucros tanto maiores quanto maior fosse o valor acrescentado do seu produto, pelo que apostaram na produção de querosene – e em 1884 Baku e os seus arredores já contavam com 200 pequenas refinarias. A produção de petróleo de Baku foi aumentando até superar a dos EUA e em 1900 representava metade do total mundial.

Campo petrolífero de Balakhani, Baku, 1904

Entretanto, também na região da Galícia (então parte do Império Austro-Húngaro, hoje repartida entre a Ucrânia e a Polónia), a indústria do petróleo começava a fervilhar, graças ao farmacêutico e empresário polaco Ignacy Łukasiewicz, que inventou a moderna lâmpada de querosene (em 1853), perfurou o primeiro poço em território europeu, em Bóbrka, perto de Krosno (em 1854), e construiu a primeira refinaria industrial “moderna”, em Ulaszowice, perto de Jasło (em 1856). A abundância de petróleo atraiu empresários do outro lado do Atlântico e da Europa Ocidental e em 1880 a Galícia já contava com uma trintena de refinarias.

Campo petrolífero, Galícia, 1881

Segunda Revolução Industrial

Entretanto, nos EUA, as fortunas amealhadas em escassos anos pelos magnatas da indústria petrolífera americana foram ameaçadas, no final do século XIX, por um novo desenvolvimento tecnológico. Desde 1802, ano em que Humphry Davy apresentara o primeiro protótipo de lâmpada incandescente, tinham sido desenvolvidos pelo menos 22 protótipos diferentes deste invento, mas foi Thomas Edison quem primeiro logrou montar um sistema integrado, expedito e fiável de iluminação eléctrica, cuja primeira demonstração pública teve lugar em 1879. Em 1885 já estavam em uso nos EUA 250.000 lâmpadas eléctricas e em 1902 eram 18 milhões. Numa primeira fase, a nova forma de iluminação esteva restrita a lares endinheirados e edifícios públicos, mas parecia evidente que a lâmpada eléctrica se tornaria rapidamente na forma de iluminação preferencial e que a querosene estava condenada.

A salvação da indústria petrolífera veio do automóvel com motor de combustão interna: o primeiro modelo viável, o Benz Patent-Motorwagen, rodou em 1885, na Alemanha (ver De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 1: Rodagem) e, um ano depois, um engenheiro-chefe da Edison Illuminating Company of Detroit apresentava o seu quadriciclo. Thomas Edison encorajou o seu funcionário a prosseguir o desenvolvimento do conceito, mas aquele conseguiu captar investimentos suficientes para se lançar por conta própria e, em 1899, despediu-se da Edison Illuminating Company para fundar a Detroit Automobile Company. Esta acabou por falir, mas em 1903 o ex-engenheiro da Edison já tinha erguido uma nova empresa automóvel e esta teria um sucesso avassalador: chamava-se Ford Motor Company. Cinco anos depois, Henry Ford apresentou o automóvel que democratizaria a posse do automóvel particular, daria nova vida à indústria petrolífera e revolucionaria os métodos de operação industrial, o “American way of life” e os padrões de urbanização dos EUA: o Ford Model T. No ano de 1900, foram registados nos EUA 8000 automóveis; em 1908, o ano do lançamento do Model T foram 194.000; em 1927, quando o Model T deixou de ser produzido, foram 20 milhões.

Em 1918, metade dos automóveis em circulação nos EUA eram Ford Model T

O produto central da indústria petrolífera deixou de ser a querosene e passou a ser a gasolina, que, até há pouco, fora vista como um sub-produto de baixo valor. A palavra provém, através do francês “gazoline” (entretanto substituído, no mundo francófono, por “essence”), do inglês “gasoline”, cujo primeiro registo data de 1863 e poderá ter sido influenciado pela marca de lâmpadas a óleo Cazeline, fundada por John Cassell. Antes de os automóveis terem feito descobrir as virtudes de gasolina como combustível, ela já era usada como solvente, sob o nome de “petrol” – e este é ainda o termo usado para a gasolina em muitos países anglófonos.

A gasolina recebe o nome de “motorenbenzin” na Alemanha, “benzin” na Holanda e Suécia e “benzina” em Itália, designações que não devem ser confundidas com a portuguesa benzina, que é um solvente, resultante da destilação do petróleo, que costuma ser usado para remover nódoas. A palavra portuguesa “benzina” (e as suas análogas noutras línguas) vem de “benzine”, termo criado em 1833 pelo químico alemão Eilhard Mitscherlich para designar o produto que obtivera da destilação de uma resina balsâmica produzida por algumas espécies de árvores do género Styrax que crescem em Java e Sumatra (Styrax benzoin) e na Tailândia e Vietnam (Styrax tonkinensis). Esta resina era usada como incenso e para o fabrico de perfumes desde a Antiguidade Clássica, e na Idade Média chegava ao Ocidente através de mercadores árabes, que a designavam por “iubān jāwī” (incenso de Java); por perda do “iu” inicial, o termo árabe originou os termos “benjoim” ou “beijoim” (português), “benjuí” (espanhol), “benjoin” (francês), “benzoin” (inglês) e “benzoe” (alemão); a árvore que produz a resina é designada em português por benjoeiro. O benjoim continua hoje a ser usado na indústria da perfumaria.

Benjoeiro (Styrax benzoin)

Apesar de a gasolina ter sido eleita como combustível dos primeiros automóveis, o triunfo dos derivados de petróleo nesta aplicação não era ainda inevitável quando, em 1897, o engenheiro mecânico alemão Rudolf Diesel concluiu a 3.ª versão de um motor de combustão interna em que trabalhava desde 1893 e que dispensava a faísca da vela, sendo a ignição resultante da compressão (e consequente aquecimento) da mistura de ar e combustível no cilindro. Rudolf Diesel experimentou vários tipos de combustível no seu motor, de carvão em pó a óleos vegetais, e a versão apresentada ao público na Exposição Universal de Paris de 1900 recorreu a óleo de amendoim. O motor Diesel ganhou o seu espaço, sobretudo em geradores, motores marítimos, veículos pesados, maquinaria industrial e agrícola e locomotivas, e foi sendo alimentado, consoante os locais e as finalidades, com variadas misturas de derivados de petróleo e as características do diesel ou gasóleo só seriam padronizadas após a II Guerra Mundial. Entretanto, os óleos vegetais acabaram por ser postos de parte, apenas sendo usados pontualmente em locais remotos ou como solução de recurso.

Rudolf Diesel (1858-1913). O inventor do motor Diesel desapareceu misteriosamente em Setembro de 1913, quando atravessava o Canal da Mancha no paquete Dresden, a caminho de Londres, onde tinha agendada uma reunião com representantes da Royal Navy, ao que consta para negociar o fornecimento dos seus motores aos submarinos britânicos

Do início do século XX aos nossos dias

Até ao início do século XX, todas as guerras tinham assentado exclusivamente nos pés dos soldados e nos cascos de cavalos, mulas e, nalgumas regiões, de dromedários e camelos. A I Guerra Mundial foi o primeiro conflito de alta intensidade tecnológica e constituiu um momento-charneira na mecanização das forças armadas. O petróleo tornou-se no “fluido vital” dos exércitos, das marinhas e das forças aéreas, bem como dos transportes, da indústria, do aquecimento doméstico, da geração de energia e da indústria química, e as refinarias encarregaram-se de produzir derivados padronizados e adequados a cada um desses fins: gás propano, gás butano e outros gases de petróleo liquefeito (GPL), gasolina, jet-fuel (querosene), nafta, gasóleo, óleos lubrificantes, ceras, óleos pesados para motores marítimos e aquecimento e asfaltos (numa lista disposta por ordem crescente de ponto de ebulição).

A indústria nunca cessou de buscar novos produtos ou aditivos que melhorassem o desempenho de produtos já existentes. Entre os segundos teve especial importância o tetraetilchumbo ou (CH3CH2)4Pb. Este fora sintetizado pela primeira vez em 1854, mas só em 1921 Thomas Midgley Jr., um engenheiro químico da General Motors, se apercebeu, após testar milhares de substâncias, de que era um eficaz agente anti-detonante, isto é, aumentava o índice de octanas da gasolina, que é tanto mais elevado quanto maior for a compressão que a mistura ar-gasolina suporta antes de se inflamar espontaneamente. Os agentes anti-detonantes têm, assim, o efeito de aumentar o rendimento dos motores a gasolina e diminuir o seu desgaste. Como, na altura, os efeitos tóxicos do chumbo – nomeadamente sobre o sistema nervoso – já eram conhecidos, a General Motors decidiu rebaptizar o tetraetilchumbo (tetraethyllead) simplesmente como “Ethyl” e, após um consórcio insatisfatório com a DuPont, em 1924 associou-se à Standard Oil de New Jersey (futura Esso) para fundar a Ethyl Corporation. Se dúvidas houvesse sobre os riscos do tetraetilchumbo para a saúde, em 1924 cinco trabalhadores da Ethyl morreram e 35 ficaram gravemente doentes e com sequelas neurológicas permanentes em consequência da exposição ao anti-detonante – não por acaso, a unidade fabril em que o composto estava a ser produzido era conhecida como “o edifício dos maluquinhos”.

Anúncio à Ethyl Corporation, década de 1940

Midgley, que já passara parte do ano de 1923 a recuperar do envenenamento por chumbo, dispôs-se a protagonizar uma conferência de imprensa circense para tranquilizar a opinião pública em relação ao tetraetilchumbo, vertendo-o sobre as mãos, inalando-o prolongadamente e garantindo que poderia fazer isto todos os dias sem que tal produzisse efeitos nocivos. A comercialização do Ethyl tinha sido temporariamente suspensa pelo regulador, mas as investigações empreendidas pelas autoridades de saúde admitiram que não havia provas de que o Ethyl fosse nocivo para a saúde, conclusão a que não foram estranhos o número de circo de Midgley, o lobbying e as campanhas publicitárias da indústria petrolífera e dos fabricantes de automóveis. Foi assim que, em 1924, o tetraetilchumbo – “uma dádiva de Deus”, nas palavras de um administrador da Ethyl Corporation – foi autorizado, seguido, nos anos 60, por substâncias similares, contendo também chumbo; em 1970, o consumo anual de tetraetilchumbo nos EUA atingiu um pico de 280.000 toneladas.

Só em 1976 é que a agência de ambiente dos EUA conseguiu iniciar um programa de supressão faseada dos aditivos com chumbo, contra a feroz oposição da Ethyl Corporation. A supressão nos EUA só foi completada em 1996 (ainda assim deixando de fora a aviação); na União Europeia foi concluída em 2000, no resto do mundo em 2011, deixando atrás de si um número incalculável de mortes e de sequelas neurológicos irreversíveis.

Nesta história sinistra importa realçar que o chumbo não era um elemento naturalmente presente na gasolina cuja remoção fosse especialmente complexa e dispendiosa: era uma adição deliberada e não era insubstituível – aliás, uma vez confrontada com a proibição, a indústria rapidamente encontrou aditivos que produzem efeito anti-detonante similar sem libertar metais tóxicos para a atmosfera (o mais usado é o álcool etílico).

Anúncio à Ethyl Corporation, ilustrado por William Dolwick, 1954

Em 1942, o químico Louis Fieser, que trabalhava num laboratório secreto de pesquisa militar na Universidade de Harvard, ao serviço do Governo americano, descobriu mais uma aplicação para os derivados do petróleo: o napalm, uma mistura de gasolina com um agente gelificante – uma espécie de “sabão” formado por ácido nafténico e ácido palmítico (daí o nome da substância). O napalm é mais facilmente projectável através de lança-chamas do que a gasolina, a sua combustão é mais prolongada e adere facilmente às superfícies, sejam estas pele, tecido, metal ou betão.

Além dos lança-chamas, o napalm foi amplamente utilizado em bombas incendiárias em raids aéreos americanos sobre a Alemanha e o Japão – só o bombardeamento com napalm de 10 de Março de 1945 sobre Tóquio causou 80.000-100.000 mortos.

Tóquio, após o raid americano de 10 Março de 1945

Em 1944-45, os EUA lançaram um total de 16.500 toneladas de bombas de napalm sobre o Japão, quantidade que se torna insignificante perante as 388.000 toneladas lançadas sobre o Vietnam em 1963-73. A Força Aérea Portuguesa também recorreu ao napalm durante a guerra colonial, tal como a França na Guerra da Argélia. O uso de napalm contra populações civis – mas não contra alvos militares – foi interditado em 1980 por uma convenção da ONU.

Uma aplicação mais “amadora” dos derivados de petróleo para fins bélicos (ou revolucionários ou simplesmente contestatários) é o cocktail Molotov – uma garrafa de vidro contendo gasolina e, eventualmente, outros líquidos inflamáveis, dotada ou não de mecha. As primeiras versões, mais simples, surgiram na Guerra Civil de Espanha, mas só ganharam nome e sofisticação durante a invasão da Finlândia pela URSS, em 1939.

Na versão finlandesa, a gasolina era aditivada com álcool, alcatrão e clorato de potássio, de forma a obter um líquido mais viscoso, de forma a aderir à superfície do alvo – os tanques soviéticos. Nas versões mais sofisticadas, era inserido uma ampola com reagentes químicos que se quebrava no impacto e fazia o líquido incendiar-se, o que dispensava acender uma mecha. O Ministro dos Negócios Estrangeiros soviético, Vyacheslav Molotov, declarara que os aviões soviéticos que sobrevoavam a Finlândia o faziam em “missões humanitárias”, largando alimentos, não bombas, e os finlandeses replicaram sarcasticamente a esta hipocrisia, baptizando as bombas soviéticas como “cestas de pão” e as granadas anti-tanque improvisadas como “Molotovin koktail”.