Situado em plena Praça D. Filipa de Lencastre, o Hotel Infante Sagres inaugurou há 70 anos e no álbum de fotografias é possível ver o corte de fita na entrada, um salão de baile decorado a preceito e convidados com vestidos de gala e taças de champanhe na mão. Do livro de honra fazem parte assinaturas e dedicatórias de hóspedes nacionais, como José Saramago, Amália Rodrigues, Mário Soares, António de Spínola ou Manoel de Oliveira, e internacionais, como Dalai-Lama, Bob Dylan, Margaret Thatcher, John Malkovich, Catherine Deneuve ou Bono Vox.
A história do hotel, cujo nome presta homenagem ao Infante D. Henrique, impulsionador dos Descobrimentos, confunde-se com a vida de Delfim Ferreira, um empresário industrial, natural de Riba D’Ave, detentor da maior fortuna do país no anos 50 e muito próximo de António Oliveira Salazar. Empreendedor e destemido, decide mandar edificar aquele que foi o primeiro hotel de cinco estrelas na cidade, onde ainda está um quadro com o seu rosto, e pouco tempo depois adquire também a Casa de Serralves.
Em 1960, com a sua morte, é o filho Alexandre quem fica ao leme do negócio de família, que em 2008 acaba por ser comprado por José Miguel Júdice, proprietário da Quinta das Lágrimas, em Coimbra. Oito anos depois, em 2016, o Infante Sagres passa para o grupo The Fladgate Parternship, responsável pelo hotel The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, e por quatro marcas de vinho do Porto. “Esta é uma joia da cidade que precisava de ser polida”, diz ao Observador Adrian Bridge, diretor-geral, acrescentando que entrou pela primeira vez no Infante Sagres em 1994, quando viu um dos seus vinhos a ter nota máxima numa prova realizada no hotel.
A simpatia de Dalai Lama, a suite de Mário Soares e as exigências dos U2
Sandra Soares conheceu o Infante Sagres durante uma visita de estudo quando frequentava a Escola de Hotelaria e Turismo do Porto. “Fiquei maravilhada e reconheço esse olhar nas pessoas que também entram aqui pela primeira vez. Lembro-me de olhar para todos os cantos e pensar: ‘isto não é um hotel, é um museu’. Sinceramente, nunca me passou pela cabeça vir aqui parar, mas a verdade é que trabalhar rodeada de arte é um privilégio.”
Trabalha no hotel há 19 anos, começou na receção, comandou o departamento dedicado a grupos de clientes e há cinco anos que assume a função de guest relations. “Dou muito apoio aos clientes, sugiro atividades para conhecerem a cidade e a região, refeições em restaurantes ou visitas a museus. Muitos deles querem uma experiência local, já chegam com a referência das francesinhas e das tripas, por exemplo. Depois pedem um pouco de tudo, desde subir à Torre dos Clérigos a uma viagem de balão, que nem sempre é fácil de concretizar.”
De todos os hóspedes ilustres que recebeu, Sandra recorda a banda irlandesa U2, que em 2010 passou uma noite no hotel depois de dar um concerto em Coimbra. “Soube com um ano de antecedência que eles viriam cá, mas tudo foi tratado de forma muito sigilosa, quase ninguém da equipa sabia.” Chegaram por volta da meia noite para jantar e ocuparam cerca de 30 quartos do Infante Sagres. “Foram muito simpáticos e não pediram uma segurança apertada, mas alertámos que esta zona à noite é muito movimentada, pelos bares e restaurantes aqui à volta, então solicitámos à câmara municipal um reforço policial para a entrada e correu tudo bem.”
Nessa mesma noite, o baterista pediu-nos uma tábua de madeira porque achou o colchão demasiado mole. “Felizmente tínhamos uma secção de carpintaria, que fazia várias reparações no hotel, e conseguimos resolver o assunto.” No dia seguinte, outro desafio. O hotel não tem ginásio, mas o vocalista Bono Vox tinha feito uma cirurgia recente à coluna e queria máquinas para treinar de manhã. “Pedimos o equipamento emprestado a um ginásio do Porto, mas uma das máquinas era tão grande que não foi possível trazer, não passava na porta.” A banda treinou numa sala polivalente, convertida temporariamente num ginásio, entrando pelas traseiras e sem que ninguém se apercebesse de nada.
No curriculum de Sandra Soares não faltam peripécias para contar, da equipa das minas e armadilhas que revistou o quarto antes da chegada do reis da Noruega à festa burlesca que obrigou a que um segurança estivesse toda a noite a guardar os vitrais. “Há catálogos de moda fotografados aqui e casais que passaram cá a noite de núpcias e voltam para festejar as bodas de Ouro, é muito engraçado.”
Mário Soares foi outros dos clientes que mais gostou de conhecer, tinha uma suite preferida, situada na esquina do edifício e com vista para a praça, onde ficava sempre que passava pelo Porto. “Normalmente reservava com alguma antecedência, mas um dia isso não aconteceu e quando chegou cá tive que lhe dizer que a suite estava ocupada. Brincou com a situação, mas ficou com pena.” A guest relations recorda uma promessa que o político fez a um funcionário do hotel e cumpriu. “Ele falava muito com o barman e, antes de se recandidatar, o funcionário disse-lhe que ao regressar à política, provavelmente já não voltaria cá. A verdade é que no primeiro evento oficial no Porto ele fez questão de voltar e procurou o barman para mostrar que o que ele tinha premeditado, afinal não se tinha concretizado.”
Alberto Pimenta é chefe de armazém do Infante Sagres desde 1999 e um dos funcionários mais antigos da casa. É responsável por tudo o que entra no hotel, da comida ao material da limpeza, conhece o edifício como a palma da sua mão e comunica diariamente com todas as equipas. “Recebo os fornecedores, faço encomendas e peço orçamentos, é um trabalho mais de backoffice.”
Chegou a cruzar-se com Alexandre Ferreira, filho do fundador, e recorda o atendimento conservador, formal e distante que imperava na época. “Sempre vi o hotel como uma referência na cidade, uma verdadeira relíquia.” Apesar de não ter uma função tão visível para o cliente final, em 2001 cruzou-se com Dalai-Lama na entrada, um dos momentos que recorda com mais simbolismo. “Estava a dar uma entrevista junto à lareira, mas fez questão de cumprimentar toda a gente. Achei-o surpreendentemente comunicativo.” Surpreendente foi também o pedido que recebeu da banda U2. “Pediram quantidades muito grandes de frutos vermelhos para comer ao longo do dia. A maioria das pessoas não pede nada de especial, consomem as coisas locais, mais à base de frutas e legumes.”
Vitrais coloridos, jarros com versos de Camões e cabines telefónicas convertidas em elevadores
Entre novembro de 2017 e abril de 2018, o hotel encerrou para obras, reabrindo com mais 15 quartos, um novo café e uma piscina no terraço. “Foram investidos 7,5 milhões de euros e a autoria do projeto foi do arquiteto portuense António Teixeira Lopes, discípulo do mestre Rogério Azevedo, autor do projeto original”, explica Adrien Bridge, recordando que a intenção do grupo era “seguir o sonho e o bom gosto do fundador Delfim Ferreira”.
Ao longo dos anos foram muitas as tentativas de reabilitação de uma área onde a talha dourada, os tetos trabalhados, a madeira esculpida, os detalhes em ferro e os vitrais coloridos chamam a atenção. Se no passado grande parte das paredes, do teto e do mobiliário foram pintados de preto, a luz natural não abundava nos corredores e todo o hotel tinha um ar sombrio e carregado, hoje o amarelo das paredes, as cortinas brancas e a madeira mais clara fazem com que o espaço se torne mais acolhedor e luminoso.
A decoração modernista, com inspiração italiana, tem tanto de clássica como de luxuosa e atualmente vive de uma mistura harmoniosa entre peças originais, como os candeeiros lustre, os jarros em cerâmica de diferentes estilos, os quadros a óleo ou os tapetes persas, e objetos igualmente antigos, adquiridos por Adrian Bridge em leilões internacionais, como uma bandeira de Portugal do século XVI emoldurada, uma peça em mármore italiana ou um vaso francês em talha dourada.
A entrada majestosa é marcada pelo chaveiro original na receção, onde ainda permanecem penduradas as chaves antigas dos quartos, uma lareira imponente em madeira, um jarro com um verso de Luís de Camões e um elevador, um dos mais antigos da cidade, com estofos em pele de crocodilo.
Subindo as escadas alcatifadas, eis um dos quatro vitrais, assinados pelo ateliê de Ricardo Leone, considerado uma das pérolas do Infante Sagres. As imagens icnográficas representadas incluem flores, pássaros, peixes e anjos, pincelados de tons vivos, como o vermelho, o amarelo, o verde e o azul. “O trabalho de restauro dos vitrais durou cinco meses, foram colocados um a um”, sublinha Adrian Bridge, revelando que as descobertas foram mais do que muitas. “Por baixo de uma alcatifa cinzenta, descobrimos um chão de madeira resistente e com bastante qualidade.”
A antiga sala do contabilista, onde morava o cofre do hotel, transformou-se numa casa de banho masculina, a antiga cabine telefónica foi convertida num moderno elevador e numa antiga sala de reuniões nascerá em breve uma loja. Nos quartos, as alterações começaram nas portas baixa e estreitas, que foram ampliadas para receber os clientes internacionais, e terminaram no mármore das casas de banho, muito semelhantes aos originais.
Um dos grandes desafios de restauro aconteceu no antigo bar do hotel, onde hoje funciona uma sala de reuniões, rodeada por um painel azulejos alusivo ao vinho. “O teto tem os brasões das principais capitais de distrito do país e foi difícil recuperá-los, uma vez que havia uma camada de fumo acumulado, pois nessa altura todos fumavam aqui dentro.”