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Os Blur entraram em cena, cinco minutos depois da uma da manhã, com “St. Charles Square”, faixa do álbum que está para chegar.
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Os Blur entraram em cena, cinco minutos depois da uma da manhã, com “St. Charles Square”, faixa do álbum que está para chegar.

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Os Blur entraram em cena, cinco minutos depois da uma da manhã, com “St. Charles Square”, faixa do álbum que está para chegar.

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Da ternura de Blur ao pesadelo de New Order: o lado A e o lado B da última noite do Primavera Sound Porto

Os Blur deram um concerto que, longe de ser épico, desfilou os êxitos que queríamos ouvir. Os New Order, próximos da perfeição, foram calados por uma falha energética.

A última noite do Primavera Sound Porto foi digna de um guião hollywoodesco: teve drama e horror, mas também celebração e apoteose. De um lado, houve corações destroçados e até se ouviram palavras de ódio lançadas à organização; do outro, os braços ergueram-se no ar, numa comunhão de ternura e generosidade.

Comecemos pelas boas notícias, que é como quem diz, por Blur. O atraso de quinze minutos foi passado com alguém atrás de nós a assobiar “Girls & Boys”, enquanto uma multidão ia-se aglomerando para um dos momentos mais ansiados da noite: o reencontro da banda britânica com o Primavera Sound. Quando eles cá estiveram em 2013, haviam decretado, meses antes, a despedida dos palcos. Não só isso não aconteceu, como voltariam a Portugal em 2015, ao Super Bock Super Rock, com álbum novo (“The Magic Whip”).

Hoje, a situação foi mais ou menos idêntica: o “concerto único” anunciado para Wembley, a propósito da comemoração do 35° aniversário da banda, transformou-se rapidamente numa digressão mundial de mais de duas dúzias de datas. Pelo meio, ainda nascerá o nono trabalho de originais, “The Ballad Of Darren”, com edição marcada para 21 de julho.

Parece que Damon Albarn, Graham Coxon, Alex James e Dave Rowntree lidam mal com despedidas e assim, de adeus em adeus, vão protelando o final da carreira. Os fãs, para quem nunca é demais ouvir temas como “Universal” ou “This is a Low”, agradecem estas reaparições pontuais e, com o saudosismo a brilhar nos olhos, abraçam um novo concerto de Blur como se fosse a última vez. Abraçam-no com o espanto da primeira vez, com o ardor de uma adolescência em que jogar FIFA 98 ao som de “Song 2” era tudo o que precisavam para serem felizes (ainda o Manchester City, dos eternos rivais Liam e Noel Gallagher, não sonhava que poderia vir a ganhar uma Liga dos Campeões).

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Os Blur tocaram durante quase hora e meia, num concerto sem o carácter épico do de 2013, também ali. A idade passa por todos, pelos Blur também

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Foi precisamente num recinto lotado, a borbulhar de fervor teen em corpos trintões e quarentões, que os Blur entraram em cena, cinco minutos depois da uma da manhã, ao som do tema da série “Tales of the Unexpected”. Abriram o concerto com “St. Charles Square”, faixa do álbum que está para chegar. A partir daí até à penúltima música, “The Narcissist”, tocaram a playlist que muitos dos que ali estavam gravaram em cassetes, para levar nas longas viagens de carro até ao Algarve ou, como sorte, até Espanha. “Good evening” disse Damon, já “There’s No Other Way” tinha arrancado os primeiros coros da noite, para logo se seguir a bateria insurreta de “Pop Scene”, retirada de um tempo em que eles diziam que a vida moderna era lixo.

Desse tempo, foram buscar também “Advert” e “Villa Rosie”, foram buscar um lado punk de Damon Albarn a atirar água ao público, acicatando os ânimos já de si bastante acesos. Ele lá andou de um lado para o outro do palco, não tão frenético como o tínhamos visto exatamente há um ano, com os Gorillaz, ainda assim olhando o público olhos nos olhos, dizendo que nos amava.

Não eram precisas legendas para se perceber que aqueles quatro rapazes magricelas de Londres, hoje um pouco mais pançudos do que nos anos 90, estavam realmente felizes. Tocaram durante quase hora e meia com uma cara sorridente, desfrutando de refrões épicos de “Beetlebum” ou “Parklife”, canção que foi o clímax do delírio coletivo. Em “Coffee & TV”, Damon Albarn sentou-se com a guitarra acústica ao colo para dar o protagonista e a voz a Graham Coxon e em “End of a Century” os gritos das primeiras filas ressoaram no microfone de Albarn, que por ali se acercara naquela altura.

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Parecia estar tudo certo neste conto de fadas, neste reencontro geracional. Porém, quem aqui esteve em 2013, lembrar-se-á certamente de um concerto épico que, com todo o respeito, não se repetiu esta noite. A idade passa por todos, pelos Blur também. Em músicas como “Sing”, que nos transporta imediatamente para a loucura de “Trainspotting” (1996), ou em “Song 2”, provavelmente os dois minutos mais frenéticos da história da música pop, o relentando foi-se instalando, deixando vislumbrar a cedência dos corpos à passagem do tempo.

Talvez isso seja até poético. Talvez isso mostre a nossa própria mudança de cadência, o encarquilhar da nossa carne, ainda assim teimosa ao ponto de dançar “Girls & Boys” como se estivéssemos na pista do Batô. No final, “Tender” foi proclamado hino de uma vida, com direito a um momento a solo do público que se transformou, por breves segundos, numa carinhosa jam session com a banda. “Vocês são boas pessoas, muito obrigada pela vossa generosidade”, disse um Damon Albarn emocionado, deixando a descoberto aquele dente rebelde de ouro no seu sorriso. “The Universal” coroou a atuação que, mais do que entrar para os anais da história da música ao vivo, serviu para encher de amor os corações nostálgicos que ali se juntaram. Por quanto tempo os Blur continuarão a tocar? Não sabemos. Ficamos à espera do próximo anúncio de despedida, para os voltarmos a reencontrar, ainda mais entorpecidos.

Há pouco falámos em drama e horror. Pois bem, ele deu-se num concerto que, até se ter tornado num pesadelo, estava em claro crescendo e que era um dos momentos altos do dia, senão mesmo desta edição do Primavera Sound. Quando José Barreiro, durante a tarde, nos confidenciava que, apesar da chuva e do tempo terrível que se fez sentir no Porto, o festival tinha conseguido manter tudo a correr dentro do previsto, sem cancelamentos ou fatalidades de última hora, estava longe de imaginar aquilo que viria a acontecer em New Order.

A mítica banda que nasceu das cinzas dos Joy Division tinha a difícil tarefa de corresponder às expectativas dos que esperaram um dia (ou um festival) inteiro para os ver. Mas tendo em conta a última passagem por Portugal — uma atuação épica em Paredes de Coura em 2019 -, nada fazia prever o contrário.

Com o concerto de Halsey a estender-se (já lá chegaremos), houve quem literalmente corresse para atravessar todo o recinto até chegar ao palco Vodafone para ver Sumner e companhia. Pontualíssimos, os New Order começaram a desfilar temas clássicos como “Regret”, “Age of Consent”, “Restless” ou “Your Silent Face”, e uma ou outra novidade, como “Be a Rebel”, do álbum de 2021 com o mesmo nome. Com “Sub-culture”, de Low-Life (1985), Bernard Sumner gesticulava qual maestro a orquestra humana gigante que tinha diante de si. Tudo estava encaminhado para uma grande segunda parte quando, durante a muy esperada “True Faith”, os New Order ficaram em silêncio.

Os New Order foram interrompidos por duas vezes por falhas técnicas que a organização suspeita deverem-se à intempérie dos últimos dias

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Primeiro, o público ainda assumiu que a banda tivesse feito de propósito a graça para escutar o coro que prontamente continuou a cantar os versos da canção de 1987, do álbum Substance. Mas os gestos dos músicos, ampliados nos dois ecrãs, eram reveladores: abanavam os braços e a cabeça em sinal negativo. A confirmação chegou quando o vocalista tocou com as mãos no microfone, sem qualquer efeito sonoro.

As luzes do palco acabariam por ser desligadas e, cinco longos minutos depois, o público respirou de alívio e voltou a escutar a canção que havia ficado a meio. Um até então sorridente Bernard Sumner continuou a música de mão na anca, mas dentro de poucos versos eis um novo apagão sonoro.

Sumner bebeu água, retirou a guitarra do corpo e a banda abandonou o palco. O público temia o pior (e alguns foram mesmo saindo do recinto), mas, afinal, uns minutos depois o grupo regressaria para completar a sequência final do concerto com “Blue Monday”, “Temptation” e “Love Will Tear Us Apart”, dos Joy Division, com a imagem de Ian Curtis (membro da banda que antecedeu os New Order, e que se suicidou) no ecrã em jeito de homenagem. Os temas levariam, noutra ocasião, o público a estremecer — mas os ânimos tinham baixado e a ansiedade pela possibilidade de um novo corte era evidente. “Obrigado por terem sido pacientes com os nossos problemas”, agradeceu o vocalista antes de se despedir.

Os New Order tocavam para casa cheia quando surgiram as interrupções técnicas

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Chuva levou a edição com mais “no shows” de sempre

O dia começou quente e soalheiro, enchendo o Primavera Sound de corpos descontraídos que se alongavam pela relva, aproveitando as mais valias de um dos recintos de festival urbano mais verdes que conhecemos. A organização, por esta altura, já tinha os números na ponta da língua: mais de 140 mil pessoas passaram pelo Parque da Cidade, durante os quatro dias, ficando, porém, o recinto aquém da sua capacidade máxima. Foi a edição com mais “no shows” de sempre, disse-nos José Barreiro, diretor do Primavera Sound Porto, e a culpa, a seu ver, foi toda da chuva.

Mas hoje ninguém queria falar nela. O dia era para ser disfrutado e, ao final da tarde, os festivaleiros que já andavam pelo Parque da Cidade dividiam-se essencialmente entre os que escolhiam os septuagenários Sparks e os que optavam pelos jovens Nation of Language — referência à idade surge para explicar que a afluência a cada um dos concertos revelava uma clara distribuição geracional.

Começando pelos primeiros. Os irmãos Russell Mael e Ron Mael (74 e 77 anos, respetivamente) chegaram ao palco principal com o estatuto de banda de culto. Quem ali foi queria o pop de “Angst in My Pants”, “Bon Voyage”, ou “We Go Dancing”. “O grande êxito deles é de 1974, vocês nasceram 30 anos depois”, comenta um homem sorridente, com os seus 50 anos, com três jovens na segunda fila. Referia-se certamente a “This Town Ain’t Big Enough For Both of Us”, canção que abre o álbum Kimono, My House, editado nesse ano. Seria preciso esperar quase até ao fim para a escutar. Antes disso, a dupla fez uma equilibrada viagem entre canções obrigatórias e escolhas surpreendentes, como a adequadamente introdutória “So May We Start”, escrita para a banda sonora do filme “Annette” (2021), musical de Leos Carax, com Adam Driver e Marion Cotillard.

Russel manteve-se quase sempre ao teclado (com cirúrgicas intervenções em momentos de spoken-word). Já Ron, com um excêntrico blazer vermelho e preto, esteve com a energia sempre nos píncaros, dialogando com frequência com o público. Conta-nos que descobriu que gosta de um novo tipo de café, “ainda mais do que o latte”. “Aprendi a dizer em português. É um ‘pingo’”, disse, provocando o riso da plateia. Assim nos convidou a ouvir uma faixa do álbum The Girl Is Crying In Her Latte — ou, antes, corrige: The Girl Is Crying In Her Pingo. É “Nothing is as Good as They Say It Is”. “That’s the way it is, I wish I’d known beforehand” escutamos, fazendo juras para que nos lembremos deste verso da próxima vez que nos pedirem cinco euros por um latte.

Balls, Balls, Balls, Balls”, repetia entretanto a multidão. A provocatória música, do álbum com o mesmo nome, lançado nos anos 2000, diz que “All you need are/ Balls. To succeed are/ Balls”, e deixa até o repto para os negacionistas da desigualdade de género: “Here’s your wakeup call, your second call”.

Os melómanos que escolheram ficar do lado da dupla de Sparks saíram de barriga cheia, mas, no Palco Super Bock, os Nation Of Language também faziam por se fazer valer. Quando chegamos para ver o indie pop do trio de Brooklyn já a camisa do vocalista estava manchada pelo suor. Se fosse preciso sinal da entrega, ei-lo. “Que lindo, vejam só!”, disse já perto do fim, embriagado pela beleza da moldura verde de arvoredo que compunha o retrato de um declive cheio de gente.

O vocalista dos Nation Of Language, trio de indie pop vindo de Brooklyn, Estados Unidos, deu tudo em palco até ao fim

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Punha-se o sol e o céu ganhava pinceladas rosadas quando a voz de Julia Holter se fazia ouvir. A cantora e compositora norte-americana levava o seu experimentalismo e sensibilidade ao Palco Plenitude. A sonoridade exploratória, com um pé na música erudita, outro na eletrónica, aliada a uma delicadeza da voz, criavam um ambiente etéreo como ainda não se havia encontrado nesta edição do Primavera. Entre canções mais melancólicas e outras mais dançáveis, o momento menos contido chegou com “Betsy on the Roof”, do quarto álbum de estúdio Have You in My Wilderness (2015), e com “I Shall Love 2”, de Aviary (2018). Escutámos That is all, that is all/ There is nothing else/ I am in love/ What can I do? e, sem resposta, prosseguimos caminho.

A sonoridade exploratória aliada a uma delicadeza da voz criavam um ambiente etéreo como ainda não se havia encontrado nesta edição. Aconteceu no concerto de Julia Holter

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Halsey: uma estrela pop também pede desculpa

Vista por muitos como a fora do baralho do certame, Halsey deu um concerto digno de cabeça de cartaz. Se por ali havia curiosos a fazer tempo para outros carnavais — a própria disse que mal saísse do palco ia “a correr assistir aos New Order” — não nos enganemos: há quem tenha ido ao Primavera Sound Porto exclusivamente por ela.

Afinal, é a estreia de Halsey em solo nacional. Aliás, foi assim que terminou o concerto. “Devo-vos um pedido de desculpas”, disse em tom sério. “Desculpem ter demorado tanto a chegar aqui”.

Com a energia, devoção e atitude de uma verdadeira pop star, Halsey abriu as hostilidades com uma intensa “Nightmare”, com direito a labaredas e um momento de coro com o refrão “I’m tired and angry, but somebody should be”.

O alinhamento satisfez os fregueses ao incluir temas como “Castle”, “Easier than Lying”, “Graveyard” ou “Bad at Love”, canção de 2017 em que a cantora norte-americana de 28 anos expõe abertamente a sua bissexualidade. “Lembro-me de estar tão nervosa antes de lançar esta música”, recordou no palco. “Mas ninguém quis saber. As pessoas estavam mais interessadas em saber com quantas pessoas tinha dormido. Não queriam saber da parte gay [da música]. Estavam só a pensar: que prostituta, dormiu com cinco pessoas”, continuou. “O que faz com que seja a minha música preferida de tocar ao vivo”, concluiu entre risos.

“Gasoline”, balada que levou jovens às lágrimas, foi uma das escolhidas para o fim, assim como a orelhuda “Without Me”, na qual Halsey se chegou à plateia, como prometera logo nos primeiros minutos, para uma sessão de canto coletivo.

A julgar pela euforia (do público e da artista), e por quem pagou o bilhete de um festival só para a ver, não será de estranhar se a voltarmos a ver em breve por Portugal, quem sabe se em nome em próprio.

Bem-vindos ao club de Yves Tumor

À mesma hora de Halsey, Yves Tumor surgia num fundo de luzes vermelhas e roxas, envolto em nuvens de fumo que não pararam de ser cuspidas durante o concerto todo. Chegou ao Parque da Cidade numa aura alienista, para nos transportar a todos para o seu club underground imaginário, a cave luxuriante que Robert Mapplethorpe gostaria de fotografar.

Voz arrastada e cheia de eco, que dá ao rock psicadélico um lado mecanizado e, simultaneamente, funky fetichista, Tumor passeou-se pelo palco, ora agarrando o microfone com volúpia, ora encolhendo-se no seu éden subversivo. “Crushed Velvet” ou “Secrecy Is Incredibly Important to the Both of Them” iam-lhe saindo dos lábios, letras que são pedaços de poesia surrealista e que fizeram do anfiteatro do palco Super Bock — a rebentar pelas costuras — uma nave espacial construída a partir do encontro das mentes de Bowie e Lynch.

Por vezes, sentimos no seu cantar um choro de Anthony and the Johnsons, outras um experimentalismo de Tyler The Creator. Yves Tumor transforma-se ao sabor das músicas, é uma mariposa inquieta. Durante uma hora, atirou o corpo para as grades, para devorar o público e ser devorado, agarrou no seu guitarrista, um Tommy Thayer dos tempos modernos, para o fazer de presa na sua teia de viúva negra, entregou-se total a um espetáculo que nos embriagou de beleza perversa. Na nossa mais pérfida intimidade, todos os que ali estivemos quisemos, em algum momento, penetrar na mente tortuosa de Tumor e morrer por lá.

Yves Tumor chegou ao Parque da Cidade numa aura alienista, para nos transportar a todos para o seu club underground imaginário, a cave luxuriante que Robert Mapplethorpe gostaria de fotografar

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Mas ainda havia muita vida para ser vivida, muita música para ser dançada madrugada fora e uma edição a ser preparada e melhorada para 2024. Para o ano, o Primavera Sound regressa de 7 a 9 de junho.

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