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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Dançar a 11 mil quilómetros de casa: porque vêm estes estudantes japoneses para Lisboa?

São japoneses, querem ser bailarinos e preferiram estudar dança a 11 mil quilómetros de casa. Muitos gostavam de ficar em Portugal, e outros veem Lisboa como uma ponte para o futuro noutro país.

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As primeiras aulas que Masaki Ichikawa tem são ao meio dia, exceto às terças e quartas em que às oito da manhã já está na escola para as aulas de português. “No fim dos estudos há alunos que já falam melhor português do que inglês”, diz a professora Cristina Pereira, diretora do curso de Dança. Mas o português é “muito difícil de aprender”, diz Masaki, num inglês pouco fluente, mostrando ser uma língua que também não domina. Na verdade, a única linguagem comum a todos os alunos da Escola de Dança do Conservatório Nacional (EDCN) é a do corpo.

Masaki Ichikawa tem 18 anos e está há um ano em Lisboa. Tal como Kai Kanzani, Tomonori Sekiguchi, Ami Inoue, Nanae Yagisawa e Shion Miyahara, fez mais de 11 mil quilómetros para estudar dança — e seguir um sonho. Para trás todos deixaram casas e famílias no Japão e rumaram a Lisboa, mais precisamente à EDCN, no Bairro Alto. Moveram-nos a vontade de estudar numa escola que conjuga o ensino da Técnica de Dança Clássica com a Técnica de Dança Contemporânea e de vingar, posteriormente, numa companhia internacional.

Tal como eles, nos últimos anos têm chegado outros alunos estrangeiros, japoneses e não só. A Escola de Dança do Conservatório Nacional passou a estar em destaque em grandes competições de dança em todo o mundo, e na mira dos estudantes que querem ter uma experiência internacional.

"Eles aqui tem uma escola gratuita, de qualidade e não quer dizer que depois de acabarem o percurso aqui não vão fazer um ano ou dois numa escola fora, porque, embora seja fantástico, é muito difícil sair do conservatório e entrar logo numa companhia de dança"
José Luís Vieira, diretor artístico EDCN

“Isto tem sobretudo a ver com a diversidade e versatilidade que oferecemos”, explica Cristina Pereira, diretora do curso de dança. “Hoje em dia um bailarino também tem de ser versátil, não pode dançar só clássico ou só contemporâneo, tem de ter um pouco dos dois”. E é aqui que entra a valência do conservatório: a conjugação do ensino da dança clássica com o da dança contemporânea, e ainda com o ensino regular. O primeiro motivo que leva os alunos a procurar Lisboa para estudar.

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“O mercado de trabalho no Japão é muito reduzido. E, como sabemos, quer o chineses, quer os japoneses, quer os coreanos são e estão, isto sem qualquer juízo de valor, a invadir o Ocidente, porque são muitos, têm uma personalidade diferente da nossa e uma maneira de trabalhar e um background social muito diferente do nosso”, salienta o José Luís Vieira, professor de Técnica de Dança Clássica e diretor artístico da escola.

Aula de Técnica de Dança Clássica / © João Porfírio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Eles aqui têm uma escola gratuita, de qualidade, e não quer dizer que depois de acabarem o percurso aqui não vão fazer um ano ou dois numa escola fora, porque, embora seja fantástico, é muito difícil sair do conservatório e entrar logo numa companhia de dança”, acrescenta José Luís Vieira.

No centro de Lisboa está o centro do futuro deles

Kai Kanzani mandou um vídeo para o Conservatório de dança no ano passado, e conseguiu entrar no ano letivo que começou em setembro. Mas a dança não foi o seu primeiro amor: sempre jogou baseball até ao momento em que teve de escolher uma das modalidades. A dança venceu. E Lisboa foi a primeira escolha.

O que muitos alunos fazem para chegar à escola é precisamente mandar vídeos onde aparecem a dançar para que os mesmos sirvam de audição, e futura admissão, na escola. Outros são convidados depois de terem obtido boas classificações em concursos.

Na opinião destes estudantes, Lisboa é um passo como tantos outros que dão em palco  em direção ao futuro que querem: muitos gostariam de ficar por cá, outros esperam rumar a outras companhias de dança na Europa ou nos Estados Unidos.

“Alguns chegam a fazer audições para a Companhia Nacional de Bailado, que tenta sempre privilegiar alunos portugueses, mas é muito difícil entrar. Se nós temos bons bailarinos portugueses porquê integrar alunos estrangeiros?”, questiona Catarina Moreira, professora de Técnica de Dança Contemporânea.

"Sou melhor bailarina em Lisboa do que era no Japão."
Shion Miyahara.

Em Portugal não é fácil ficar e estes alunos sabem-no. José Luís Vieira diz que não se lembra de um aluno japonês que tenha integrado a Companhia Nacional de Bailado. “Não é que eles não queiram, mas realmente não acontece, não lhes oferecem essa possibilidade. O mercado de trabalho em Portugal é tão pequeno que seria escandaloso”.

“Nem os alunos portugueses têm tido sorte”, lembra Paulo Ferreira, diretor da EDCN. “O nosso mercado é muito reduzido até para a pouca quantidade de bailarinos que aqui formamos, porque só há uma companhia financiada pelo estado, e há muitas a lutar para tentar manter os bailarinos”. Mas lá fora, para portugueses e japoneses as coisas já são diferentes.

“No estrangeiro, os bailarinos são absorvidos nas mais variadas hipóteses: tanto em companhias juniores [semi-profisisonais], como em companhias seniores, ou prosseguem os estudos noutras escolas”, acrescenta o diretor.

Aula de Técnica de Dança Clássica / © João Porfírio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Por isso, os alunos acabam por, no último ano, começar a mandar vídeos para companhias um pouco por todo o mundo. Alemanha, Itália ou Espanha estão na mira de Masaki. Ainda lhe falta um ano para concluir os estudos em Lisboa, mas tem conhecido o máximo de companhias de dança europeias, com a certeza de querer dançar a nível internacional. Ami Inoue, de 19 anos, já tem contrato assinado com a companhia de ballet Tulsa, nos Estados Unidos, foi chamada depois de uma audição que fez em março.

“Eles fazem muitas audições. Quando são finalistas, meses antes de terminarem as aulas eles chegam a ir praticamente todos os fins de semana à Polónia, Holanda, França, Inglaterra… eles fazem muitas mais audições do que os alunos portugueses”, conta Cristina Pereira.

Dominam o ballet clássico, mas vêm atrás do contemporâneo

Para Catarina Moreira, estes mais de 11 mil quilómetros feitos por um número crescente de alunos, ano após ano, até à EDCN,  foi assunto que resolveu usar na sua tese de mestrado. “É um caso único porque não há muitas mais escolas assim em Portugal, ou lá fora”, revela.

“As pessoas não têm a perceção de que a nível internacional são muito poucas as que oferecem a vertente contemporânea no seu ensino. A maior parte oferece apenas alguns workshops ou pequenas formações com professores convidados”, sublinha Catarina Moreira. “E o ensino da dança contemporânea, além da clássica, vai permitir aos alunos, no futuro, adaptarem-se mais facilmente a qualquer coreógrafo. Se estivessem reduzidos à dança clássica também estariam reduzidos no futuro enquanto bailarinos”.

Masaki Ichikawa / © João Porfírio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A vinda dos alunos japoneses para Lisboa torna-se ainda mais particular pela idade com que chegam: normalmente entre os 16 e o 19 anos, as idades dos alunos finalistas. “Os nossos alunos finalistas já têm uma capacidade de contemporâneo muito desenvolvida, enquanto os alunos japoneses vêm completamente no zero. Isto pode fazer com que, na mesma aula, os alunos japoneses desmotivem por serem exercícios demasiado complexos, e os alunos portugueses também se desmotivem por ter de baixar o nível”, sublinhou a professora Catarina.

Nas escolas de dança do oriente, sobretudo nas da China, Japão e Coreia do Sul, o ensino do ballet clássico é privilegiado, mas o contemporâneo só chega através das competições e de vídeos em que vêm dançar bailarinos de outros países.

Além da dificuldade na língua, nas aulas de contemporâneo nem sempre entendem o que é dito. Aquilo que a professora opta por fazer é recorrer à nomenclatura da dança clássica e a alguns movimentos que transforma e funde para o contemporâneo. “Muitas vezes, nas escolas de dança que frequentam no Japão, os professores não têm abertura para ter alunos contemporâneos nem para trabalhar com eles, mas hoje em dia os concursos e as companhias já obrigam a ter”, sublinha.

"O mercado de trabalho no Japão é muito reduzido. E, como sabemos, quer o chineses, quer os japoneses quer os coreanos são e estão, isto sem qualquer juízo de valor, a invadir o Ocidente, porque são muitos, têm uma personalidade diferente da nossa, e uma maneira de trabalhar e um background social muito diferente do nosso."
José Luís Vieira

Ajudar estes alunos é um dos objetivos da escola, mas nem tudo depende da vontade. “O calendário aqui está sempre a mudar porque às vezes há concursos ou coreografias que precisam de ser preparadas, e logisticamente nem sempre é possível”, confessa Catarina. Além das aulas de apoio para a componente artística, é oferecido também a estes alunos aulas de português, para uma integração mais fácil. O facto de não falarem nem Português nem Inglês é, segundo José Luís Vieira é um “fator inibidor”.

“Eles podiam integrar-se muito mais facilmente, dar-se muito melhor com os amigos portugueses, mas [por causa da língua] forma-se um clã, protegem-se e falam entre si, mas é uma pena não falarem inglês, que para nós é algo coloquial…”, refere José Luís Vieira. “O que acontece nas minhas aulas é que há um ou outro aluno que percebe minimamente inglês e traduz para os outros, até porque a dança é dada por demonstração. Mas quando chega à parte de fazer correções é mais complicado”, sublinha Cristina Pereira.

10 fotos

Uma escola lisboeta de renome internacional

Não é só a escola que agrada a estes alunos. O estilo de vida em Lisboa também. “Aqui está sol, e há imensas praias, no Japão não é tanto assim”, diz Masaki. “Em Lisboa podemos dançar o dia todo e no Japão ia para o liceu durante o dia e só podia dançar à noite”, explica Tomonori. “As pessoas são simpáticas, gosto da escola e dos meus colegas”, refere Masaki. “Sou melhor bailarina aqui do que era no Japão”, remata Shion Miyahara.

Desde 2008, altura em que os alunos da EDCN começaram — “de repente”, diz a professora Cristina — a participar em concursos de dança internacionais, que os prémios, e os primeiros e segundos lugares nas competições começaram a acumular-se nesta escola do bairro alto. Primeiro foi Marcelino Sambé, depois Telmo Moreira, e desde então os alunos têm viajado um pouco por todo o mundo e triunfado em grandes competições internacionais.

"Eles fazem muitas audições. Quando são finalistas, meses antes de terminarem as aulas eles chegam a ir praticamente todos os fins de semana à Polónia, Holanda, França, Inglaterra... eles fazem muitas mais audições do que os alunos portugueses"
Cristina Pereira, diretora do curso de dança

“Os japoneses veem nas escolas ganhadoras um possível local para virem estudar”, enfatiza José Luís Vieira. “E não quer dizer que depois do 12º ano terminado não façam um ou dois anos numa outra escola, já fora de Portugal, porque é mais fácil para estes alunos concorrer para companhias de dança europeias, em França ou na Alemanha, a partir de Lisboa do que a partir de Tóquio”.

“O ensino da dança em Portugal é suficientemente bom para eles seguirem carreira lá fora e cá dentro. No último ano, quando são finalistas, as companhias também os vão chamando, e aqui, os professores quando sabem que um determinado aluno é muito bom também mexem as influências que têm”, explica Paulo Ferreira.

A independência japonesa. A dependência portuguesa

Quando os alunos que chegam são menores, por norma, são acompanhados pela assessora da escola, Tatiana Guedes. Mas ter a cargo jovens que ainda precisam de um tutor dá “muito trabalho e é uma grande responsabilidade”. “Eles [os alunos] contam com a Tatiana para receber encomendas, para mandar encomendas, para receber dinheiro… tudo”, conta José Luís Vieira.  E não só: a escola também se encarrega de ajudar os alunos a alojar-se na capital, de verificar se a alimentação está a ser feita do melhor modo possível, e levá-los ao médico quando necessário.

Ainda assim, Kai Kanzani, Masaki Ichikawa, Tomonori Sekiguchi, Ami Inoue, Nanae Yagisawa e Shion Miyahara são independentes o suficiente para se adaptarem a viver em Lisboa durante os anos em que frequentam o conservatório. Contam todos, sem exceção, com o apoio das famílias. Os pais foram os primeiros a dizer-lhes para ir. Mas desde que chegam não vão a casa muitas vezes, porque com o passar do tempo os fins de semana e as férias são aproveitados para ir a audições e fazer formações um pouco por toda a Europa.

Aula de Técnica de Dança Clássica / © João Porfírio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

No entanto, ressalva o professor José Luís Vieira, estes são alunos cujas famílias têm “algumas posses”, têm sempre “os melhores e mais inovadores materiais ao nível da dança”, e “vão mais vezes a casa do que seria de esperar” devido ao preço das viagens entre Lisboa e Tóquio. “Manter os estudos de um filho num país tão longe acaba por não ser assim tão barato”, conclui o professor.

“Quando disse aos meus pais que vinha para Lisboa contei logo com o apoio deles”, diz Tomonori Sekiguchi, de 19 anos. Conheceu o conservatório de Lisboa através de um concurso de dança, no Japão, há dois anos. Depois de ter dado nas vistas, conseguiu um convite para vir para a EDCN, onde hoje é mais um aluno finalista. Tomonori já tem um contrato assinado com a Sarasota Ballet, uma companhia de dança norte-americana, depois de ter feito a audição em março. Ainda este ano parte em direção aos Estados Unidos. “Não me custa estar longe dos meus pais”, diz, porque este é, afinal, o preço a pagar para poder sonhar (e dançar) mais alto.

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