Estamos nos anos 1960 e Augusta Dias, natural do Porto, era motivada pela família a ser uma verdadeira exceção à regra. Como? Descobrindo os seus próprios interesses, abrindo o seu negócio e tornando-se uma mulher autónoma e independente, objetivos pouco comuns na época. Percebeu cedo que tinha um especial interesse por desenho, pintura e decoração, chegou a ser aluna privada de Júlio Resende e frequentou as aulas do brasileiro Luc Ximénes com quem aprendeu um novo método de corte de vestuário.
Partiu para Paris com a intenção de aprofundar os conhecimentos na área da moda, na prestigiada escola ESMOD, e de regresso ao Porto abriu um ateliê de corte e costura, artes decorativas, cerâmica e culinária. Em 1968, Augusta Dias (que deu origem ao acrónimo GUDI) percebeu que o processo de modelação inovador que tinha aprendido podia ser mesmo a chave do seu sucesso.
“Antigamente as roupas faziam-se a olho e em cima de um manequim, Luc Ximénes desenvolveu um método bidimensional, mais rápido, exato e eficaz, onde não existia tanta margem de erro. Quando a minha avó começou a ensinar este método, as empresas de confeção, maioritariamente concentradas na região norte, quiseram implementá-lo rapidamente, foi assim que começou a ganhar nome, dando formação e fazendo uma espécie de consultoria na indústria têxtil”, conta ao Observador Matilde Rocha, neta da fundadora e atual diretora geral da GUDI.
A primeira escola da moda do país, especializada em modelação, estilismo e confeção, foi registada em 1972 de forma quase oculta, a fundadora colocou o nome dos seus dois filhos como sócios, que ao serem homens dariam mais prestígio e credibilidade ao projeto.
Por não ser uma mulher comum naquele tempo, Augusta sofreu alguns dissabores por quebrar regras e preconceitos. Além de ter estudado artes, tinha carta de condução, viajava muito pela Europa e chegava carregada de revistas, perfumes, sapatos, carteiras e lenços, que depois distribuir entre as amigas e a família. “A escola era a vida dela, trabalhou até ao seu último dia e até aos fins de semana vinha para cá. Era uma pessoa destemida, corajosa e resiliente, que sempre se soube movimentar num mundo muito masculino”, recorda a neta, Matilde Rocha.
Sediada em plena baixa portuense, em Santo Ildefonso, a GUDI nasce numa década em que já existia produção, mas as tendências, a criação ou o design eram conceitos praticamente inexistentes no país e só começaram a surgir a partir dos anos 1980 com a democratização da moda e a abertura das primeiras lojas de pronto a vestir.
Ao longo dos anos, Augusta ganhou uma visão estratégica de puro marketing que ajudou a impulsionar a escola a olhos vistos. Começou por organizar desfiles dos trabalhos dos alunos na recém-inaugurada Exponor, em Matosinhos, no Palácio da Bolsa e, mais tarde, no Estádio do Dragão, cobrava bilhetes a quem quisesse assistir e o valor era revertido a favor da UNICEF, mas também fez parcerias com escolas de moda internacionais, promovendo intercâmbios de professores e alunos, e colaborações com a Câmara Municipal do Porto, desenhando as fardas dos bombeiros e de outros funcionários municipais.
Em 1988, o Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional do Ministério da Educação convidou algumas escolas para fazerem um projeto-piloto e refazerem os seus cursos, a GUDI era uma delas. No ano seguinte, por questões que se prendiam com os financiamentos do Fundo Social Europeu, o projeto dividiu-se em duas instituições: a Escola de Moda do Porto (EMP), de formação profissional, e a GUDI, escola privada de formação para adultos.
A maioria dos alunos eram absorvidos pela indústria têxtil, mas no início dos anos 1990 alguns começaram a explorar a moda enquanto design, a desenvolver coleções mais criativas, confecionando “autênticas obras de arte”, e a aventurarem-se numa carreira em nome próprio. Foi o caso de nomes sonantes como Anabela Baldaque, Paulo Cássio, Carlos Gil e Nuno Eusébio.
Augusta Dias morreu em 2005, nenhum dos dois filhos quis assumir o leme do projeto, e foi a nora, Emília Gouveia, a ocupar o cargo de diretora pedagógica da escola até 2015. Até hoje, a GUDI foi sempre gerida pelas mulheres da família, a neta Matilde passou por lá como aluna em 1993 e regressou em 2014 como diretora geral.
“Os meus primos já estavam noutras áreas e senti a responsabilidade de agarrar a escola e continuar este legado”, recorda, acrescentando que ao longo do tempo foram várias as propostas nacionais e internacionais para comprar a escola. “Há muitos anos a minha avó recusou uma proposta da Ana Salazar que queria fundir a sua marca com a GUDI e investir no segmento masculino. Mais recentemente, tivemos um fundo europeu interessado, mas não quisemos. Sinto que ainda tenho muito para dar ao projeto, não sei se irá continuar na minha família, o importante é que continue.”
Com a abertura de outras escolas especializadas no setor, muitas delas públicas, de ensino superior e viradas para um lado mais técnico, a linguagem artística, criativa e conceptual da GUDI ressentiu-se e foi necessário “pulverizá-la”, centrando-a num método mais prático focado na modelação e na confeção.
Uma das apostas para o futuro será o investimento no ensino online e na componente mais digital na moda, por isso, a partir deste mês a GUDI e a EMP, que sempre funcionaram debaixo do mesmo teto, vão mudar de instalações para a zona industrial do Porto ganhando mais ferramentas para explorar esse universo. Na nova morada, as duas escolas abrem a possibilidade de multiplicar o número de cursos e de alunos, que atualmente ronda os 200, mantendo os protocolos com outras instituições, nacionais e internacionais, e as pontes sólidas com a indústria têxtil.
Para celebrar os seus 50 anos de vida, a GUDI vai protagonizar uma exposição no quarteirão World of Wine, em Vila Nova de Gaia, que à boleia de uma autêntica viagem no tempo contará a história da escola, da sua fundadora e dos alunos que por lá passaram. Fotografias, vídeos, coordenados, livros, registos de funcionários e até secretárias originais das salas de aula farão parte da mostra que inaugura a 15 de setembro e se prolonga até 17 de outubro.