Conseguir 36% dos votos numa eleição em que o vencedor chega aos 62% é, em princípio e aparentemente sob qualquer prisma, uma derrota. Aritmeticamente, é uma derrota. Mas politicamente talvez não seja. No caso de José Luís Carneiro, que se encaminhou, na noite deste sábado, para o hotel lisboeta em que faria a sua (curta) noite eleitoral consciente — como a candidatura sempre esteve — de que não ganharia as eleições internas do PS, esses 36% valem-lhe o rótulo de figura a ter em conta no futuro do PS (ou significam, como disse o vencedor Pedro Nuno Santos, que não é um camarada qualquer).
O que isso vale para o futuro, logo se verá — mas Carneiro deixou pistas importantes para esse futuro nesta noite de semi-derrota. O primeiro significou abandonar, em tempo recorde, a sala que escolhera para acompanhar a noite eleitoral: passou menos de duas horas no hotel onde esteve, quase sempre fechado numa sala com alguns dos seus principais apoiantes (André Moz Caldas, Vieira da Silva, Jamila Madeira, Jorge Lacão ou Eurico Brilhante Dias, mas sem Fernando Medina nem Augusto Santos Silva) e com a mulher e os dois filhos. Rapidamente decidiu mudar de posto: dali iria para o Largo do Rato, falar aos socialistas a partir da sede do partido.
Não se cruzou, nem esteve para se cruzar, com Pedro Nuno, que chegou já a noite ia longa e os resultados estavam oficializados. Entrou já com a companhia de poucos apoiantes para dar um sinal de disponibilidade para o partido: apesar de a candidatura de José Luís Carneiro ter sido a maior responsável por ataques diretos ao adversário — durante os encontros com militantes ouviram-se críticas aos erros que Pedro Nuno cometeu quando estava no Governo ou até sugestões de falhas de “caráter” — Carneiro foi ao Rato, onde se encontravam os apoiantes do vencedor, para apelar à “unidade” no PS, assegurando que está “sempre atento e disponível para colaborar no reforço do PS”: “A partir de hoje, somos todos socialistas”.
A segunda palavra chave, que disse depois de “unidade”, foi “pluralidade” — um segundo sinal para futuro, desta vez dirigido a Pedro Nuno Santos. Em surdina, os apoiantes do candidato derrotado vão comentando que é ao novo líder que cabe provar que a vontade de unir o partido — é graças a essa união que o PS só teve nove líderes e o PS 19, chegou Pedro Nuno a atirar no púlpito — é real. “Cabe à nova liderança assegurar a unidade e a pluralidade”, avisou Carneiro.
Isto depois de não fechar porta nenhuma a um futuro em que a era pedronunista o possa incluir: por agora, a garantia do socialista, ainda ministro, é que tem “disponibilidade para trabalhar pelo PS” e “continuar a servir Portugal”.
O que fica claro é que o candidato derrotado não vai abdicar de fazer valer o tal capital que conquistou. Como não se cansou de repetir, estes 36% foram conquistados “num mês” — embora não seja exatamente assim, uma vez que nesta campanha também revelou que pelo menos desde a sucessão de polémicas na TAP vinha sendo incentivado a colocar a hipótese de se candidatar. “É um belíssimo resultado em quatro semanas”, frisa um apoiante, em conversa com o Observador.
A ideia é clara: lembrar que passaram apenas quatro semanas desde o dia em que Carneiro se apresentou como candidato a líder, numa pequena sala da sede socialista de Coimbra, acompanhado por Manuel Machado e duas dúzias de militantes, quase todos desconhecidos. Nesse dia, era visto como o único rosto da ala moderada que arriscava avançar, enquanto os outros, mais óbvios e mais referidos como potenciais sucessores de António Costa, levavam falta de comparência (incluindo no arranque da sua campanha, em que Carneiro apareceu ainda sem notáveis à volta). Desde então, foi montando uma campanha em crescendo — pelo menos em termos de perceção — embora sempre tenha tido a consciência de que seria impossível ultrapassar Pedro Nuno em votos.
O que conseguiu foi uma derrota, mas com um resultado “notável” — descrição do próprio — e que será o mais alto de entre os que conseguiram os candidatos derrotados anteriores. Ou seja, Carneiro poderá a partir de agora argumentar que tem ao seu lado (ou contra Pedro Nuno?) uma fatia importante do partido, que encaixa nas expectativas dos pedronunistas (que, nos últimos dias, andavam a prever que a corrida ficassse pelos 65% para Pedro Nuno e 35% para Carneiro, uma previsão próxima da realidade), e que não pode ser excluída do futuro do PS.
O aviso foi claro: “O nosso dever agora é garantir que este amplo movimento que constitui um fator essencial de diálogo com toda a sociedade portuguesa tem integração no caminho do PS”. Carneiro quer ser integrado, e, para já, Pedro Nuno prometeu incluí-lo na campanha eleitoral, “como é óbvio”. Os apoiantes do derrotado vão usando o slogan de Pedro Nuno — “Portugal inteiro” — para desafiar: a partir de agora, cabe a Pedro Nuno mostrar que tem o “PS inteiro” consigo.
Já Carneiro, que saiu do Rato só com a sua mulher mas voltou ao hotel para um jantar tardio, acabou por atirar que se se preocupasse com a sua carreira política talvez não tivesse sido candidato nestas eleições, que o fez também para deixar um “legado” e mostrar aos filhos que em democracia “não há inevitabilidades” (leia-se, que havia quem desse luta a Pedro Nuno). Com mais ou menos cálculo, avançou e acabou por convencer 36% dos militantes que votaram — agora terá de decidir o que faz com a sua derrota.