Três dias, 21 desfiles, muitos litros de rímel, muita laca no ar dos bastidores, modelos na maquilhagem, designers com o coração em fúria. O cenário repete-se de seis em seis meses. Os mais de 20 anos de Moda Lisboa são feitos de encontros e reencontros.
Ricardo Preto trabalhava com Dino Alves e desfila em nome próprio. Filipe Faísca gosta de criar espetáculos. Luís Carvalho foi estagiário de Filipe Faísca e trabalhou como assistente de Ricardo Preto. No meio da correria dos bastidores, eis três histórias que se cruzam no mesmo objetivo: tornar as pessoas mais bonitas.
Ricardo Preto trabalhava há quase quatro anos com Dino Alves: fazia os acessórios para as coleções do criador. Quando começou a desfilar em nome próprio na Moda Lisboa, já tinha feito o estágio de principiante. Hoje já soma oito anos de 10 minutos de desfile dedicados à marca “Ricardo Preto”. O coração já está habituado, mas o alarme continua a soar. “De cada vez que os 10 minutos passam já sabes que não vais morrer. Sabes que vais ficar mais forte. Custa mas é ótimo”, confessa.
Como foi essa passagem para nome próprio? “É quase como quando vivemos em casa dos pais. Lá temos uma postura, quando temos a nossa casa temos a nossa postura”, explica. Na azáfama dos bastidores da 44ª Moda Lisboa, Ricardo lembra: “na minha primeira vez, essa edição chamava-se “Moda Lisboa Black”, eu sou Ricardo Preto, portanto aquilo tudo fazia um sentido imenso para mim. Apresentar uma coleção minha é um reflexo do que eu quero fazer, das minhas propostas, é quase como se fosse o meu dia de anos”.
A primeira “foi uma grande emoção” e a segunda também foi “muito especial”. Aconteceu no Museu da Eletricidade. “A hora em que o desfile começou foi a hora em que começou o lusco-fusco. As janelas do museu eram iluminadas por um rosa e por um violeta incrível. A distribuição das cadeiras agradava-me imenso”.
Ricardo olha em volta e desfia memórias daquela segunda edição. “A roupa para entrar para os bastidores tinha de ser carregada por um monta-cargas. Eu estava cá em baixo e via as minhas caixas a dizerem ‘Ricardo Preto’ a subirem para uma altura incrível. Pensei: isto é um bom presságio”.
Moda é espetáculo. Ponto final. A assertividade pertence a Filipe Faísca que procura criar “momentos especiais”, muito além da passagem de modelos elegantes numa passerelle. Na edição de outubro, por exemplo, Filipe contou com uma obra da artista Joana Vasconcelos na passerelle.”A moda é andar a repescar pequenos pormenores das coisas que se vivem”, diz o criador.
Se a moda se inspira na vida real, a realidade também pode atrapalhar a moda. A manequim Flor caiu durante o desfile de Filipe Faísca em março de 2014. Na altura, o acidente foi noticiado na imprensa. “Este tipo de coisas acontecem porque a moda é um espetáculo ao vivo, como é o teatro. Eu sou uma pessoa do espetáculo e sempre percebi que não controlo tudo”, recorda Filipe.
A situação não só não mereceu a preocupação do criador, como ainda ajudou a uma ideia. Filipe decidiu recuperar a queda de Flor para uma campanha publicitária outono/inverno. “Provoquei a queda em foto e ficou giríssimo. Há sempre formas de tornarmos o negativo em positivo”, conclui.
Se a moda é um espetáculo, é preciso ter as melhores atrizes a seduzir o público. Filipe gosta de contar com “algumas pivots” nos desfiles. Sofia Aparício é uma das suas modelos intemporais que “ajudam a suportar as mais novas que ainda são muito inseguras e estão na fase de treino”, refere. “Quando vêm uma Sofia Aparício a pisar forte e segura, isso transmite-lhes confiança”.
Confiança. Algo essencial para modelos, criadores e equipa de produção. Principalmente para fazer face ao pouco tempo antes do desfile e aos percalços que possam acontecer. “Isto é como a história da Cinderela: ou o pé cabe ou não cabe”.
Luís Carvalho está mesmo atrás da passagem das modelos dos bastidores para a passerelle. Faz a vistoria de todas as manequins antes de estas porem o primeiro pé do lado de lá. Ajeita o vestido, estica o tecido, acerta cada centímetro. O próprio confessa. “É uma correria. Mexo no mesmo manequim umas 30 vezes para ver se está tudo bem”.
Pode ser ansiedade de quem só apresenta como designer na Moda Lisboa há dois anos, mas Luís Carvalho já consegue contar alguma história do evento. “Na edição 30, 31 e 32 trabalhei como voluntário”, recorda. “Foi uma edição muito difícil porque foi no Casino do Estoril e eu tinha de carregar imensas revistas. Ainda hoje me dou com pessoas dessa altura. Alguns deles ficaram a trabalhar na Moda Lisboa, outros tornaram-se designers“.
Depois da experiência como voluntário, Luís esteve na Moda Lisboa durante três edições como estagiário de Filipe Faísca e uma edição como assistente de Ricardo Preto. Desde 2013 que tem o seu nome no calendário. A “estranheza” de apresentar agora ao lado daqueles com quem trabalhou junta-se ao “orgulho” que sente nos seus “professores”.
A partir do momento em que se começa a vingar, não se pode parar. Palavra de Luís Carvalho. “Já estou a pensar na próxima coleção”. A inspiração é sempre a mesma: “gosto de fazer as mulheres sentirem-se especiais”.