Facto 1: Luís Filipe Vieira, menos de 48 horas depois de ter sido detido no âmbito da operação Cartão Vermelho, pediu a suspensão dos cargos que exerce no Benfica e nas suas participadas (algo que está omisso nos estatutos do clube). Facto 2: entre as medidas de coação relacionadas à atividade que tinha na Luz, encontra-se “apenas” impedido de falar com quatro pessoas dos encarnados, neste caso os membros do Conselho de Administração da SAD em funções: Rui Costa, Domingos Soares de Oliveira, José Eduardo Moniz e Miguel Moreira. Facto 3: com os dois factos anteriores consolidados, o futuro de Vieira no Benfica depende apenas de si a partir do momento em que deixe a prisão domiciliária depois de prestar a caução estipulada de três milhões de euros.

Ou seja, ultrapassada essa medida de coação, o presidente auto-suspenso do Benfica pode, caso seja essa a sua intenção e entendimento, cessar essa condição anunciada na véspera de ficar a conhecer a decisão do juiz Carlos Alexandre e entrar na Luz como líder do clube. “Nos termos estatutários, e vou repetir, nos termos estatutários, o Rui Costa é presidente em exercício do Benfica por substituição e durante a suspensão de Luís Filipe Vieira”, voltou a defender este sábado o advogado do presidente dos encarnados, Magalhães e Silva. No limite, e não há nada em termos práticos que o impeça apesar dos factos alegadamente imputados no processo, pode até ser o líder da SAD com tudo o que teria de “surreal” de liderar um Conselho de Administração sem falar com os pares.

Mas qual será então o futuro de Vieira do Benfica? Que toda a operação teve peso na posição de Vieira no clube, ninguém tem dúvidas. Que muitos pedem eleições antecipadas, mesmo respeitando este período dos próximos dois meses para fechar os plantéis desportivos do futebol e das modalidades, também não. Segundo explicaram ao Observador, que Vieira não gostou da forma como o seu nome foi quase “apagado” no plano interno durante o período em que esteve detido antes do primeiro interrogatório e que esperava outro tipo de solidariedade, ainda menos dúvidas. Agora, o próximo passo depende do próximo – e até na Luz não se consegue perceber ao certo qual será o passo seguinte de Vieira. Sobram três cenários. E, já agora, a dúvida que se levantou a partir da investigação.

Cenário 1: Vieira mantém a auto-suspensão de funções nas próximas semanas

É o cenário mais provável e é o cenário que as próprias pessoas mais próximas deverão aconselhar. E por vários motivos: 1) a prioridade é tratar da caução para deixar de estar em prisão domiciliária; 2) vai perceber o que se passou nos últimos três dias, sendo que uma coisa podem ser as informações mais gerais partilhadas pelo seu advogado e outra são as muitas movimentações que foram sendo feitas, em particular na Luz; 3) quererá em paralelo falar com pessoas de confiança para ir ouvindo também opiniões sobre os próximos passos a tomar, até a nível de comunicação e de damage control. Estes são só os três passos iniciais, olhando numa perspetiva apenas desportiva e sem contar com a vertente empresarial e todos os negócios que mantém extra Benfica.

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Antes de tomar qualquer decisão, Vieira vai sobretudo perceber o contexto que enfrenta agora para tomar uma qualquer decisão. Dito por outras palavras, terá de ir entendendo a ideia que existe por exemplo na Direção em relação às acusações de que foi alvo pelo Ministério Público, terá de ir entendendo em muitas outras áreas do clube o espaço que tem para um eventual regresso, terá de ir entendendo em paralelo com tudo isso como serão os próximos passos da operação Cartão Vermelho. Nesse hiato, manter a sua auto-suspensão, sabendo também que Rui Costa está como líder interino do Benfica e que Domingos Soares de Oliveira mantém várias pastas que estavam em curso na SAD, é o cenário provável, até porque daqui a três meses as medidas podem ser revistas.

Cenário 2: Vieira assume o regresso à presidência do Benfica (com o que isso trará)

Por um lado, apontam o dedo ao facto de terem ficado no Benfica alguns daqueles que trabalhavam de forma direta e/ou próxima de Luís Filipe Vieira. Por outro, acusam os atuais responsáveis do clube de permitirem que exista nesta fase um cenário de dois presidentes. Ainda com o último sufrágio eleitoral fresco na memória por ter menos de um ano, as vozes que pedem eleições antecipadas no clube vão crescendo com o intuito paralelo de colocarem um fim na era Vieira na Luz que perdurou ao longo de quase duas décadas no clube. Questão? Só existem duas formas de convocar um novo sufrágio: 1) se os órgãos sociais pedirem a demissão em bloco ou a Direção perca a sua maioria; 2) se o presidente da Mesa da Assembleia Geral assumir essa decisão ou acabe por dar provimento a um qualquer pedido de associados que possa levar à destituição da Direção.

Apesar de estar proibido de contactar com os elementos da administração da SAD, e mesmo tendo o gabinete na Luz numa zona onde terá de passar pelos gabinetes desses mesmos elementos, Luís Filipe Vieira pode deixar cair a suspensão do cargo como presidente do clube e da SAD mal saia da condição de prisão domiciliária ou, num limite, voltar apenas à presidência do clube deixando Rui Costa como número 1 da sociedade que gere o futebol dos encarnados. “Eu tenho a noção exata que estou aqui porque sou presidente do Benfica, senão não estava cá, tenho essa noção exata. Bastou ver o aparato que vi todo hoje, da comunicação social… Tenho a certeza”, atirou na audição que teve na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução. E este pode mesmo ser o argumento: defender a sua inocência tendo o Benfica como uma espécie de escudo, dizer que vai provar isso mesmo em Tribunal e voltar a número 1. Aí, a dúvida seria mesmo sobre o comportamento dos restantes órgãos sociais perante esse regresso.

Cenário 3: Vieira antecipa o final do último mandato e sai do Benfica

Nem tudo correu como Vieira pretendia, desejava ou aguardava nestes últimos três dias em relação à sua ligação ao Benfica, a começar pela forma como foi de imediato pensada uma solução interna caso Vieira viesse mesmo a ser suspenso de funções (como viria a acontecer por decisão própria) e a ter prolongamento pelos comunicados que foram sendo emitidos pela Direção do clube e pelo Conselho de Administração da SAD. Na verdade, não houve qualquer frase de qualquer missiva que apontasse o dedo ao número 1 auto-suspenso mas também não foi feito qualquer tipo de defesa perante o cenário existente. Também isso contribuiu para esvaziar e muito a margem de manobra de Vieira para um hipotético regresso. E, hoje, não é fácil dar a volta a essa situação.

Luís Filipe Vieira sempre defendeu que tinha ficado no clube para um sexto mandato para evitar que o clube e a SAD ficassem nas mãos daquilo que descrevia de “aventureiros” mas colocando o quadriénio 2020-2024 como o último na liderança dos encarnados. Agora, fruto de tudo o que se passou, tudo mudou. E, embora não seja em paralelo um dos cenários com mais força, pode mesmo antecipar a saída da Luz abrindo espaço para Rui costa ficar um pouco mais cedo do que teria sido combinado (em 2024). Não sendo agora uma possibilidade com muita força para avançar nos próximos dias, surgirá como decisão possível olhando para todas as hipóteses.

Agora, a dúvida: como ficarão as ações que estariam para ser vendidas?

Existe ainda um ponto de interrogação em relação a Luís Filipe Vieira (e, neste caso, o empresário José António dos Santos, conhecido como o Rei dos Frangos), que diz respeito às ações que tem na sua posse e que, de acordo com a investigação, levou mesmo à realização de um contrato promessa com um empresário norte-americano (John Textor) que lhe daria um total de 25% do capital social da Benfica SAD, segundo noticiou o Nascer do Sol.

De acordo com a publicação, esse contrato promessa foi feito há menos de três semanas sem qualquer tipo de comunicação à CMVM (o que pode configurar uma contraordenação grave) e previa a venda de um quarto das ações da SAD a John Textor por um valor de 50 milhões de euros, dos quais apenas um tinha sido adiantado pelo norte-americano. 20% seriam as ações pertencentes a José António dos Santos (que tem quase 17%) e a Luís Filipe Vieira (3,28%) e os restantes 5% seriam as ações de José Guilherme e António Martins, as quais Vieira recomendou a José António dos Santos. A mais valia gerada por essa alienação seria de 30 milhões de euros, já depois da tentativa de OPA que tinha sido chumbada entre muitas críticas à CMVM feitas… pelo Benfica.

Nada chegou a ser comunicado mas existe um contrato promessa de venda e a dúvida agora passa por saber se o negócio irá seguir em diante ou se, perante tudo o que se passou desde que foi desencadeada a operação Cartão Vermelho, ficará sem efeito. Em paralelo com isso, ficará também por perceber se Vieira vai ou não manter essa participação social enquanto acionista, o que poderá também ter ligação aos próximos passos na Luz.