É o tanque soviético T-34 que costuma abrir a secção do desfile do 9 de maio que serve de montra ao poderio do armamento russo. Este ano, a tradição voltou a repetir-se. Contudo, contrariamente ao que aconteceu no passado, aquele tanque foi o único a pisar a Praça Vermelha, sendo demonstrativo de uma parada militar mais modesta e com menos brilho.
O desfile deste 9 de maio contou com 51 veículos militares, entre blindados, sistemas móveis de mísseis terrestres e lançadores de mísseis. O que, comparativamente com os desfiles passados, mostra uma diminuição considerável: em 2022, foram 131 e em 2021, foram 197 viaturas militares que passaram pela Praça Vermelha.
The only tank present at the parade was T-34 ???? pic.twitter.com/jLyoey6PZ3
— Saint Javelin (@saintjavelin) May 9, 2023
Após semanas sem falar publicamente sobre a guerra, Vladimir Putin discursou em Moscovo. O Chefe de Estado voltou acusar as “elites globalistas do Ocidente” de serem “arrogantes” e de terem desencadeado uma “guerra” contra a Rússia.
O Presidente russo reiterou a ideia de que o povo ucraniano está “refém” de um “golpe de Estado” que foi levado a cabo pelo “regime criminoso” de Kiev, liderado por Volodymyr Zelensky. Para Vladimir Putin, a Ucrânia é usada como uma maneira de o Ocidente proceder à “implementação dos seus planos cruéis e egoístas” contra a Rússia.
Estas ideias expressas pelo Presidente russo já tinham estado presentes no discurso do ano passado, que aconteceu numa altura em que se temia que Moscovo poderia decretar a mobilização geral, escalando o conflito. Em maio de 2022, a Rússia mantinha uma certa aura de invencibilidade (apesar da derrota nos arredores de Kiev), algo que, passado um ano, já perdeu.
Aliás, o contexto é diametralmente oposto. A 9 de maio de 2022, as tropas ucranianas tentavam resistir na cidade destruída de Mariupol e antevia-se um cenário em que as forças russas conseguiriam conquistar a região de Donbass, assumindo uma postura claramente ofensiva. Um ano depois, os papéis inverteram-se: espera-se agora que a Ucrânia tome as rédeas do conflito, começando em breve uma contraofensiva.
A diminuição dos veículos de combate na parada militar
Com uma notória diminuição do número de carros de combate, a Rússia começou o desfile com o já referido T-34, tal como fizera nos anos anteriores. A partir daí, foi tudo diferente.
Desfile deste ano
- 7 veículos de combate de infantaria Tigr-Ms;
- 6 veículos veículos blindados VPK-Urals, considerados uma inovação no campo de batalha e um dos últimos avanços do complexo industrial-militar russo;
- 10 veículos blindados STS Akhmat, utilizados pelas forças chechenas;
- 6 veículos blindado anfíbio de transporte de tropas BTR-82A;
- 6 sistemas móveis de mísseis balísticos de curto alcance Iskander;
- 6 sistemas de mísseis antiáereos ZRS S-400;
- 3 sistemas de mísseis balísticos intercontinentais RS-24;
- 6 veículos de combate de infantaria Tigr-Ms;
- 3 veículos blindados anfíbio VPK-7829.
Desfile de 2022
- 9 veículos blindados de combate da família Thyfoon;
- 10 veículos blindados BMP;
- 10 tanques T-72B3M;
- 3 tanques T-14 Armata;
- 15 veículos blindado anfíbio de transporte de tropas BTR-82A;
- 7 tanques T-90;
- 9 lançadores de foguetes múltiplo RS30 Tornado;
- 8 blindados anfíbios de transporte de tropas SAU 2S19;
- 8 sistemas de mísseis antiáereos ZRS S-400;
- 4 blindados anfíbio de transporte de tropas BUK-M3;
- 4 sistemas de mísseis terra-ar de curto alcance TOR M2;
- 9 veículos de combate de paraquedistas BMD-4M;
- 10 veículos blindados de transporte projetado para tropas aeroprojetadas BTR-MDM;
- 8 veículos terrestres de combate não tripulado URAN-9;
- 4 tanques de transporte URAN-63704;
- 3 sistemas de mísseis balísticos intercontinentais RS-YARS;
- 6 veículos blindados armados com metralhadora TIGR-M;
- 3 veículos blindados anfíbios BTR-Boomerang.
Putin insiste em culpar o Ocidente e volta a exaltar forças russas
No discurso a meio da parada militar, Vladimir Putin começou por desejar um “bom feriado” aos russos, lembrando os “pais, avôs e bisavôs que glorificaram e imortalizaram os seus nome ao defenderem a pátria”. “Pela sua coragem desmesurada e grandes sacrifícios, salvaram a humanidade do nazismo”, prosseguiu, aludindo à derrota das tropas nazis de Adolf Hitler.
Após esta breve introdução, o Presidente russo passou logo ao ataque, insistindo que a Humanidade está a atravessar, tal como na II Guerra Mundial, um “ponto de viragem decisivo”. “Uma guerra foi novamente desencadeada contra a nossa pátria”, lamentou o Chefe de Estado da Rússia, que garantiu que o país será novamente capaz de “repelir o terrorismo”, proteger “os habitantes de Donbass” e garantir a “segurança”.
No início do seu discurso de 2022, o líder russo também tinha enfatizado a coragem daqueles que lutaram contra os nazis e louvou aqueles que estavam a proteger os “povos” russos no Donbass, que o estavam a fazer pela “segurança da pátria”. Ou seja, a exaltação às tropas mantém-se, mas com uma ligeira diferença: Vladimir Putin nunca mencionou, há um ano, que se tinha iniciado uma guerra contra a Rússia.
Há um ano, o Presidente russo apenas referiu que o Ocidente e a Ucrânia estavam a preparar uma “operação” no Donbass, assim como uma “invasão às terras históricas” da Rússia, incluindo a Crimeia. “Em Kiev, até anunciavam a possível compra de armas nucleares. A NATO aumentou a presença militar em territórios junto a nós”, queixava-se Vladimir Putin, algo que a seu ver era “inaceitável”. Justificando o início do conflito, o líder da Rússia sublinhou que se tratava de uma “decisão forçada e certa”.
Ora, esta terça-feira, o Chefe de Estado russo voltou a elevar o tom contra o Ocidente, não em termos militares, mas antes criticando os valores e a atitude “arrogante” das “elites globalistas do Ocidente”. “Acreditamos que qualquer ideologia que se julgue superior é intrinsecamente reprovável, criminosa e mortífera. Contudo, as elites ocidentais ainda tomam por garantido a sua exclusividade, dividindo sociedades, provocando conflitos sangrentos e revoltas e semeando o ódio, russofobia e nacionalismo agressivo”, acusou o Presidente da Rússia.
Para mais, numa crítica aos valores do Ocidente, o líder russo considerou, esta terça-feira, que houve uma tentativa de “destruir a família e valores tradicionais que fazem da pessoa uma pessoa”. Todas estas tentativas dos países ocidentais têm como objetivo, sublinhou Vladimir Putin, “ditar e impor” aos outros povos a “suas vontades, os seus direitos, as suas regras e um sistema de roubos e violência”.
Encontram-se paralelismos, no discurso do ano passado de Vladimir Putin, nas denúncias da “degradação moral” do Ocidente, que se tornou a base “para falsificações cínicas da história da Segunda Guerra Mundial”. “Insta-se a russofobia, saúda-se traidores, ridiculariza-se a memória das vítimas e apaga-se a coragem daqueles que ganharam e sofreram pela vitória”, disse em maio de 2022.
Na cena internacional, tal como costuma fazer, Vladimir Putin voltou, esta terça-feira, a agradecer aos soldados norte-americanos, britânicos e de outros Estados pela luta contra o nazismo. Este ano, o líder russo piscou o olho à China, frisando as “façanhas dos soldados chineses na batalha contra o militarismo japonês”.
Tentando mostrar que a Rússia não está sozinha, o Chefe de Estado russo disse estar “convencido” de que existe um “grande apoio” ao “momento irreversível” que se segue na comunidade internacional, isto é, uma “ordem mundial multipolar” ancorada na “confiança, na segurança e em oportunidades iguais para o desenvolvimento livre de todos os países”. Esta teoria está a “ganhar tração”, reforçou Vladimir Putin.
No ano passado, o líder russo não fez qualquer menção àquela que se tem tornado uma das suas bandeiras na política externa: a instauração de um mundo multipolar que termine com a hegemonia norte-americana.
Adicionalmente, existe ainda outra diferença relativamente às duas paradas. Em 2022, nenhum chefe de Estado estrangeiro esteve presente no desfile militar, enquanto em 2023 estiveram presentes o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, o Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, o Presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, o Presidente do Quirguistão, Sadyr Japarov, o Presidente do Tajiquistão, Emomali Rahmon, o Presidente do Turquemenistão, Serdar Berdimuhamedov, e o Presidente do Uzbequistão, Shavkat Mirziyoyev.
Aos líderes presentes no desfile, que têm um passado soviético em comum, Vladimir Putin enviou uma mensagem, agradecendo a sua presença em Moscovo. “Vejo nesta atitude um padrão comum com os nossos antecessores: lutaram e venceram juntos. Todos os povos da União Soviética contribuíram para a vitória comum” na II Guerra Mundial.
Em ambos os discursos, Vladimir Putin agradeceu aos militares. Esta terça-feira, o Chefe de Estado da Rússia assinalou que o país estava “orgulhoso” de todos os que fizeram parte da “operação militar especial” e todos aqueles que estão na linha da frente. “Todo o país está unido para apoiar os nossos heróis. Todos estão pontos para ajudar, para rezar por vocês”, sublinhou.
Em 2022, Vladimir Putin elogiou igualmente os “combatentes de diferentes nacionalidades” que se ajudam e se protegem das balas como “irmãos”. “Esta é a força da Rússia, que é indestrutível”, salientou. Para terminar ambos os discursos, o Presidente russo usou ainda as mesmas expressões: “Viva a Rússia! Pela vitória!”.