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Chama-se David Soares, mas toda a gente o conhece por “David GYT”. Formado em Direito, é no YouTube que trabalha — com 24 anos, conta com cerca de 108 mil seguidores na conhecida plataforma de vídeos, na qual fala, entre outros assuntos, de investimentos financeiros, do relógio com diamantes que usa, das refeições de 500 dólares ou dos seus automóveis topo de gama. E é um dos visados da petição pública lançada na semana passada, onde cerca de 14 mil pessoas pedem que se investiguem os esquemas “altamente aliciantes”, praticados por influenciadores digitais, que permitem que enriqueçam “desonestamente” à custa das “perdas enormes por parte das pessoas burladas”.
Na internet, é possível encontrar várias queixas de pessoas que afirmam querer denunciar youtubers conhecidos — seja através da aplicação Discord, utilizada para expor outro caso que marcou a atualidade na semana passada, o de Windoh; seja através do próprio YouTube ou da aplicação de chat Telegram. No caso de David GYT, as denúncias virtuais alegam que o influenciador se estará a fazer passar por trader profissional, que venderá informações financeiras para o qual não estará habilitado e que receberá comissões de uma corretora estrangeira com o objetivo de angariar clientes.
Na sequência da petição pública lançada na semana passada e da polémica que envolveu o curso de criptomoedas lançado por outro youtuber, Windoh, soube-se que o Ministério Público abriu um inquérito relacionado com estas atividades, ainda que não tenha especificado que investigação estava em causa. Dizia apenas que “foram denunciados vários nomes e factualidades que constam da participação que deu origem a um inquérito e que se encontra em investigação no DIAP de Lisboa”. Ao Observador, o youtuber David Soares nega ter conhecimento de qualquer investigação.
Da Global Youth Trading à Wevesting. David Soares é trader profissional? Nim
Primeiro, vamos à informação de contexto. Quem é David GYT? E porque está a ser acusado por dezenas de utilizadores de ter montado um “esquema aliciante” que garante um enriquecimento fácil? A resposta é complexa. Nascido em Faro, é descrito numa página de uma marca sua como empreendedor, ligado à área de trading e dos mercados financeiros, como a Forex. Além de youtuber, apresenta-se como “CEO da Wevesting”, uma empresa fundada em 2018, que “conta com uma equipa de analistas com vários anos de experiência no mercado cambial” e como trader profissional, ou seja, alguém que trabalha numa corretora ou empresa de investimento e que dá ordem de compra e venda de ações. Mas será assim?
Ao Observador, André Pereira Branco, advogado de David Soares nega que o youtuber seja um trader profissional. “Não é, nunca foi nem exerce tal atividade como modo de vida”, garante. Mas várias pessoas contactadas no decorrer deste artigo mostraram conversas que tiveram com o youtuber, onde este se apresentava como tal, perante potenciais novos clientes, oferecendo um serviço educativo na área financeira em troca de um depósito. No final, muitos dos que acediam acabavam por demonstrar o seu desagrado: perdiam dinheiro.
Outras fontes próximas do empreendedor revelam que, de facto, David GYT não é trader. “Não é formado nessa área nem nunca se esforçou em ser. Tem pessoas a trabalhar para ele que fazem o trading mas, perante os resultados repetidamente negativos durante meses, acredito que nenhuma daquelas pessoas seja boa no que faz”, afirma uma fonte que não quis ser identificada ao Observador. Há outra que foi mais longe: “Nunca o vi a ganhar dinheiro com o mercado”, garante. Ou seja, se não era a negociar nos mercados (como trader) que ganhava o dinheiro que ostentava nas aparições públicas, era com o quê?
Desde pequeno que David “sabia que iria fazer grandes coisas”, tendo tido ideias para pequenos negócios e desenhando “formas de ficar rico na sua cabeça antes de adormecer”. Não foi o youtuber que disse isto ao Observador, mas é o que se lê no artigo da Yahoo Finance, publicado em abril de 2020, com o título: “Meet David Soares: The Entrepreneur Youth Trading, The Number One Forex Firm in Portugal”, que em português é algo como “Conheçam o David, o jovem empreendedor de trading, a empresa número 1 de Forex em Portugal”. Artigo esse que não está assinado. Foi publicado também outro artigo do youtuber no Jornal Económico — entretanto apagado — que surgia como conteúdo patrocinado.
E como é que David se torna no David GYT? Por causa da Global Youth Trading, a marca que o youtuber adotou como sigla e que se descrevia como uma “firma de consultoria financeira que foca na Forex e providencia serviços educativos”, lê-se no mesmo artigo. Na única página de Facebook disponível da empresa, a última publicação data de 28 de janeiro de 2018 e, na parte da equipa, constam dois nomes: uma pessoa cujo perfil de Instagram (hugogyt_) já não está disponível e a de David GYT.
Ao navegar pelo site, vamos dar a outro perfil de Instagram, com o nome Global Youth Trading, mas, na biografia, somos direcionados para a página da Wevesting. Tem zero publicações e zero seguidores. Já a página da atual marca do empreendedor (a Wevesting), que aderiu ao Instagram a 25 de janeiro de 2018, conta com 125 mil seguidores. O nome de utilizador anterior dessa página de Instagram? Globalyouthtrading. Segundo se lê nos dados oficiais da página de Instagram, a troca aconteceu a 4 setembro de 2020. A primeira publicação disponível na página data precisamente de 5 de setembro desse ano, sendo que tinha aderido ao Instagram em janeiro de 2018. Já a Wevesting tornou-se marca registada a 21 de maio de 2020.
As queixas de ilegalidade nas comissões, as cópias de sinais de trading e a “falta de ética” no escritório
Então, qual a ligação de David Soares à Global Youth Trading? “David Soares nunca deteve qualquer participação nem fez parte de nenhuma sociedade comercial denominada Global Youth Trading. Na verdade, quando o David Soares ia registar essa mesma marca, já que a usava como mera designação comercial, verificou que a mesma já existia, estando registada em nome de terceiros, com o objetivo de extorsão de dinheiro, pelo que o mesmo não se quis interessar por tal marca, tendo criado a Wevesting”. Esta foi a resposta que o advogado André Pereira Branco, da Pereira Branco & Associados, deu ao Observador quando questionado sobre as ligações do youtuber à empresa. Certo é que a Wevesting, a marca que surge nas denúncias que têm sido feitas por vários utilizadores da internet — e que pertence à empresa Juventude Global Lda, da qual o youtuber é CEO — substituiu a Global Youth Trading, como confirma o advogado.
Na página de Instagram analisador_traders, que tem estado na primeira linha destas denúncias, a história não fica por aqui. Tudo terá começado em meados de 2016/2017. David Soares terá feito uma parceria com um trader chamado Ronin Fx, para copiar os seus ‘sinais’ [oportunidades de negociação nas quais se dá indicações de ponto de entrada e saída de determinados ativos] e colar num grupo de Telegram, com o nome Global Youth Trading. Mas o youtuber nega. Segundo André Pereira Branco, David Soares não copiou esses sinais e o tal Ronin Fx nunca fez parte dos quadros da empresa, “sendo um mero prestador de serviços”.
“[Ronin Fx] Mostrou ser pouco confiável, resolveu criar esse mito de partilha de posições, que nunca teve uma base real. Culminou com uma tentativa de extorsão que não foi bem sucedida”, afirma o advogado. O Observador tentou contactar o trader em questão, mas apenas conseguiu confirmar que o próprio “tentou expor” o youtuber português há um ano e que, hoje em dia, nada tem a ver com David Soares. Através do Telegram, depois de consultado o site do trader, foi possível estabelecer um primeiro contacto. Mas depois das primeiras declarações, Ronin Fx deixou de responder.
Mas as versões dividem-se. Fonte próxima do influencer português, que preferiu não ser identificada, defende a versão inicial: o youtuber terá copiado os sinais e ambos terão estabelecido uma parceria, através da qual David Soares pagava a Ronin Fx para usufruir de todo o conteúdo. Entretanto, os dois ter-se-ão chateado, porque o trader internacional estaria a ter todo o trabalho e o youtuber português estaria a ficar com os louros, o que ficou visível principalmente quando o artigo da Yahoo Finance saiu.
Apesar de ter mudado de nome para Wevesting, ainda existe um grupo de Telegram chamado Global Youth Trading. Foi criado a 21 de março de 2019 e ainda está ativo, conta com mais de 10 mil subscritores, e ao qual ainda é possível aceder. Uma das últimas publicações foi feita a 23 de setembro de 2020 a explicar que o grupo ia mudar de sítio: “O grupo de trading apenas mudou de localização”, tendo partido para um projeto mais ambicioso, “com mais posições do que nunca e maior taxa de acerto”, lia-se. Portanto, a Wevesting.
É na Wevesting que se centram as acusações mais graves. Neste momento, e segundo o site oficial, trabalham nesta empresa cinco pessoas (as quatro da imagem em baixo, mais um copy). A equipa chegou a ser maior mas foi encurtando devido a acusações gerais de “falta de ética”, por não haver preocupação de David Soares com os clientes — mas apenas e só com as comissões que iria receber, apurou o Observador. Ou seja, mesmo quando os analistas financeiros não aconselhavam a enviar ‘sinais de trading’ aos clientes, David terá insistido no envio. Todos tiveram de assinar um contrato de confidencialidade antes do início da Global Youth Trading e da Wevesting.
De acordo com a informação disponível no site da marca, a única pessoa ligada à análise de mercados financeiros — e com formação nesse sentido — é Hugo O’Neill, que “produz conteúdo pedagógico” para a mesma, segundo explicou o advogado de David Soares. E é a “pessoa com mais experiência do escritório em Lisboa”, como conta ao Observador fonte ligada à Wevesting, que não quis ser identificada. O Observador apurou que o analista é visto como uma pessoa competente e muito cautelosa, tendo feito parte de outro projeto semelhante com uma componente pedagógica na área dos mercados financeiros, a Trading Wizdum. Mas o sucesso não se fez chegar e o analista estará agora a fazer na Wevesting aquilo que queria: ter mais clientes e um maior alcance digital.
Curiosidade: assim que é feita uma pesquisa pelo nome Hugo O’Neill, tanto na internet como na CMVM (supervisora financeira onde constam os nomes das pessoas certificadas para atuar nos mercados financeiros como consultores), o Hugo O’Neill que aparece não é o mesmo que figura na página da Wevesting. Trata-se de um consultor de investimento português, de 82 anos, que é um dos que exerce a profissão há mais tempo no país. É o único Hugo O’Neill que está certificado na CMVM. Ou seja, o Hugo O’Neill que aparece como analista de mercado na página da Wevesting pode até ser a “pessoa com mais experiência do escritório em Lisboa”, mas não está certificado na CMVM para fazer consultoria financeira. Esse é o outro. Na verdade, o que faz é apenas “pedagogia” financeira.
A alegada comissão ilegal da BDSwiss recebida por David GYT para angariar clientes
Os serviços que esta marca vende são quatro: um curso da Forex (formato digital: 399 euros, formato físico: 499 euros); um plano WePro de subscrição mensal (29,90 euros com acesso a análises semanais, atualizações diárias ou um curso base de mercado cambial); acompanhamento online (40 euros por 30 minutos) e a partilha de posições “completamente gratuito”. A única coisa que é pedida a possíveis clientes para ter acesso a estas posições é um registo numa corretora (BD Swiss) e o tal depósito inicial com um valor mínimo de 350 euros na conta de trading. Isto acontece porque David Soares tem um contrato com a BD Swiss e, por isso, “a empresa nunca é paga pelo cliente, mas sim pela corretora, funcionando dessa forma para benefício de ambas as partes”, defende o advogado do youtuber. Quanto ao tipo de contrato, o advogado optou por não responder, por ser do foro privado.
Há, porém, um pormenor destacado pelas denúncias: alegadamente, David Soares receberá uma comissão desta corretora pela angariação de clientes, algo que não poderá fazer, porque deveria estar devidamente certificado na CMVM para isso.
Segundo fonte próxima do youtuber, a lógica seria esta: se um cliente depositava 350 euros, a Wevesting receberia entre 350 a 500 euros. Mais: por cada lot negociado [unidade que mede um montante transacionado], a empresa recebia cerca de oito dólares. Ou seja, com quatro mil clientes, eram gerados dois mil lots por mês, sendo que a Wevesting ganharia cerca de 16 mil dólares, valor que varia conforme o par de negociação, podendo oscilar. A mesma fonte alega que Davis Soares recebia essas comissões para angariação de clientes para a corretora.
Outra fonte ligada ao caso (que não quis ser identificada) e que foi ouvida pelo Observador também alega que David Soares terá omitido durante muito tempo o valor dessa comissão. E acrescenta que o influenciador teria ainda um colaborador para escrever os guiões sobre mercados financeiros, que depois o youtuber lia nas redes sociais. “O sucesso dele baseia-se em marketing, em persuadir pessoas. Todos os outros negócios falharam”, diz.
“A única forma legal de uma pessoa receber dinheiro de uma corretora é por publicidade”
Receber este tipo de comissões para angariação de clientes é legal? O Observador falou com vários especialistas da área dos mercados financeiros para responder a esta questão. Segundo Henrique Tomé, analista da XTB, sem se referir ao caso em concreto, “a única forma legal de uma pessoa receber dinheiro de uma corretora é por publicidade no site, através de um contrato de marketing”. Isto, claro, se não for um agente vinculado, que pode representar intermediários financeiros, prestar consultoria para investimento (entre outras funções) e para isso precisa de “possuir qualificação e aptidão profissional adequadas”, como se lê no site da CMVM.
Também é importante explicar alguns conceitos: um trader é alguém que negoceia ativamente no mercado financeiro através de flutuações que ocorrem diariamente. Leva tempo e experiência para estar apto a operar. Estas flutuações podem gerar retornos de quedas e subidas e, quanto maior a volatilidade, em teoria, maior será a probabilidade de surgirem oportunidades para gerar retorno. Há traders de retalho — onde David Soares se poderia possivelmente encaixar — que negoceiam de forma independente, e há traders institucionais, ligados a bancos ou fundos de investimento. “Nos últimos tempos, tem-se assistido a um aparecimento, em grande escala, de vários traders de retalho que vendem serviços financeiros como sinais”, afirma Henrique Tomé.
Para avaliar o desempenho dos traders, não basta estar certificado ou registado nas autoridades competentes. “Através do seu historial é possível verificar se efetivamente o trader apresenta bons resultados. Já os resultados passados não dão garantias futuras, mas o track record do profissional serve, pelo menos, para se ter uma noção do seu trabalho”. Mas, neste caso, é preciso reforçar o que diz o advogado do empreendedor: “O meu cliente não exerce tal atividade como modo de vida, é apenas um interessado em mercados financeiros”.
Curiosidade: segundo a aplicação myfxbook [usada pela maioria dos traders e que guarda o histórico de cada um], David Soares tem apenas registada uma semana de atividade. Normalmente, para se avaliar se um trader pode ou não ter um track record com bons resultados, ou seja, se é confiável, é necessário, no mínimo, ter um ano de histórico de atividade.
Agora as comissões que David Soares recebe. Pedro Lino, presidente do Conselho de Administração da DIF Broker e da Optimize IP SGOIC, afirma que pode estar em causa um conflito de interesses entre a atividade atual da empresa de David Soares e o contrato que tem com a corretora. “O pagamento de um serviço e a retrocessão de comissões está ligada a um potencial conflito de interesses que a empresa pode ter”. Ou seja, existem “outros incentivos que não o da formação pura e simples, cujas receitas podem ser bastante superiores ao valor da formação, como afiliado ou introducing broker da corretora”. Há ainda outro ponto: as empresas que prestam aconselhamento ou acompanhamento financeiro devem estar registadas na CMVM. E esse poderá ser um cenário onde se insere a Wevesting, ainda que, tal como expresso no site e pelo advogado de David Soares, a marca só atua na área pedagógica.
Depois, é importante olhar para o que diz a regulação europeia sobre estas comissões. “A diretiva dos Mercados Financeiros proíbe o recebimento destas comissões, devido aos conflitos de interesse. Em alguns casos poderia ser possível receber, mas em todos deve ser comunicado a cada cliente quanto é que a empresa recebeu relativamente aos seus trades”, diz Pedro Lino. Ora, ao que o Observador apurou, a comissão chegou mesmo a ser comunicada dentro da empresa, mas os valores só agora estarão a ser tornados públicos. Por isso, muitos clientes não estariam devidamente informados.
Como contornar o possível vazio legal através da “empresa mãe” de David Soares
É necessário olhar também para a Juventude Global Lda, ’empresa mãe’ de David Soares. O advogado de David Soares garante que na Wevesting, marca ligada à empresa, “não há ninguém a fazer consultoria na área da análise de mercados financeiros”. Já a primeira, onde se inclui esta marca registada, tem um CAE (66110), que possibilita a administração de mercados financeiros, segundo a Racius. E o conjunto de atividades que esta entidade pode exercer, são muitas (25): consultoria financeira, mediação e avaliação imobiliária, fornecimento de refeições para eventos ou agências de publicidade, entre outras. A Rádio Renascença, que também abordou o caso, conta que a Juventude Global Lda, entretanto, mudou de atividade para publicidade.
Nesse cenário, ao que o Observador apurou, a Juventude Global poderia realizar um contrato de marketing com a BDSwiss mas não para prestar os serviços agora denunciados nas redes sociais, que alegam que David Soares poderá estar a oferecer serviços de consultoria financeira, sem habilitações, ao mesmo tempo que angaria clientes para uma corretora. E a ser pago por isso.
Segundo o também economista Pedro Lino “estas atividades devem estar sujeitas à supervisão da CMVM e a registo prévio”. Vai até mais longe: “Não entendo como os conservadores autorizam a constituição de uma empresa sem licenças e com este objeto social, nem como a CMVM consegue ter uma supervisão sobre estas empresas. Temos empresas a atuar na área da consultoria para investimento sem supervisão”, refere. Para Pedro Lino é necessário então uma solução: reforçar os poderes da supervisora financeira para “proteger o mercado e os investidores”.
De facto, nenhum dos nomes referidos consta da lista oficial desta entidade. No entanto, o Observador sabe que no ano passado foi feita uma queixa contra a Global Youth Trading, marca anterior de David Soares. Até agora, a CMVM só deu nota de que a recebeu. Nada mais aconteceu.
Quanto ao supervisor financeiro, até este domingo também não tinha emitido qualquer alerta sobre a Juventude Global Lda ou sobre a Wevesting na área referente a entidades não autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal.
Além disso, a CMVM aconselha que, especialmente quando são “geradas expectativas de lucros rápidos e elevados”, o investidor deve consultar o site do supervisor financeiro e perceber os riscos envolvidos. Por outro lado, a CMVM diz que tem alertado para “um número relevante” de propostas apresentadas a investidores que não constituem propostas de investimentos em instrumentos financeiros sob a sua supervisão, mas com outro tipo de ativos: transações em mercados cambiais, moedas digitais ou fraudes.
Nestes casos, a CMVM não pode intervir nem sancionar. Se houver suspeita de fraude, os investidores devem comunicá-lo à CMVM e ao Ministério Público. “É fundamental que o fornecedor do serviço seja transparente quanto a todos os encargos em que o investidor incorre, independentemente da denominação usada ser comissão, taxa, spread [diferença entre o preço de compra e o preço de venda de um instrumento] ou outra”, afirma.
BDSwiss: a corretora que promete “altas comissões”
Faltará só olhar para a BDSwiss, a corretora que alegadamente pagará as comissões ao youtuber. Com sede no Chipre, tem escritórios em países diferentes, alguns com menores requisitos de supervisão em Anti-Money Laundering [lavagem de dinheiro] e onde as reclamações são difíceis de processar. Está licenciada pela CMVM e pode até atuar nos Estados Unidos da América. É por isso que, segundo Pedro Lino, as empresas acabam por domiciliar no Chipre, onde “a regulação não é tão forte”. Está devidamente autorizada e legalizada. Através de uma pesquisa na internet percebe-se que tem tantas críticas positivas como negativas.
Consultando as informações disponíveis no site, percebe-se que a empresa não paga dividendos nem em ações nem em ETF (“Exchange Traded Fund”, ou seja, um conjunto de ativos). O também economista destaca outro dado importante: “Eles são ou podem ser a contraparte dos clientes, o que significa que, quanto mais os clientes perderem, mais eles ganham. Como cerca de 78% das contas perde dinheiro na negociação através da sua plataforma, acaba por se traduzir num ganho”.
Esta perda pode ser partilhada, por exemplo, com quem apresenta o cliente. “Ou seja, o ganho não está visível e em alguns casos pode ser depositado noutras jurisdições, fugindo aos olhos da supervisão”, conclui. O Observador tentou contactar a corretora, mas sem sucesso. Segundo a CyberRecoveryGroup, entidade que oferece consultoria jurídica em casos como de fraude ou burla financeira, a BDSwiss “está regulada, habitualmente não incumpre, sendo uma boa companhia”, referem ao Observador.
No site da corretora são prometidas “altas comissões” para parceiros que trouxerem novos clientes — que, tendo em conta as denúncias públicas, poderá encaixar na atividade que David Soares tem tido nos últimos meses.
Há ainda outra informação importante que tanto é destacada na reportagem da Renascença como por Pedro Lino ao Observador: a alavancagem [montante de dinheiro que pedimos emprestado para investir] pode ir até 500% na unidade das Maurícias. Ou seja, por cada 500 euros, 499 são emprestados. Usemos um exemplo ainda maior: com mil euros é possível investir 500 mil. Com uma variação de apenas 0,2%, isso pode fazer com que o investidor perca todo o seu dinheiro. Situação essa demasiado arriscada e que levou a Autoridade de Supervisão dos Mercados Europeus a emitir uma norma para que a alavancagem não superasse as 30 vezes.
Acusações, ameaças, sonho do luxo e desprezo pelo cliente quando as perdas chegavam
No capítulo das denúncias contra David Soares, a palavra “transparência” é frequentemente referida. E para perceber se existe algum fundamento nestas acusações, o Observador procurou falar com utilizadores que têm feito comentários muito negativos ao youtuber nas redes sociais. Há, sobretudo, medo de represálias, depois de ter sido exposto um áudio na página analisador_traders, onde surgem ameaças alegadamente proferidas por David GYT e Numeiro.
O advogado do primeiro youtuber confirma a situação, mas nega qualquer tipo de ameaça. E, por isso, há quem acabe por nem sequer aceitar prestar declarações e quem, segundo o advogado de David Soares, dê informações falsas. Outros preferem manter o anonimato. Há até menores envolvidos, mas que entraram no negócio com a autorização dos pais.
Olhemos para um jovem de 19 anos, que conheceu todo este universo desde 2018 e opta por não revelar a sua identidade. Através das redes sociais, recebeu anúncios patrocinados de David GYT onde demonstrava “a sua vida luxuosa, justificando-a com os seus ganhos e demonstrando-se uma pessoa muito entendido em trading e Forex”, conta ao Observador. Sobre isto, é importante referir um vídeo, com a legenda “como fazer cinco milhões de euros com 350 euros”, entretanto apagado das redes sociais de David GYT, mas ao qual o Observador teve acesso. Neste vídeo, o youtuber promete ganhos 500% ao ano. Ao fim do primeiro ano, os ganhos seriam de 1.960 euros. Depois de cerca de 10 mil e por aí em diante. O tal aliciamento fácil denunciado por vários utilizadores.
O jovem ficou interessado, acabou por seguir a conta do youtuber no Instagram, onde ficou a conhecer através de stories e publicações a satisfação dos seus clientes. “As provas são supostamente todas falsas, não há provas de que são reviews verdadeiras”, conta ao Observador. Fonte próxima de David Soares garante, por outro lado, que correspondiam à verdade, mas que podiam ser usadas mais do que uma vez em períodos diferentes.
Depois, o cliente acabou por fazer o depósito mínimo de 350 euros na BDSwiss para entrar no grupo privado (mas gratuito) de David Soares. Esses passos foram dados com o irmão e com um amigo. Fez os primeiros investimentos e seguiu os sinais. A primeira noite “foi positiva”. Ou seja, pensou que, a partir dessa data, tudo iria melhorar. Mas não. “Passado um tempo, já não corria tudo bem. Maior parte dos sinais corriam mal, o dinheiro foi começando a descer”, afirma. Passado cerca de três meses, os 350 euros diminuíram para apenas nove. Não voltou a fazer novo depósito.
Quanto às conversas que manteve com o empreendedor, o jovem diz que mudaram completamente: no período inicial, David Soares demonstrou-se muito disponível, quando a situação piorou, chegou mesmo a não responder às mensagens. “Quando promovia, dizia que não precisávamos de perceber nada do assunto, era copiar, colar e lucrar tanto como ele ou como os supostos clientes”, afirma. No fim, já quando a conta estava com valores mínimos, o youtuber deu um último conselho: um novo depósito. Quanto às comissões recebidas por David Soares, o jovem alega que na altura não sabia o valor e nem sequer se questionou. As provas desta relação cliente/David GYT surgem só depois de uma primeira conversa com o Observador, como forma de comprovar o que estava a ser dito.
Neste caso, o valor perdido pode até não ser considerado elevado. Até porque nesta área, o risco inerente está sempre associado a potenciais perdas de dinheiro significativas — alerta que só agora consta da biografia da página de Instagram da Wevesting, tal como relatado por diferentes denunciantes. Tanto quanto foi possível apurar pelo Observador, há relatos de perdas que podem ter atingido 15 mil euros. Este último caso foi referido na sexta-feira pela Renascença.
Outro cliente, com 20 anos, que preferiu também manter o anonimato, confessa que na altura em que decidiu entrar, tudo fazia sentido. E, para quem “não tem literacia financeira, era fácil cair nestes esquemas” depois de dar conta da vida luxuosa do influencer nas redes sociais. Confessa que a experiência foi má, mas conseguiu não perder muito dinheiro porque não seguia os passos de David Soares a 100%.
Mas há mais casos de pessoas que decidiram até contrariar aquilo que era sugerido pelo empreendedor, fugindo assim a possíveis perdas. “Sinto-me enganado, porque o que vendia era totalmente mentira. Quem fez copy/paste dos sinais perdeu muito dinheiro”, conta. Outro jovem, de 23 anos, entrou com mil euros no grupo, que tinha, à data, cinco mil membros. Começou a seguir as trades ganhando dinheiro nos primeiros dois dias. Depois disso, “foi uma onda de perdas enorme”, confessa. Ou seja, quando ganhava 40 ou 50 euros, perdia quase o dobro.
Para remate, um exemplo teórico: se multiplicarmos os cinco mil membros do grupo de Telegram de David Soares pelo valor mínimo de depósito (350 euros), dá 1,75 milhões de euros em comissões. São valores muito altos que estão em jogo num mundo tão complexo, arriscado e volátil como é o dos mercados financeiros.
Mesmo depois de todas estas acusações, o Observador sabe que estão a ser reunidas várias denúncias, com ajuda de advogados, mas nenhum dos alegados lesados escutados vai, para já, apresentar queixa contra David Soares, por temerem represálias. E o próprio nega também ter conhecido de casos contra si.