O mundo não é, de todo, justo. Quando setores como a logística ou os transportes lutam para se tornarem visualmente atraentes do ponto de vista de comunicação, as empresas ligadas ao setor da beleza têm a vida ‘facilitada’ em todo este novo mundo que é o digital, o tecnológico, o das plataformas sociais. A beleza e o digital são uma combinação perfeita, diziam-nos em Paris vários responsáveis da L’Oréal, multinacional francesa que marcou presença no evento Viva Technology. Mas sobre isto falamos mais tarde.
Voltemos ao facto de a beleza ser uma categoria muito visual e socialmente partilhável, que prospera nas plataformas digitais. Aliás, ao que tudo indica é mesmo uma das categorias mais atraentes online. O digital é, e provavelmente continuará a ser, um ótimo impulsionador da beleza.
A L’Oréal tem tirado partido desta premissa. Hoje, a empresa tem mais de mil milhões de consumidores a visitarem os seus sites, gera um terço do tráfego global de beleza no YouTube e um quarto das ligações de beleza no Facebook.
A transformação digital da L’Oréal começou há quase 10 anos, pela mão do CEO Jean-Paul Agon que traçou um roadmap para que a empresa enfrentasse todo este novo mundo. No terreno, Lubomira Rochet, Chief Digital Officer da L’Oréal, fazia com que toda a estrutura, desde o marketing às operações, estivesse sustentada no digital. “Acreditamos que a beleza e a tecnologia, o digital, formam um par perfeito. E vemos isso até pela forma como os consumidores interagem com as nossas marcas, o que para nós é excelente porque nos permite criar comunidades. Aliás, o digital é um potenciador para a marca”, disse ao Observador Lab Borja Capella, Global Open Innovation Program Manager do grupo L’Oréal.
Digital fundamentada com inovação
A L’Oréal podia perfeitamente ficar-se por aqui, claramente visível num mundo cada vez mais digital. Mas não. A multinacional francesa, fundada em 1909 por Eugène Schueller, teima em alicerçar esta presença no digital com uma forte componente de inovação, o que justifica a sua presença no Viva Technology, que decorreu em maio em Paris, ao lado de empresas como a Google, a IBM, a Microsoft ou o Facebook.
Realidade aumentada, inteligência artificial e personalização foram os temas centrais deste salão parisiense que contou com a presença de 1.500 empresas. Temas que, de resto, assentaram uma como luva à L’Oréal que apresentou a sua visão da beleza do futuro. “O tema é beleza sem limites. Acreditamos que mostrando agilidade e criatividade sem limites, vamos conseguir demonstrar aos consumidores e à indústria como podemos inovar em tecnologias como realidade aumentada, inteligência artificial e personalização, de resto uma das grandes tendências no mundo da beleza”, explicou-nos Borja Capella.
As inovações em Paris
Entre as inovações projetadas no espaço que a companhia ostentava no salão – dividido por Criatividade, Tecnologia, Agilidade e Personalização sem limites -, o grupo francês fez o lançamento mundial do seu Virtual Hair Advisor, que permite aos utilizadores testarem várias cores de cabelo virtualmente, uma zona obviamente muito cobiçada entre os visitantes, já que podiam testar cores de cabelo e receber dicas de tratamento por comandos de voz. Esta foi uma das experiências mais imersivas e visíveis do espaço L’Oréal.
Outras das novidades foi o SkinConsultAI by Vichy, um diagnóstico digital de pele codesenvolvido com dermatologistas para detetar sinais de envelhecimento e oferecer aconselhamento personalizado sobre cuidados de pele. Criada em parceria com a ModiFace e a L’Oréal P&I, a empresa explicou-nos que esta tecnologia é baseada em 15 anos de pesquisa científica sobre o envelhecimento da pele e inteligência artificial.
Igual impacto teve a My Little Factory, um sistema que permite responder à crescente procura de consumidores de todo o mundo por produtos cosméticos personalizados.
Foi ainda possível conhecer a Effaclar Spotscan (da La Roche-Posay), uma aplicação para analisar a pele com tendência acneica. Baseada em inteligência artificial e dados científicos, este serviço oferece aconselhamento e recomendações personalizadas para tratar lesões acneicas, prevenir o seu agravamento e consultar um dermatologista em caso de necessidade.
Já o Shade Finder, da Lancôme, uma tecnologia avançada baseada em inteligência artificial, é capaz de recomendar um tom de base que corresponde às necessidades específicas do consumidor, diretamente no ponto de venda.
O espaço contemplava ainda uma zona imersiva de 360 graus, que permitia aos visitantes descobrir tendências de beleza de todo o mundo, detetadas nas redes sociais graças à inteligência artificial. No espaço Agilidade sem limites os visitantes puderam aprender sobre impressão 3D e personalização, descobrindo como são desenhadas as novas fragrâncias Lancôme e Viktor&Rolf ou experimentando a nova máquina de venda automática de batons Giorgio Armani, equipada com tecnologia virtual desenvolvida pela ModiFace para teste dos tons.
“A nossa presença tem vindo a aumentar na Viva Technology, cada vez mais pessoas nos visitam e esta é uma excelente oportunidade para estarmos próximos das startups e do ecossistema, além de mostrarmos a nossa própria inovação”, disse ao Observador Lab Camille Kroely, Global Head of Digital Services & Open Innovation do grupo L’Oréal. “A beleza e a tecnologia fazem um par perfeito, e isso permite-nos multiplicar as oportunidades e enriquecer a experiência do consumidor.”
As startups da Station F
Antes de rumar à Viva Tech, o Observador Lab teve ainda oportunidade de visitar a Station F. Inaugurado em junho de 2017 em Paris, é considerado o maior centro de startups do planeta. Tem qualquer coisa como 34 mil metros quadrados e reúne cerca de mil startups residentes de 26 países diferentes.
O espaço contempla cafés, restaurantes, bares e cozinhas, e cerca de 100 apartamentos que permitem alojar até 600 pessoas. E ao contrário da maioria dos hubs de startups, o Station F não é destinado apenas a soluções de tecnologia, fintechs e negócios. O ambiente também conta com ações de outros segmentos com o apoio de marcas como a L’Oréal. O complexo teve um custo de 250 milhões de euros, que foram investidos pelo bilionário francês Xavier Niel.
Camille Kroely explicou ao Observador Lab que a L’Oréal mantém ativo neste espaço um, digamos, programa acelerador que ajuda as startups a fazerem crescer o seu negócio. “Normalmente eles têm uma ideia, mas não sabem propriamente como torná-la em negócio, como levar essa ideia para o mercado, não têm expertise para o fazer. E é precisamente isso que nós lhes damos”. Ou seja, a L’Oréal fornece a estas empresas um mentor que os ajuda a identificar as suas necessidades, dando-lhes depois ferramentas para que possam ultrapassar os desafios. Os programas duram normalmente seis meses, mas podem ser prolongados até um ano. A realização regular de workshops e eventos é prática da casa da L’Oréal na Station F, tudo “para ter a certeza que eles ficam habilitados a conseguirem acelerar o seu negócio”.
Para termos ideia do tipo de startups que a L’Oréal apoia, podemos dar o exemplo da Sillages Paris Perfume. Basicamente, é uma plataforma na qual, através da resposta a uma série de questões, o perfume perfeito é criado. “Não estamos a falar em fazer perfumes que se assemelhem a determinadas marcas do mercado. Estamos a falar em encontrar o perfume ideal para a pessoa”, diz Maxime Garcia-Jamim, mentor do projeto. Depois de produzido o perfume – a empresa tem quatro perfumistas residentes -, o produto é enviado para casa do consumidor no frasco da quantidade escolhida e com uma pequena amostra. Se o consumidor gostar, fica com ele. Se não gostar, pode devolver, sendo devolvido o dinheiro.
Tudo sem limites, mas com inovação. Como a L’Oréal gosta.
Portugal e as inovações tecnológicas
Quando falamos de inovações e da forma como o mundo está a mudar, a pergunta que se impõe é apenas uma: e nós? O que é que vai chegar a Portugal? E a ideia de que somos muito tradicionalistas e pouco inovadores não se coloca na beleza. “Portugal é dos países que mais adere à inovação, independentemente da geração”, explica-nos Cátia Martins, CEO da L’Oréal Portugal, numa visita à Academia da L’Oréal, em Lisboa.
É evidente que os millennials são mais tecnológicos, mais ágeis a aprender a viver com o digital na ponta dos dedos. Mas é aqui que a L’Oréal tem tido estratégia ao criar serviços inovadores que estão a colocar o foco, não no produto, mas na experiência. Assim, as inovações estão a chegar aos dois tipos de público: o jovem que gosta de experimentar em casa e com uma app com os amigos, e o mais sénior que procura um serviço de excelência através dos profissionais de beleza. E são esses profissionais que estão a ligar estes consumidores à tecnologia através de diagnósticos mais profundos e uma beleza personalizada.
Lembra-se onde estava há 5 anos? Provavelmente não. Mas foi exatamente há 5 anos que a L’Oréal lançou a primeira inovação digital que colocou a tecnologia no radar da beleza. A premissa era simples: uma app de maquilhagem onde os consumidores podiam ver como ficavam com uma maquilhagem antes de a comprar. Hoje parece quase pré-histórica a altura em que não o podíamos fazer, tal é a forma como estamos habituados a viver com a tecnologia em quase todas as esferas da nossa vida.
O que podemos esperar em Portugal?
Em Paris, espreitámos todas as novas tecnologias que o grupo L’Oréal está a desenvolver através de inteligência artificial, realidade aumentada e até voz. E estas inovações vão chegar a Portugal com velocidades diferentes e um pouco por todas as áreas da beleza, mas com grande destaque nos cabelos e pele.
“Portugal é um país de cabelos por excelência. É o atributo mais valorizado pelas portuguesas e é por isto que os consumidores estão mais ávidos”, reforça Cátia Martins, justificando o foco do grupo em tecnologia que permita fazer diagnósticos capilares ou de cor, ou apps para a consumidora ver como fica com um corte. Mas há outro grande handicap que a L’Oréal procura combater: os portugueses não têm muita perceção com o seu tipo de pele ou que tipo de produtos devem usar. Gostamos de usar muitos cremes, mas, muitas vezes, não usamos os certos. A cereja no topo do bolo vai ser uma tecnologia que ajuda a perceber como é a nossa pele, qual o tipo de produto mais adequado e – o crème de la crème – que vai compará-la com uma média de pessoas da mesma idade (graças a uma compilação de mais de dez mil dados). Será que tenho mais papos que o normal para a minha idade? A pele menos hidratada? Mais firme? Mais rugas? Respostas que poderão ajudar-nos a perceber onde estamos a falhar, que cuidados precisamos reforçar e a ter uma atitude preventiva na saúde e beleza da nossa pele.