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Joe Berardo foi o protagonista da última Comissão Parlamentar de Inquérito aos atos de gestão e recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD), na passada sexta-feira. O “comendador” foi chamado pelos deputados porque é um dos maiores devedores do banco público. Entre 2006 e 2008, a Caixa emprestou a entidades “na esfera” de Joe Berardo — a Fundação Berardo e a empresa Metalgest — mais de 350 milhões de euros.
[“Não tenho nada, não devo nada”. O que disse Berardo]
Na altura, os créditos foram concedidos ao arrepio das habituais regras de prudência da Caixa na concessão de créditos, e mesmo com pareceres condicionados (ou negativos, no caso da reestruturação de um deles) da Direção de Risco. Estes créditos acabariam por entrar em incumprimento (ou seja, falta de pagamento). Pior: Berardo pediu dinheiro emprestado à Caixa para comprar ações do BCP (na altura envolto numa luta de poder entre acionistas, com Berardo de um dos lados) e deu como garantia as próprias ações, que viriam a desvalorizar muitíssimo devido à crise financeira. As perdas da Caixa viriam a obrigar o Estado português a recapitalizar o banco em 2016, com os contribuintes a serem chamados a pagar quase 4 mil milhões de euros.
Perante isto, o que disse Berardo na comissão? Disse que não tem dívidas, que não tem património (passível de ser executado), que foi o mais prejudicado com toda esta história. Mas, confrontado pelos deputados com a ideia de que a Caixa “está a custar uma pipa de massa” aos contribuintes, Joe Berardo respondeu: “A mim, não!”.
https://observador.pt/2019/05/13/arrancou-debate-quinzenal-gestao-de-fogos-e-o-tema-escolhido-por-antonio-costa/
O empresário madeirense foi autor não só destas, como de muitas mais frases polémicas. E foram estas ideias que geraram várias respostas públicas, do Presidente da República ao primeiro-ministro.
O que Joe Berardo disse…
“Eu, pessoalmente, não tenho dívidas”
É um preciosismo. Berardo refere-se ao facto de os empréstimos que contraiu junto da Caixa Geral de Depósitos, considerados dos mais ruinosos para o banco, estarem em nome de entidades como a Fundação Berardo, uma IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social), ou da empresa Metalgest — e não no seu nome. Daí o “pessoalmente”. Mas Berardo também diz que não é dono da famosa coleção de arte Berardo (avaliada em mais de 315 milhões de euros). Esta coleção, de facto, pertence à Associação Coleção Berardo. Mas quem manda na associação? “Sou eu”, respondeu Berardo.
“Só tenho uma garagem? Devolvam o que já dei”
A história da garagem de Berardo começa quando foi noticiada a existência de um parecer da Direção de Gestão de Risco da Caixa (a quem o comendador deve centenas de milhões de euros) que indica um cenário problemático para o banco: apenas foi detetada uma garagem no Funchal como “património direto do empresário”. Os três bancos que são credores de Berardo — Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco e BCP — iniciaram uma ação judicial conjunta para exigir 962,16 milhões de euros (Berardo deve-lhes 980 milhões). A estratégia jurídica a ser seguida pelos bancos deverá ser a de provar que Berardo é o último beneficiário das empresas “que estão na sua esfera”.
A audição de Joe Berardo em cinco momentos e uma “perseguição” já fora do Parlamento
“Deve falar é com as pessoas que autorizaram essas coisas. Acha que eu sou dono do banco?”
Nesta frase, Joe Berardo está a remeter para a entidade que lhe emprestou mais de 350 milhões de euros a responsabilidade por ele próprio não ter honrado esses créditos. O comendador pediu esse dinheiro emprestado para comprar ações do BCP, dando como garantia as próprias ações. A Caixa, disse Berardo, tinha um penhor sobre as ações com mandato para vender. Se tivesse usado essa prerrogativa e vendido quando as ações deixaram de cobrir valor dos empréstimos, “não teria registado perdas”. Ou seja, se a Caixa registou perdas, diz Berardo, é por culpa própria, não porque ele não pagou.
Berardo mudou estatutos da associação à revelia dos bancos “para defender” os seus “interesses”.
Esta declaração enquadra-se nos processos movidos pelos bancos credores de Berardo para recuperarem parte do dinheiro que este lhes deve. Berardo deu como penhor do cumprimento do empréstimo os títulos que tem da Associação Coleção Berardo, a dona da sua coleção de arte (mais de 800 quadros, avaliados em pelo menos 316 milhões de euros). Os bancos assumiram que ao deter a maioria dos títulos da Associação poderia vir a controlar a mesma — logo, as obras de arte, que é onde está o valor.
O que Berardo fez, e deixou isso claro na audição de sexta-feira, foram aumentos de capital da associação, alterações de estatutos e a realização de assembleias-gerais sem convidar os representantes dos bancos credores. Tudo para bloquear a capacidade de ação dos bancos. Na prática, esvaziou ou tornou inútil o penhor que lhes tinha dado. Coisa que diz ter conseguido, até porque salienta que ele “é que manda na coleção” e que os bancos não têm hipótese de vir a controlá-la. A complicar ainda mais as coisas, a Associação Coleção Berardo é uma das entidades que está na origem da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, onde estão expostas muitas das obras. As outras são o próprio Berardo, o Centro Cultural de Belém e o Estado, que também é o acionista principal da Caixa.
A Caixa está a custar uma pipa de massa? “A mim não”.
Uma das frases mais marcantes da audição, porque nos últimos anos os contribuintes portugueses foram chamados a contribuir para a recapitalização da Caixa, num montante superior a 4 mil milhões de euros. É a este valor que o deputado do PSD Duarte Marques chama “uma pipa de massa”. A resposta de Joe Berardo chocou os deputados, porque o empresário madeirense está, assim, a colocar-se à margem desse esforço.
… E o que disseram dele
Marcelo Rebelo de Sousa: “É preciso ser respeitoso”
Depois de dez dias remetido ao silêncio por causa da crise política, o Presidente da República falou esta segunda-feira para comentar a discussão sobre o diploma dos professores. E não deixou escapar a audição de Joe Berardo na comissão de inquérito, afirmando que “as personalidades condecoradas por vários presidentes” têm “responsabilidades acrescidas perante a comunidade”, referindo-se ao facto de o empresário ter sido várias vezes condecorado por Belém. “É assim com todos os portugueses, mas sobretudo com quem tem destaque na sociedade. Quanto maior o relevo, maior a responsabilidade. É preciso ser respeitoso. E isso significa tratar as instituições com decoro”, declarou Marcelo.
Em declarações aos jornalistas, o Presidente — que, enquanto comentador televisivo, em 2007, elegeu Joe Berardo como personalidade do ano na economia nacional, pelo papel decisivo que tinha tido na definição do futuro do BCP — afirmou ainda: “Isto aplica-se a todos os portugueses, mas aplica-se a personalidades que foram condecoradas por mais do que um presidente nos anos 80 e depois no começo do século e que tiveram um relevo indiscutível em momentos importantes de decisão no quadro do sistema económico e financeiro português. Quem tem posições de maior relevo, tem também maior responsabilidade”.
Marcelo Rebelo de Sousa falou ainda na responsabilidade que uma figura como Joe Berardo deve ter. “Todos temos uma responsabilidade dupla: uma perante a comunidade e outra perante as instituições. Mas a responsabilidade é maior quanto maior for o relevo de quem desempenhou ou desempenha posições de destaque na via portuguesa. Porque todos o outros olham para essas pessoas com uma maior atenção e exigência de responsabilidade”.
António Costa: “O país está todo chocado”
O “país está todo chocado com o desplante com que Joe Berardo veio aqui” ao Parlamento. Foi desta forma que o primeiro-ministro, António Costa, respondeu à líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, que introduziu o tema no debate quinzenal desta segunda-feira. Na sua intervenção, Costa considera que “não faz sentido que a Caixa Geral de Depósitos perdoe créditos”, e garantiu que o “Estado não abdicou de qualquer opção de compra” relativamente à coleção do Centro Cultural de Belém.
O primeiro-ministro assegurou que o preço da coleção não é determinado unilateralmente e que há “critérios objetivos” para definir o preço dessa opção, ao mesmo tempo que declarou que o mesmo tem de ser negociado pelas partes — comprador e vendedor.
Catarina Martins: “Manobras e trafulhice”
Foi pela voz da coordenadora do Bloco de Esquerda que o caso de Joe Berardo e a sua prestação na Comissão de Inquérito Parlamentar à Caixa surgiu esta segunda-feira no debate quinzenal. “Há uns anos, os partidos riam-se do que dizíamos”, destacou Catarina Martins, acrescentando que, “agora que Joe Berardo veio ao Parlamento rir-se dos portugueses, todos ficaram sem vontade de rir”.
A líder bloquista acusou Joe Berardo de levar a cabo “manobras, trafulhice e prejuízo para o Estado”, garantindo ainda que não confunde “o polícia com o ladrão”. No Parlamento, Catarina Martins questionou o Governo por ter renovado contrato com o empresário, quando em 2016 este já era alvo de penhora. Aqui, Catarina Martins acusou António Costa de ter perdido poder na definição do preço”.
Marques Mendes: “Esteve a gozar com o pagode”
No seu espaço de comentário habitual, aos domingos na SIC, Luís Marques Mendes lançou duras críticas a Joe Berardo e ao seu depoimento na Comissão de Inquérito Parlamentar à CGD. “Este homem esteve no Parlamento manifestamente a gozar com o pagode”, atirou o comentador político, que acusa o empresário de não ter “o mínimo respeito pelos portugueses” que financiaram os bancos com os seus impostos “por causa dos prejuízos que este homem e outros causaram ao sistema financeiro”.
O antigo líder do PSD foi mais longe e declarou mesmo que Berardo “não tem um pingo de vergonha”. “Depois de tudo o que se passou, dizer que pessoalmente não deve nada e que ainda anda a ajudar os bancos só pode suceder com quem tem uma ‘lata’ monumental e um descaramento do tamanho do mundo”, afirmou Marques Mendes.
Diretor de Grandes Empresas da CGD. “Berardo não teve tratamento privilegiado”
Nuno Melo: “Como é que se reestruturou a dívida?”
Joe Berardo esteve também presente no discurso de Nuno Melo deste sábado, no jantar de arranque da campanha para as europeias, com o eurodeputado centrista a dizer que a audição do comendador foi lamentável. Nuno Melo acusou o PS de “absoluta delinquência bancária” e, para o fazer, deu o exemplo da dívida do empresário à Caixa. “Eu gostava que alguém me explicasse neste país como é que se reestruturou a dívida do senhor Joe Berardo contra os pareceres de risco do próprio banco público”, pediu o cabeça de lista do CDS-PP.
Cecília Meireles: “Na origem dos problemas da banca e dos bancos lá encontramos a herança do ex-primeiro-ministro José Sócrates”
No mesmo jantar que o candidato centrista, estava Cecília Meireles, uma das deputadas que interrogou Berardo, e que classificou as afirmações como “uma desfaçatez completa” e “um desrespeito pelos portugueses”. Mas depressa a deputada voltou a mira para o Governo PS, tanto para o mandato de António Costa, como para o mandato de José Sócrates.
Cecília Meireles, à semelhança do que Nuno Melo tinha feito no seu discurso, atribuiu ao antigo primeiro-ministro, José Sócrates, a culpa pela “bancarrota do país” em 2011 — numa altura em que António Costa também fazia parte do executivo. “Na origem dos problemas da banca e dos bancos lá encontramos a herança do ex-primeiro-ministro José Sócrates”, afirmou, acrescentando que os “créditos mais problemáticos” para a Caixa foram feitos nos anos em que o Governo era chefiado por Sócrates. Se a coleção Berardo está hoje exposta no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, deve-se a “um protocolo com o Estado”, assinado nos tempos de Governo do PS. “Lá encontramos José Sócrates”, afirmou.
De Sócrates a Costa, Cecília Meireles continuou nas críticas ao Governo porque uma das missões da geringonça seria resolver “os problemas da banca” e “pôr muito dinheiro dos impostos de todos” nos bancos. Mas já no mandato de António Costa, em 2016, o protocolo com Berardo foi renovado, quando já se encontrava em incumprimento.
Paulo Rangel: “Nós não queremos mais ‘Berardos’ em Portugal”
Paulo Rangel, cabeça de lista do PSD às europeias, também culpou o Governo PS passado — do tempo de José Sócrates — que queria controlar a banca. “É que Berardo não caiu do céu, Joe Berardo não é uma invenção de si próprio. É uma invenção de uma conjuntura político-económica em que havia um governo que queria controlar a banca e o usou a ele”, disse Paulo Rangel num comício em Santa Maria da Feira (Aveiro).
“Agora dizem que é um produto tóxico, mas quando foi instrumental para tomar conta do BCP, o produto não era tóxico. Estava muito bem e nessa altura estavam ministros que ainda hoje estão no Governo de António Costa”, acusou o candidato social-democrata. Mas para Paulo Rangel uma coisa é clara: “Nós não queremos mais ‘Berardos’ em Portugal”.
Jerónimo de Sousa: “Camaradas, veja-se esse escândalo do Berardo e da sua desfaçatez, que mais não é do que a ponta do icebergue”
A promiscuidade entre poder político e poder económico foram apontados, por Jerónimo de Sousa, como a raiz do problema de corrupção e perda de milhões de euros do erário público. “Camaradas, veja-se esse escândalo do Berardo e da sua desfaçatez, que mais não é do que a ponta do icebergue que esconde esse problema maior que mina a sociedade portuguesa e tem origem na promiscuidade entre poder político e poder económico, com o que significa de lastro para a corrupção e justificação para drenar milhares de milhões para a banca e seus negócios obscuros”, disse Jerónimo de Sousa.
No discurso perante uma plateia de mulheres num jantar de campanha eleitoral europeia, o secretário-geral do PCP, apelou a que em nome da transparência se analise esta situação. “Ouvimos muito falar em transparência. Andam aí a duvidar dos políticos e dos partidos. Se esses senhores da transparência estão tão empenhados, procurem aprofundar estes mecanismos, este negócio de milhares de milhões que são roubados ao nosso país e a outros, e travar esta corrupção e confusão entre poder político e poder económico. Querem transparência, combate à fraude e evasão fiscais, então vão lá ao sítio saber como isso se contraria, como se vence”, afirmou.
Marinho e Pinto: A polémica com Joe Berardo “não pode morrer solteira”
O cabeça de lista do Partido Democrático Republicano (PDR) defendeu que, na polémica em torno do empresário Joe Berardo, “a culpa não pode morrer solteira”. Numa arruada esta terça-feira na rua de Santa Catarina, no Porto, Marinho e Pinto juntou-se ao coro de críticas sobre a postura adotada pelo empresário na comissão parlamentar em que foi ouvido pelos deputados no Parlamento.
“Talvez algumas pessoas compreendam agora que a degradação deste país reside, também, na degradação das elites, na facilidade com que se conseguem empréstimos de centenas de milhões de euros de um banco público”, declarou Marinho e Pinto.
Porém, o cabeça de lista do PDR às eleições Europeias considera que “Joe Berardo é apenas a pontinha de um imenso ‘iceberg’ de milhares de milhões de euros que foram malbaratados, mas pior negociados”, porque o que aconteceu na maioria dos bancos foram “assaltos por dentro” feitos “pelas próprias administrações”.
Ricardo Araújo Pereira: “Se queres ajudar um homem não lhe dês o peixe; fica-lhe a dever mil milhões de euros”
As declarações de Joe Berardo também mereceram comentário humorístico. No programa da TVI deste domingo, Gente Que Não Sabe Estar, Ricardo Araújo Pereira começou por comentar a notícia de que um urso-pardo que se acreditava estar extinto foi avistado em Portugal para falar sobre a audição de Berardo no Parlamento. “Já não se via um urso há muito tempo, na quinta-feira, olha que giro, um urso em Portugal. Na sexta-feira, Joe Berardo foi ao Parlamento e afinal descobriu-se que há dez milhões de ursos”.
“Este é o homem que está a dever quase mil milhões de euros aos bancos. Quer ajudar, mas não dando dinheiro. É como aqueles pais, que dizem: ‘Quero que os meus filhos aprendam a ganhar a vida, conta comigo para tudo, menos para o dinheiro. Tens de começar de baixo — e, com o buraco que eu te vou escavar, vais começar mesmo de lá de baixo.’ É o que o Berardo está a dizer aos bancos… É como aquele velho ditado: se queres ajudar um homem não lhe dês o peixe; fica-lhe a dever mil milhões de euros”, brincou ainda o humorista.
As declarações do empresário não escaparam ao olhar crítico e humorístico de Ricardo Araújo Pereira também no programa da TVI e TSF, Governo Sombra, onde o humorista associou Berardo à dislexia. “Acho que a dislexia é capaz de explicar isto. Em princípio, Joe Berardo pediu 10 euros emprestados, e como é disléxico, acrescentou mais oito zeros, e agora deve mil milhões. Acontece. Quem nunca?”
Atualizado às 17h15
(Com Agência Lusa)