Índice
Índice
Entre 8 e 15 de março, Natalia Yavorska, nome fictício, não viu a luz do dia, protegida na cave da casa onde morava, numa aldeia de 2 mil habitantes nos arredores de Mariupol. Só quando os soldados russos chegaram e lhe ordenaram que saísse, é que descobriu que não sobrava pedra sobre pedra na povoação — primeiro foi encaminhada, juntamente com a avó, a mãe, o irmão, a tia, os primos e outros vizinhos, para o edifício da escola, que também tinha sido bombardeado, a seguir mandaram-na entrar num autocarro, com um grupo de cerca de 90 outras pessoas.
“Foi uma evacuação forçada: nenhum de nós queria deixar a Ucrânia”, garantiu ao site ucraniano Grati. “Se tivéssemos tido escolha, teríamos ficado, ou teríamos ido para outro local na Ucrânia. Alguns disseram que queriam ficar, mas os russos disseram que não podíamos, num tom que não deixava espaço para discussões.”
Os relatos semelhantes ao de Natalia e as acusações por parte do governo ucraniano não são de agora. Recentemente, Lyudmila Denisova, a provedora dos Direitos Humanos da Ucrânia, disse numa entrevista que, seis dias antes de a guerra começar, o país alertou a comunidade internacional para a deportação de pelo menos 90 mil pessoas dos chamados “territórios temporariamente ocupados da Ucrânia” para a Rússia: “Apelámos a todos, inclusivamente às organizações internacionais de direitos humanos, e à ONU, mas ninguém deu atenção a isso”.
Esta quarta-feira, também à ONU, numa reunião do Conselho de Segurança, Serhiy Kyslytsia, o representante Permanente da Ucrânia nas Nações Unidas, já tinha avançado números consideravelmente maiores: desde o início da ofensiva ordenada por Vladimir Putin naquele país, já terão sido levados à força para o território da Federação Russa 500 mil cidadãos ucranianos, 121 mil deles crianças.
Perante o Parlamento português, 24 horas depois, Volodymyr Zelensky repetiu a soma: meio milhão de ucranianos foram “raptados e deportados para campos remotos na Rússia” e grande parte dos que não foram tiveram de abandonar a Ucrânia. “Milhões de pessoas tiveram de fugir. É como se Portugal inteiro tivesse de deixar o país”, disse o presidente ucraniano para dar uma ideia da ordem de grandeza.
Diz Zelensky e dizem as demais autoridades de Kiev, uma vez em território russo — e depois de passarem pelos chamados campos de filtragem improvisados entretanto no país —, muitos destes cidadãos ucranianos estarão a ser levados para regiões remotas da Rússia e da Sibéria, sobretudo para a inóspita ilha de Sakhalin, mas também para “cidades russas empobrecidas”, como “Samara, Kursk, Tula e Cheboksary”. Uma vez lá, ser-lhes-á oferecido trabalho e até serão deixados livremente — se bem que mediante a condição de, durante dois anos, não poderem abandonar o país.
Por muito que o Kremlin continue a garantir que é tudo “mentira” — o que a Rússia está a fazer é a resgatar pessoas e a levá-las para fora de “regiões perigosas da Ucrânia e das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk”, já garantiu o porta-voz Dmitry Peskov mais do que uma vez —, começam a emergir os relatos de quem passou pelos referidos campos de filtragem (a expressão é utilizada pelos próprios soldados russos, assegura quem lá esteve), e conseguiu sair da Rússia e chegar a porto seguro para contar a história.
Volodymyr Khropun e Yulia Ivannikova-Katsemon, Voluntários da Cruz Vermelha Ucraniana em Dymer, cerca de 50 quilómetros a norte de Kiev, foram capturados e levados à força, de cabeça tapada e fita adesiva em torno da boca, para uma fábrica bombardeada, de onde acabaram por seguir num veículo militar russo algures para a Sibéria, onde ficaram durante três semanas.
Depois de quase um mês a viver “o inferno na terra” da ocupação russa, Ihor, natural de uma aldeia no oblast de Kharkiv, entrou pelo próprio pé, com outros 60 conterrâneos, no autocarro que os levou primeiro para Belgorod, 40 quilómetros para lá dos limites da Ucrânia, e depois para um campo de filtragem, que não consegue situar no mapa. Uma espécie de ponto intermédio da viagem, como veremos, onde os ucranianos levados à força estarão a ser fotografados, registados e interrogados, antes de seguirem até ao destino que lhes for atribuído.
Como estabeleceu na semana passada em relatório a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que diz ter recebido denúncias “numerosas” e “consistentes” sobre estas deportações forçadas, tanto por parte das autoridades ucranianas como de organizações não governamentais internacionais, nestes casos “coação” não é apenas ter uma arma apontada à cabeça, é também “criar um ambiente em que o civis não tenham outra escolha senão partir para a Rússia”.
“Fomos confrontados com um facto — vocês vão para a Rússia. Ninguém nos perguntou sequer se queríamos ir ou não”
Apenas uma hora depois de a Rússia iniciar a ofensiva contra a Ucrânia, a 24 de fevereiro, a luz faltou na aldeia de Ihor, no oblast de Kharkiv — para nunca mais voltar. Nesse mesmo dia, as lojas e as quintas da região abriram para oferecer à população os alimentos que, sem eletricidade, não iam conseguir armazenar (e evitar roubos e pilhagens).
A partir daí, a conta passou a ser de subtrair, de forma particularmente violenta quando as forças russas ocuparam a aldeia e exigiram aos locais que lhes entregassem o que tinham para comer: quando um vizinho se recusou e lhes ordenou que saíssem da sua propriedade, detalhou Ihor ao Kyiv Independent, “foi morto imediatamente”.
Durante um mês, os habitantes da aldeia viveram escondidos nas suas casas, sem eletricidade, aquecimento, rede móvel, internet, medicamentos ou comida.
Quando a situação se tornou insustentável — isto já depois de os soldados russos terem varrido a aldeia com listas de veteranos na mão, à procura de todos os que tinham combatido contra a Rússia no Donbass —, foram informados de que 70% da Ucrânia já estava nas mãos de Putin. “Os soldados espalharam o boato de que Kharkiv se tinha rendido e que Kiev estava prestes a ser tomada também”, recordou Ihor, que diz que só não acreditou na história porque, entretanto, encontrou um rádio antigo e conseguiu ouvir notícias sobre o que se estava a passar no país.
Como grande parte da população, também ele pensou fugir da aldeia, mas as minas que os russos tinham espalhado em seu redor funcionaram como dissuasor. “Não paravam de nos dizer ‘Vão para a Rússia. Vocês têm de ir para a Rússia’”, contou. No dia 17 de março, depois de uma noite de bombardeamentos particularmente intensos, seis dezenas de pessoas da aldeia entraram, por fim, num autocarro com destino ao país invasor, Ihor incluído. “Fomos confrontados com um facto — vocês vão para a Rússia. Ninguém nos perguntou sequer se queríamos ir ou não”, explicou ao jornal ucraniano.
A OSCE não tem dúvidas: em causa estará sempre um crime de guerra e uma violação da Convenção de Genebra, que determina que “as transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado para o da potência ocupante ou para o de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, qualquer que seja o motivo”.
A única exceção, pode ler-se no relatório publicado a 12 de abril, diz respeito a deslocações de civis por motivos de segurança — justamente o que a Rússia alega. “A potência ocupante pode evacuar áreas para a segurança da população ou por razões militares imperativas”, cita a OCDE, para depois assinalar mais uma exceção, que o argumento do Kremlin já não colherá: “A evacuação fora dos limites do território ocupado só é admissível quando é materialmente impossível evitar tal deslocação”.
Outra situação que é igual e terminantemente proibida em tempo de guerra é a adoção de crianças, mas, acusam também as autoridades ucranianas, a Rússia estará a preparar-se para fazer alterações à lei que agilizem esses processos — e integrem em famílias russas parte considerável das 121 mil crianças deslocadas à força do país.
Alertou em entrevista Darya Herasymchuk, conselheira do Presidente Volodymyr Zelensky para os Direitos das Crianças e Reabilitação Infantil, o Kremlin estará a preparar um “procedimento simplificado” para acelerar estas adoções, aliás à imagem do que quase aconteceu há oito anos, aquando da anexação da Crimeia. “Já tivemos uma experiência idêntica em 2014, quando a Rússia criou uma espécie de comboio de esperança, que reuniu todos os que estavam dispostos a adotar crianças e os levou para Sevastopol e Simferopol, mas, nessa altura, ainda tínhamos relações diplomáticas com a Federação Russa, pelo que reagimos e impedimos esta situação através das relações diplomáticas. Agora, a Ucrânia não tem relações diplomáticas com a Federação Russa.”
Interrogatórios, fotografias, registos de impressões digitais e telemóveis copiados: assim são os cidadãos ucranianos “filtrados” pelos soldados russos
Dos arredores da cidade sitiada de Mariupol, o grupo de Natalia Yavorska e da família saiu de autocarro em direção a Donetsk e foi entretanto transferido para veículos militares russos. Depois de uma noite passada no edifício de outra escola, numa outra aldeia na região, foram levados finalmente para Novoazovsk, ainda na Ucrânia, para aquilo que lhes disseram ser um campo de filtragem. Durante toda a viagem, contou Natalia Yavorska, tradutora e editora, ao site de notícias ucraniano Grati, foram tratados como “criminosos ou condenados a caminho da prisão”, sem direito a saber sequer para onde estavam a ser levados. Sempre que perguntavam, a resposta dos soldados russos era invariável: “Vamos para um sítio quente”. “Eles esperavam que estivéssemos gratos por termos sido libertados das nossas casas.”
O que é, afinal, um “campo de filtragem”? De acordo com esta ucraniana, cujo relato foi corroborado e validado por voluntários na cidade russa de Taganrog, para onde haveria de ser levada a seguir, é uma espécie de “ponto de transferência”, um amontoado de pessoas, tendas, veículos militares, equipamento de guerra e inúmeros soldados — no caso de Novoazovsk, para onde foi levada, não apenas russos mas também chechenos, denunciaram as imagens de Ramzan Kadirov que adornavam grande parte dos carros.
Apesar de não ter sido fisicamente maltratada, as recordações que tem do campo, ainda na Ucrânia, no oblast de Donetsk, são perturbadoras: “Quando lança-rockets russos montados em camiões passam por ti, é assustador. Ao mesmo tempo, todos tentam fingir que é tudo normal: há o Ministério Russo das Emergências e Alívio de Catástrofes, autocarros, tendas, medicamentos e até te medem a tensão arterial. Os chechenos deram-nos uns pedaços de salsicha. Foi uma loucura”.
Ao todo, dentro do campo, em processo de filtragem, Natalia Yavorska terá estado entre cinco e seis horas, na grande tenda onde uma série de soldados russos fotografavam, documentavam e interrogavam os cidadãos ucranianos que lhes iam chegando.
“Primeiro fotografam-te de todos os lados, aparentemente para os sistemas de reconhecimento facial que estão agora a ser implantados na Federação Russa. Depois tiram-te as impressões digitais e digitalizam-te as palmas das mãos. Depois interrogam-te antes de decidirem libertar-te ou não.”
A parte do interrogatório, garante a editora e tradutora, não foi necessariamente violenta, só intimidante. No final, teve de entregar o telemóvel, que os soldados mantiveram ligado a um computador durante cerca de 20 minutos: “Vi-os a fazer o download da minha lista de contactos, mas não sei o que mais estavam a fazer. Podem ter copiado a informação do IMEI para identificar o meu telefone”.
Pouco depois disso, revelou ainda, a ironia (ou o descuido do exército invasor) fez com que conseguisse, pela primeira vez desde o início da guerra, aceder à internet, e descobriu que Mariupol estava cercada e que o centro tinha sido violentamente atacado pelos russos. “Eles bombardearam as torres de comunicação e cortaram todos os sinais, mas deixaram a palavra-chave do wi-fi como 12345678. Tudo o que fizemos foi tentar algumas palavras-passe diferentes e, bam, tínhamos internet.”
Horas depois, quando o autocarro voltou a partir, saíram finalmente da Ucrânia e, depois de uma noite de viagem, pararam em solo russo, onde os interrogatórios se repetiram, mas dessa feita por agentes do FSB, o Serviço Federal de Segurança, agência que substituiu a agência que ocupou o lugar do KGB, e já depois de os recém-chegados serem submetidos a uma revista física. “Estava assustada — ele não parava de perguntar-me se eu sabia das movimentações das tropas ucranianas, o que sabia sobre os soldados ucranianos e por aí em diante. Fazia uma pergunta, dizia uma piada qualquer, e depois fazia a mesma pergunta para ver se eu estava a mentir ou não.”
Terão achado que não, que estava a falar a verdade, mas, ainda assim, quando pediu que a deixassem ir embora com a família, Natalia Yavorska ouviu mais um “nyet” e voltou a ser forçada a entrar num autocarro, dessa vez para Taganrog, no nordeste do Mar de Azov e a pouco mais de uma centena de quilómetros do ponto de partida, Mariupol. De lá, disseram-lhe, iam ter de apanhar um comboio para Vladimir, a quase 1.200 quilómetros de distância e a duas horas de Moscovo.
Acabaram por nunca lá chegar: em Taganrog, Natalia, a avó, a mãe, o irmão, a tia e os primos conseguiram autorização para abandonar o grupo — explicaram que tinham um familiar com quem ficar em Rostov, cidade 70 quilómetros ao lado, e foi-lhes permitido seguir viagem.
Uma vez em casa da avó da tia, russa, a editora e tradutora pôde respirar finalmente de alívio, mas ganhou uma consciência que não tinha antes: diz que a maior parte das pessoas com quem se cruzou no país “sofreu uma lavagem cerebral pela propaganda russa” e que já não está tão certa da inocência de uma população à mercê de Vladimir Putin.
“Quando estávamos no comboio de Rostov para Moscovo, foi uma sensação muito estranha ouvir toda a gente a falar de Mariupol. As pessoas diziam que, em Mariupol, estavam a ser desenvolvidas armas biológicas para destruir os sistemas reprodutivos das mulheres russas. Parecia uma espécie de sonho coletivo. Antes da guerra, eu acreditava mesmo que os russos não eram como Putin. Tinha a certeza de que ninguém queria uma guerra com a Ucrânia. Agora acho que até as pessoas sensatas da sociedade russa são parte disto e têm uma quota parte de responsabilidade.”
Uns são autorizados a sair, outros não podem abandonar a Rússia durante dois anos
Como Natalia Yavorska, também Ihor, que contou ao Kyiv Independent como foi deportado à força para a cidade russa de Belgorod, pôde sair livremente do campo de filtragem onde foi processado e interrogado.
Quando chegou o momento, tal como fizeram os restantes habitantes da sua aldeia, no oblast de Kharkiv, Ihor disse que tinha familiares com quem ficar na Rússia. Sem verificarem sequer a informação, os soldados deixaram-nos a todos na estação de comboios mais próxima. “Na Rússia, se és contra Putin, és contra a Rússia”, disse Ihor ao jornal ucraniano, já na Polónia, para onde conseguiu finalmente fugir, através da Bielorrússia. “Não é um país, é uma prisão”.
Os casos que as autoridades ucranianas têm denunciado estão mais em consonância com essa ideia de prisão do que com a experiência pessoal de Ihor: esta segunda-feira, Petro Andryushchenko, conselheiro do presidente da câmara de Mariupol, fez uma publicação no Telegram a revelar que serão 20 mil as pessoas impedidas de sair de campos de filtragem, no “eixo Mangush-Nikolske-Yalta”, na Ucrânia e na Rússia.
Para além disso, quando finalmente recebem luz verde para sair — já tinham revelado no final de março os serviços de informação do Ministério da Defesa de Kiev —, muitos cidadãos ucranianos continuarão privados da sua liberdade e a ser levados para zonas remotas da Rússia, onde lhes serão “’oferecidos’ empregos oficiais através dos centros de emprego” — de que não se poderão propriamente demitir. “Essas pessoas que concordam recebem documentos que as proíbem de sair das regiões russas durante dois anos”, alertou o ministério na mesma nota.
Mais ou menos na mesma altura, o Rossiyskaya Gazeta, jornal publicado pelo Kremlin, justificou aquilo a que chamou o “minucioso controlo de segurança” levado a cabo nos campos de filtragem com a necessidade de evitar que “nacionalistas ucranianos se infiltrem na Rússia disfarçados de refugiados, a fim de escapar e evitar castigos”.
A uma distância segura, já fora das fronteiras russas, Natalia Yavorska tem mantido contacto com os amigos que deixou para trás e que terão sido entretanto levados de campos de filtragem para campos de refugiados em Vladimir. Diz que estão alimentados, que alguns receberam um subsídio único de 115 euros e que até lhes foram atribuídos cartões SIM com números russos, para poderem contactar com as famílias, mas que querem sair e não cumprir o pretenso plano que lhes apresentaram e ir trabalhar como caixas de supermercado. Problema: só as mulheres e crianças a quem, na filtragem, foi atribuído asilo temporário podem sair, as que ficaram com estatuto de refugiado não. No caso dos homens, diz, é ainda mais complicado: “Os homens ucranianos não podem ser autorizados a deixar a Federação Russa”.
Sakhalin, a ilha a mais de 10 mil quilómetros de Kiev onde a terra treme e raramente descongela
Desde o tempo dos czares, é um destino recorrente sempre que o país de que se fala é a Rússia e o objetivo é punir e desterrar alguém — Sibéria. Depois de serem detidos em Dymer, onde estavam a trabalhar como voluntários da Cruz Vermelha Ucraniana, e de terem passado uma semana presos, com outros 40 civis ucranianos, no chão de cimento frio de uma fábrica, foi para lá que os soldados russos disseram a Volodymyr Khropun, 44 anos, e a Yulia Ivannikova-Katsemon, 37, que iam ser levados.
Após uma semana amarrados, a comer rações de combate russas e a serem sujeitos à violência dos soldados ocupantes — que, em entrevista à Reuters, acusam de os terem agredido e eletrocutado com tasers —, os voluntários foram deslocados, com 14 outras pessoas, mas não diretamente para a maior região da Rússia, que se estende desde os montes Urais ao Pacífico.
Primeiro, contaram, passaram pela Bielorrússia, onde foram interrogados por militares russos, que lhes atribuíram um novo documento de identificação, com fotografia, data de nascimento, altura, cor do cabelo e outros detalhes distintivos, e onde surgem designados como “pessoa que mostrou oposição à operação militar especial”. “A primeira etapa consistiu em despir-me, ser fotografada e tomarem nota das minhas cicatrizes, tenho algumas”, revelou Yulia Ivannikova-Katsemon. “Depois despejaram-me água em cima e bateram-me.”
Passaram por vários centros de detenção na Rússia, até que, três semanas depois de terem sido capturados em Dymer, lhes disseram que iam voltar para casa, numa troca de prisioneiros, e foram metidos num avião com destino à Crimeia.
Ao contrário deles, muitos outros ucranianos terão entretanto sido levados para a Sibéria, nomeadamente para a remota ilha de Sakhalin, no extremo oriente russo, acusou esta quarta-feira Serhiy Kyslytsia na ONU.
Sobre as condições dos ucranianos alegadamente forçados a mudar-se para a ilha, no Oceano Pacífico e a norte da ilha japonesa de Hokkaido, a mais de 10 mil quilómetros de Kiev, não há para já relatos.
Outrora uma colónia penal russa, que o escritor e dramaturgo Anton Tchekhov chegou a visitar em 1890, para uma série de reportagens sobre a vida dos condenados a trabalhos forçados, que havia de dar origem ao livro “A ilha de Sacalina” — “Em redor o mar, no meio o inferno”, será a descrição mais marcante —, o território alberga hoje um dos maiores projetos de exploração de gás e petróleo do mundo. Tudo isto numa zona muito propensa a tremores de terra e onde, sobretudo na parte norte da ilha, o inverno pode chegar a durar 240 dias por ano — e onde o gelo quase nunca derrete.