Há fotografias que funcionam melhor do que outras nas plataformas de encontros. Uma imagem da cara a sorrir, por exemplo, é bem recebida pelos utilizadores, de acordo com dados das próprias empresas. Se for possível, hobbies e animais de estimação também devem ser mostrados, e os textos de apresentação (também conhecidos como “bio”) preenchidos com detalhes honestos, “informação válida para o outro poder dizer ‘quero correspondência com esta pessoa? Sim ou não?'”, explica Rita Sepúlveda, autora do livro “Swipe, Match, Date” (ARENA).
Essa mesma bio, que tantos utilizadores consideram difícil de preencher, pode funcionar como quebra-gelo para iniciar uma conversa mas, mais do que isso, é indicativa daquilo a que cada um vai quando começa uma conversa. “Se eu e outra pessoa temos uma motivação totalmente distinta para usar plataformas de dating, era bom que soubéssemos isso desde o inicio”, continua a investigadora de pós-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa, com o projeto “Status: In a Relationship With an App”.
Em 2017, trocou uma vida na área dos eventos para voltar a estudar. Inscreveu-se num mestrado em Ciências da Comunicação no ISCTE (cujo título da tese incluiu as palavras swipe e match) e encontrou uma lacuna na investigação sobre apps de encontros. “Já tinha lido muito sobre o assunto, mas sentia que havia falta de informação em Portugal. Tínhamos muitos estudos sobre a realidade dos EUA e de Inglaterra, mas não sobre a realidade portuguesa.”
Rita Sepúlveda tornou então esta temática no seu objeto de estudo, motivada, por um lado, pela curiosidade e, por outro, pela vontade de colmatar a falta de informação disponível a nível nacional. O que descobriu ao longo dos últimos anos, entre investigação dentro das plataformas e entrevistas e questionários aos seus utilizadores, pode ser agora encontrado no livro “Swipe, Match, Date”, publicado este mês de fevereiro. Funciona quase como um guia, onde os seus conhecimentos estão organizados e desmistificados para ajudar os leitores.
Desde 2022, coordena também o DatingLab (CIES-ISCTE), um projeto que estuda precisamente o recurso a tecnologias de informação e comunicação para a gestão de relacionamentos.
De assinalar que toda esta curiosidade começou já enquanto investigadora. Rita Sepúlveda nunca esteve inscrita numa plataforma de dating na ótica de utilizadora mas, para o estudo, criou perfis de Bumble, Happn, OkCupid, Badoo e Tinder. Chegou mesmo a ser bloqueada na última, quando criou um perfil onde se lia, “Procuram-se utilizadores Tinder para entrevistar”, justificando o âmbito da sua tese de doutoramento — algo que, meses mais tarde, foi proibido numa atualização das regras da plataforma.
Em entrevista ao Observador, a investigadora sublinha: “É duro estar nas plataformas de encontros”. E explica: “Vamos ver muitos perfis, nem todos os matches ou conversas vão ser interessantes. Possivelmente não vamos ter match com uma pessoa de quem gostávamos, e até existem pessoas com as quais podemos ter match, mas com quem nunca vamos conversar, porque nunca nos vão dar resposta.”
Além disso, há quem precise de passar muito tempo à procura até encontrar “um perfil ‘sim'”, como caracteriza aqueles que têm potencial de interesse. “Vão ver muitos utilizadores até considerarem um determinado perfil. Porque, na realidade, o que as plataformas fazem é sugerir. Tudo o resto depende de cada um.” Leia a entrevista completa.
Quando começou a estudar esta temática, já tinha tido experiência com plataformas de encontros?
Eu não tinha tido nenhum contacto com o que podemos chamar o formato atual. Fui utilizadora do MiRC, que não era uma aplicação de encontros, mas que foi adotado como tal, e até do Hi5. No formato mais recente da app no telemóvel, não.
Tinha amigos que tinham tido?
Temos sempre algum amigo que usou. Quando perguntamos se alguém usa, ninguém usa, mas há sempre um amigo que sim, embora isso já esteja a ser um pouco desconstruído, também.
Esteve então inscrita enquanto investigadora?
Sim, estive inscrita em várias plataformas de dating, sempre na ótica da investigação e até de angariação de participantes para estudos que realizei. Nos perfis que criei, indicava isso mesmo.
Começou a investigar este tema em 2017. As coisas sofreram mudanças, desde então.
As coisas mudaram, sim. Existe, por parte das pessoas, mais predisposição para falarem sobre o assunto. Na altura em que comecei a estudar, era super difícil encontrar utilizadores que estivessem dispostos a partilhar as suas experiências, algo que não sinto atualmente. As pessoas agora falam mais abertamente sobre o tema. Isso quer dizer que a visão face a este tipo de serviços tem mudado.
Que papel teve a pandemia nessa mudança?
O número de utilizadores aumentou muitíssimo, mas, mais do que à procura de um relacionamento, as pessoas estavam à procura de companhia. A lógica nestas apps é ter encontros e, na altura, os encontros moldaram-se. Os utilizadores aproveitavam o passeio higiénico, que nos permitia sair de casa e era um momento para ter dates, ou até a videochamada, que atualmente pode servir como um passo intermédio para perceber se vale a pena combinar um encontro presencial.
Porque é que escreve no primeiro capítulo do livro que as revelações sobre esta temática podem deixar as pessoas boquiabertas?
As pessoas não têm total consciência de como funcionam as plataformas em geral, não apenas as de encontros. Esse capítulo pretende, de alguma forma, ajudar a que percebam que são um negócio, ponto. Mais: são um negócio alicerçado em algo muito específico: naquelas pessoas que procuram, entre muitas outras coisas, relacionamentos amorosos. Têm de entender que as plataformas têm acesso aos dados que partilham sobre elas, que a forma como usam a plataforma, os perfis a que dizem “sim ou não”, como se apresentam, faz com que lhes seja sugerido um determinado tipo de perfis. Temos de ter toda a informação do nosso lado para podermos tomar decisões conscientes.
Há outro capítulo em que fala de medos comuns.
Sim, existem receios e isso é bom, porque as pessoas assim estão mais atentas. Sabemos que, não exclusivo das plataformas de dating, mas também, há utilizadores cujo objetivo é enganar os outros. Burlas, fraudes, convidar para algum tipo de negócio. Até há perfis de pessoas a venderem casas. Negócios de bitcoins também são casos comuns, ou prestação de serviços no campo dos relacionamentos amorosos.
Pessoas que se apresentam como interessadas em encontrar alguma coisa orgânica mas que são trabalhadores do sexo?
Sim, também existem perfis de prostituição e até coaches de relacionamentos que, numa primeira instância, não estão à procura de um relacionamento, seja duradouro ou não, mas de se promoverem a si ou ao seu negócio.
Esses perfis costumam ser fáceis de identificar ou há quem fique confuso?
Se o perfil não for claro, o que à partida pode não ser, pode ser difícil de identificar.
O seu livro tem ferramentas que ajudam as pessoas a identificar esses casos?
Existe um capitulo sobre os perigos associados ao uso, no qual são dadas algumas dicas, até a pensar nos esquemas a que as pessoas possam estar sujeitas. Existe um guião, por exemplo, dos militares que estão longe e que se apaixonam rapidamente por alguém com quem fizeram match e iniciam logo trocas de mensagens demasiado românticas. Na realidade, quem está por trás não é a pessoa da fotografia, mas um burlão que tenta extorquir dinheiro da pessoa com quem está a conversar. São scripts muito bem montados.
Houve dois episódios do “Extremamente Desagradável” sobre uma senhora a quem isso aconteceu, e que foi à “Júlia”.
Exatamente, é mesmo dentro desse contexto. Podemos questionar — “mas as pessoas caem mesmo nesta lengalenga?”. Às vezes, estão tão suscetíveis, ou a história está tão bem montada, que a pessoa pode ter alguma dificuldade em questionar o que lhe está a ser dito, por isso é necessário estar atento a um conjunto de sinais. No capítulo sobre os perigos, falo sobre isso e dou algumas dicas. As burlas acontecem muito também noutras plataformas, como o OLX, WhatsApp, MB Way… Mas nas plataformas de encontros, que estão arroupadas por um contexto amoroso, pode ter consequências não só monetárias, mas muito grandes a nível emocional.
Consegue destacar um sinal que se possa identificar rapidamente?
As declarações de amor chegarem muito rápido, quando se começa a trocar mensagens.
Os burlões conseguem identificar quem está vulnerável?
Num estudo que estou a escrever, concluí que pessoas de todas as idades são vulneráveis a este tipo de esquema, mas quem reporta mais são os utilizadores na casa dos 42 aos 45 anos. Não quer dizer que sejam os mais suscetíveis, mas são os que mais reportam e identificam perfis de burlões.
Há um capítulo no livro que tem a ver com aquilo que se procura nestas apps. Há pessoas que estão à procura de coisas além do romance, como amizade?
Sim. A motivação mais comum é conhecer pessoas, mas há quem esteja à procura de amizade ou companhia. Há pessoas que só usam por uma questão de entretenimento. Há pessoas que estão sozinhas e veem as plataformas de encontros como uma resposta para terem alguém com quem falar à noite, depois do jantar. Há quem use pressionado pelos seus amigos.
A utilização das plataformas de encontros também já começa a ser mais automática ou até inconsciente? Há quem pareça fazer swipe sem prestar atenção ao que está a fazer.
Isso tem tudo a ver com a forma como a plataforma está desenhada e como funciona. É 100% visual, tem uma lógica de gamificação por trás, de eu estar a ver se sou recompensado de alguma maneira, nem que a recompensa seja um match. A forma como está construída leva-nos àquela ideia de scroll infinito. Posso estar a ver perfis que nunca mais acabam, como se estivesse a ver um feed de Instagram infinito. O funcionamento da plataforma pode levar utilizadores a terem este tipo de comportamento, a tal distração. Às vezes, os utilizadores dizem que tanto podem abrir o Tinder, como o Instagram ou o TikTok.
Há uma espécie de estereótipo em relação a estas apps. O Tinder, por exemplo, é associado a encontros fugazes, e o Bumble tem uma reputação talvez mais “séria”. Acha que essa ideia também se exprime na forma como as pessoas se comportam nelas?
De certa forma. Mais do que se expressarem, é a forma como as classificam. Se, no Tinder, se acha que quem usa é só para sexo, isso condiciona a forma como se vê aquela aplicação. Os comportamentos também podem ir neste sentido. Na realidade, existe muito boa gente no Tinder à procura de um relacionamento duradouro. Até a forma como os meios de comunicação apresentam uma aplicação pode condicionar os leitores quando formam uma opinião.
Datas especiais, como o Dia dos Namorados, potenciam de alguma forma a utilização destas apps?
Não tenho dados sobre isso. Nem sei se é uma altura na qual as pessoas utilizam ou se inscrevem mais. Sei que muitas comunicações estratégicas das apps passam por sugestões do Dia dos Namorados.
Como é que se constrói um bom perfil numa app de encontros?
A pessoa tem de ser honesta consigo própria — “eu estou numa plataforma de encontros” — portanto, de alguma forma, tem de estar disponível para se dar a conhecer. E depois, tem de ser honesta com os outros, dizer o que procura, o que quer. Se eu e outra pessoa temos uma motivação totalmente distinta para usar plataformas de dating, era bom que soubéssemos isso desde o inicio. Depois, há efetivamente fotografias que funcionam melhor, como fotografias de rosto em que a pessoa está a sorrir.
Há estudos que o indicam?
As plataformas às vezes dão alguns dados sobre [isso].
E as fotografias em que se vê bem a cara e em que se está a sorrir têm melhores hipóteses de fazer match?
São bem recebidas. E fotografias a fazer alguma atividade de que goste. Se têm algum animal de estimação, também podem incluí-lo em alguma das fotos. E depois, há algo que as pessoas tendem a não fazer, mas que deviam, que é responder às perguntas que muitas vezes as aplicações fazem sobre o utilizador, sobre os seus gostos, hobbies, que tipo de relacionamento procura. Muitas destas perguntas não são de caráter obrigatório, tem a ver com uma estratégia da plataforma para a pessoa não se aborrecer a preencher o perfil. Mas quanto mais informação a plataforma tiver sobre nós, mais nos sugere perfis indicados face àquilo que procuramos. E os outros também têm mais informação sobre nós.
E a bio?
Em muitas plataformas, existe essa parte da escrita livre, a biografia, então [convém] que as pessoas se apresentem lá. Eu percebo que é difícil falarmos sobre nós e sobre o que gostamos, que tipo de pessoa somos ou o que procuramos, mas esse é um exercício que pode ser construído. E sim, também há plataformas que dizem que existe uma maior probabilidade de ter match se a parte da biografia tiver algo.
O que é importante mencionar? A profissão, por exemplo, ou isso não faz sentido neste contexto?
Algo sobre si que dê informação ao outro sobre quem é, do que gosta, o que procura. Informação válida para o outro poder dizer “quero correspondência com esta pessoa? Sim ou não?”. Porque uma das estratégias nas trocas de mensagens é pegar em informação que está no perfil e começar por aí. Se eu não tenho nada no perfil sem ser uma fotografia a dizer “Rita” e a minha idade, o que é que a outra pessoa me vai dizer? Vai sair um “olá, tudo bem?” que possivelmente não terá resposta.
A bio pode ser um quebra-gelo, nesse sentido.
Mais do um quebra-gelo, é ter a informação para quem está do outro lado perceber se lhe interessa conhecer mais sobre a pessoa. Mas, depois, há aqui um reverso. É que, em muitas plataformas, tudo o que é este contexto textual não está à vista, e as pessoas tomam a decisão com base na fotografia que veem. As aplicações móveis estão instaladas num smartphone e usam essa estrutura. A fotografia ocupa todo o ecrã e as informações textuais são remetidas para um segundo momento.
A Rita criou um “dicionário das plataformas de encontros”. Uma das das siglas traduz a expressão “fear of dating again”, medo de voltar a ter encontros. Isto tem a ver com as pessoas que, depois de relações longas, voltaram a ser solteiras num mundo completamente diferente?
Está relacionado com o contexto da Covid-19. Mas dentro dessa ideia, as plataformas de encontros também podem ser um bom instrumento ou uma boa ferramenta para quem esteve num relacionamento durante tanto tempo e para quem é mais difícil conhecer pessoas, porque a vida mudou de determinadas formas e então podem ser uma boa solução, quando as redes tradicionais não dão resposta.
Também temos a expressão “match de ódio”, que acontece quando alguém inicia uma conversa com o objetivo de humilhar. É um comportamento que se verifica muito ?
Mais do que haver muito ou pouco, é importante as pessoas saberem que existe. Existem pessoas online que vão ter este tipo de comportamentos. Para que é que isto serve? Para as pessoas se prepararem.
É importante para os utilizadores saberem que têm poder de agência sobre os resultados, mesmo que haja coisas que não podem controlar?
Completamente, mesmo que a plataforma imponha comportamentos, porque impõe. Nós no Tinder não conseguimos ver outro perfil se não tomarmos uma decisão sobre aquele perfil, que estamos a ver naquele momento. Por isso, a decisão deve ser consciente. Fazer swipe right ou swipe left porque viu as fotos, leu o texto e tomou uma decisão consciente sobre aquele perfil.
Isso ajuda a potenciar os resultados que o próprio algoritmo vai apresentando?
Sim. Tudo o que for uma utilização consciente e informada, ajudará.