A falta de tempo é, muitas vezes, um dos argumentos que usamos para justificar a não concretização de sonhos, como escrever um livro, por exemplo. Numa altura em que o recolhimento domiciliário é a realidade de muitos de nós, aqui está uma forma possível de canalizar o tempo extra e até, quem sabe, vencer o Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce. As candidaturas decorrem até 2 de abril e, embora faltem poucos dias para terminarem, ainda há tempo para participar e ganhar. Sabemos disso porque foi exatamente o que aconteceu a Diogo Alegria Pécurto, o vencedor da quarta edição do prémio, com o texto do livro Há Monstros no Túnel. Em entrevista ao Observador Lab, confessa que participou “com o prazo prestes a terminar” e apenas “por insistência da namorada”. Por ter uma profissão em que passa os dias a escrever – é copywriter e tradutor –, diz que não lhe “é natural continuar a escrever depois do trabalho”, razão por que este tipo de iniciativas lhe “passam ao lado”. Felizmente, não passaram ao lado de quem com ele partilha os dias e acabou por concorrer — “sem expetativas”, como assume — e o resultado apanhou-o desprevenido: “Foi um ‘choque’ absoluto ter ganho e ainda hoje, passados 3 anos, quando penso em tudo o que aconteceu, continuo a sentir que de certa forma não se passou comigo”.
Quem também demorou a acreditar que tinha ganho foi Joana Lopes, a vencedora da primeira edição e que apenas concorreu porque um amigo lhe falou do concurso: “No dia em que soube que havia um prémio desta natureza, sentei-me em frente ao computador e a minha imaginação foi invadida por bruxas, dragões e morcegos. No final de muitas horas metida nos feitiços da escrita, tinha uma história cómica a que resolvi chamar De Onde Vêm as Bruxas?. Enviei-a quase no fim do prazo e não pensei mais no assunto. Uns tempos depois, ligaram-me a dizer que eu era a vencedora. Quando desliguei a chamada, não tinha a certeza de estar a viver uma coisa real.” A sensação de estranheza só desapareceu, explica, quando recebeu o galardão: “Foi nesse momento que percebi que existia uma oportunidade concreta para o meu sonho”.
Já Andreia Penso Pereira, que ganhou a quinta edição do certame, encontrou aqui uma oportunidade para dar a conhecer o que há muito andava a escrever e a esconder de toda a gente: “Tinha vários contos na gaveta que tinha escrito para a minha filha. Verifiquei se iam ao encontro dos requisitos, selecionei os meus preferidos, revi os textos e submeti-os. Confesso que não tinha grande esperança de ganhar, mas estava entusiasmada com a ideia de dar uma oportunidade ao sonho”.
Um sonho que se realiza
Se é verdade que não sonhavam ser escritores quando eram crianças – mas sempre leram muito, muito —, a verdade é que a palavra “sonho” surgiu em praticamente todas as entrevistas que fizemos para este artigo. Porque é mesmo de concretização de um sonho que se trata isto de vencer um prémio monetário no valor de 25 mil euros e conseguir a publicação da obra escolhida. Mas no caso de Maria Leitão, vencedora da edição de 2019 com o texto O Protesto do Lobo Mau, foi por um triz que tal quase não aconteceu, como nos conta: “Decidi participar porque tinha uma história. Enviei-a no ano anterior, mas com um pseudónimo idêntico ao nome, o que automaticamente a desqualificava. Em 2019, tive a brilhante ideia de ir ler todo o regulamento e de ter em conta esse pormenor”.
Felizmente, Maria Leitão reparou naquilo que chama “pormenor”, mas que foi decisivo para nos poder revelar, hoje, que tudo o que vai escrevendo “é na tentativa de recuperar a forma como escrevia em pequena”. Por seu turno, Diogo Alegria Pécurto não tem dúvidas em afirmar que escreveu “a única história que poderia ter escrito”. “Apesar de ter mais uma ou outra ideia para outras possíveis histórias, o que relatei no livro era um conceito formado na minha cabeça há muitos anos, pois estas coisas passaram-se comigo, pelo menos é assim que eu me lembro delas”, afirma, concluindo: “Talvez existam algumas pessoas que só têm uma história para contar, e eu seja uma delas”.
A importância de um prémio
Muitas histórias para contar tem Joana Lopes, que reconhece que o facto de ter vencido o prémio a tem vindo a ajudar a “suscitar o interesse das editoras”. E a verdade é que, desde então, já publicou mais de uma dezena de livros para crianças e ainda um romance. “Apercebi-me que, por parte do público adulto, havia curiosidade para conhecer a minha faceta neste registo diferente”, diz, referindo que “o acolhimento a esse livro foi excelente” e percebendo que o seu trajeto poderá ter contribuído para essa recetividade. Ainda hoje, 6 anos depois da participação no concurso, “as oportunidades continuam a surgir”, estando neste momento a procurar uma editora para lançar o romance que terminou recentemente. Na calha, tem muitos outros projetos e até o lançamento de um dos seus livros infantis no Brasil.
Como e quando concorrer?
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A entrega de textos para concurso decorre até dia 2 de abril e deve ser feita através do preenchimento do formulário disponível na página do Pingo Doce, onde ficamos a saber que do júri fazem parte elementos destacados nas áreas em avaliação, como a jornalista Laurinda Alves e o pediatra Mário Cordeiro (texto) ou os ilustradores André Letria e Jorge Nesbitt (ilustração), entre outros nomes relevantes. Aí está também acessível o Regulamento do concurso para consulta. A obra vencedora será anunciada a 5 de maio de 2020, Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Também Andreia Penso Pereira continua a imaginar histórias e a passá-las para o papel a grande ritmo: “Escrevo muito, todos os dias, nos transportes públicos, nas pausas para café, à noite antes de dormir. E escrevo essencialmente porque isso me faz feliz”. A também analista de dados refere que o prémio lhe “deu a confiança e a motivação para continuar a escrever”, tendo mesmo publicado um segundo livro infantil um ano depois de ter sido premiada.
Outra boa notícia, para si, foi o facto de a sua obra distinguida no Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce — Narciso com Pelos no Nariz — ter sido distribuído gratuitamente por todas as escolas do ensino básico do país que integram a Rede de Bibliotecas Escolares. Aliás, tal medida foi aplicada a todos os livros vencedores, graças a uma parceria entre o Pingo Doce e o Plano Nacional de Leitura.
Conselhos para escrever e ganhar
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Pedimos a estes quatro vencedores do Prémio de Literatura Infantil Pingo Doce conselhos para quem está a pensar participar. Siga estas dicas e participe:
Andreia Penso Pereira
“Quando se escreve, principalmente para crianças, há três coisas que são essenciais: a verosimilhança, a atenção aos detalhes e a simplicidade. Especificamente para quem pretenda concorrer ao concurso do Pingo Doce, fica um conselho: não desistam à primeira contrariedade. Não ganhei no primeiro ano que concorri. No ano seguinte, revi novamente o texto, melhorei alguns pormenores, voltei a concorrer e o sonho concretizou-se.”
Diogo Alegria Pécurto
“Participem, mesmo que achem que não têm qualquer hipótese. Escrevam algo genuíno, que venha de dentro, mesmo que implique vulnerabilidade e exposição, porque nunca se sabe o que pode acontecer. Diria também para simplificarem e para se editarem sem piedade. O ritmo e a fluidez são também muito importantes.”
Joana Lopes
“Aconselho que escrevam para a criança que foram um dia. Creio que não há uma fórmula para o processo criativo, cada pessoa tem o seu próprio universo e, dentro dele, mecanismos particulares para invocar as musas. A parte interessante e desafiadora é justamente esta: entrar neste mundo só nosso para fazer emergir algo novo.”
Maria Leitão
“Da mesma forma que não sabemos o que pode acontecer quando nos sentamos a escrever, também não podemos prever o que vai acontecer se decidirmos participar no concurso ou editar o nosso trabalho. Num e noutro caso, é preciso avançar para o desconhecido. Mas também penso que, mesmo que esse trabalho não seja selecionado, o ato de escrever, ou de ilustrar, vale por si.”
Sentir que “valeu a pena”
Tendo em conta que o livro vencedor é publicado e distribuído nas lojas Pingo Doce, facilmente se percebe o imenso alcance que terá em termos de público. “Chegar a um leitor significa que todo o trajeto criativo, com todos os desafios inerentes, valeu a pena.
É isso que eu sinto e causa-me uma alegria bonita”, diz Joana Lopes, que assume ficar “particularmente feliz” quando vai às escolas e vê o trabalho incrível que muitos professores e educadores têm feito em torno dos seus livros. “É muito gratificante ver que os frutos da nossa criatividade são pontos de partida para a criatividade de outras pessoas”, resume.
Por seu turno, quando viu uma criança a comprar o seu livro pela primeira vez, Andreia Penso Pereira reteve o momento como “muito especial”: “Lembrei-me do que eu sentia com aquela idade, sempre que recebia um livro novo. Fiquei extremamente feliz e realizada, e desejei com todas as minhas forças que aquela criança sentisse o mesmo”, recorda.
Quanto a Maria Leitão, aquilo de que mais gosta é ver as crianças rir com o seu livro. Gostou disso e de descobrir o spot publicitário que o Pingo Doce preparou para a promoção da obra: “Surpreendeu-me que, em 30 segundos, tivesse conseguido pegar no tom do texto e das ilustrações e criado um terceiro objeto na mesma linha”.
Já Diogo Pécurto explica que, nesses momentos, nunca se lembra que a autoria lhe pertence. “É quase trágico-cómico”, diz com sentido de humor. Mas há um momento que reteve na memória e que o marcou: a entrega do prémio na Estação do Rossio, em Lisboa. “Sempre adorei comboios, algo que está bem patente na história, e o esforço do Pingo Doce e da CP para fazer a entrega de prémios naquele contexto foi realmente especial para mim”.