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É sabido que o El Niño, um fenómeno cíclico responsável pelo aumento das temperaturas a nível global, já começou. A sua chegada oficial foi anunciada a 8 de junho pela Agência norte-americana de Observação Oceânica e Atmosférica (NOAA) que assinalou que o seu reaparecimento este ano “poderia levar a novos recordes de temperatura” em algumas regiões. Mas, e em Portugal? Também haverá consequências?
O El Niño está associado ao aquecimento das temperaturas da superfície no centro e leste do oceano Pacífico tropical. Como o IPMA explica, é um “fenómeno oceano-atmosférico que afeta o clima regional e global e que influencia a circulação geral da atmosfera”. Ou seja, tem uma influência no clima a nível global.
#ElNiño is a natural climate pattern associated with warming ocean surface temps in the central and eastern tropical Pacific Ocean. But it takes place in the context of a climate changed by human activities.
WMO declares onset of El Niño conditions: https://t.co/lF4HUL5ZZK pic.twitter.com/dpg5CaOprc
— World Meteorological Organization (@WMO) July 4, 2023
#ElNiño conditions have developed in the tropical Pacific for the first time in seven years, setting the stage for a likely surge in global temperatures and disruptive weather and climate patterns.
???? https://t.co/lF4HUL5ZZK pic.twitter.com/N8aNYQZuiX
— World Meteorological Organization (@WMO) July 5, 2023
O El Niño ocorre em média a cada dois a sete anos e os seus episódios duram geralmente entre nove a 12 meses. No entanto, e apesar de os impactos serem geralmente sentidos com mais intensidade um ano após o seu desenvolvimento, não implica que os efeitos não estejam já presentes, até porque há muito que os sinais de que ele estaria a formar-se estavam a surgir por todo o lado.
“Não é descabido dizer que realmente se possa notar o seu expoente máximo se calhar com algum atraso, no próximo ano ou daqui a alguns bons meses. Agora, de qualquer forma, não quer dizer que não se sinta já, porque o El Niño já está instalado, já está em andamento e os seus impactos já se começam a fazer sentir”, explicou Pedro Sousa, meteorologista do IPMA, em declarações ao Observador.
Os seus efeitos podem ser completamente diferentes. Em regiões como o sul da América Latina, sul dos Estados Unidos, Corno da África (nordeste africano) e Ásia central o fenómeno é geralmente associado ao aumento da precipitação. Já na Austrália, Indonésia, partes do sul da Ásia e América Central é caracterizado pelas secas severas.
Na Europa, os efeitos deste fenómeno geram um maior debate. Há quem defenda há um maior impacto do El Niño no outono e inverno, com vagas de frio e precipitação, enquanto outros meteorologistas insistem que não há efeitos muito diretos no continente europeu.
Mas, uma coisa é certa: sempre que há El Niño, o planeta acaba por aquecer num todo e normalmente registam-se os anos mais quentes. “Os recordes dos anos mais quentes, a nível global, são sempre anos de El Niño”, explicou Pedro Sousa.
Podemos esperar assim um verão com águas tropicais?
Não diretamente na nossa costa. Apesar de a temperatura na atmosfera aumentar com o El Niño, os meses de verão em Portugal são geralmente afetados pela nortada, o vento regional vindo do polo que ameniza a temperatura da água.
Mas, como Pedro Sousa explica, independentemente do El Niño, o oceano Atlântico Norte têm experienciado uma anomalia rara, e preocupante, que provocou um aquecimento da água acima do normal: “As pessoas não se podem esquecer que o que se passa na nossa costa é um fenómeno muito localizado. Nós temos estas águas frias na nossa costa geralmente nestes meses [de verão] por causa da nortada, que é muito comum na nossa região. E independentemente de todo o Atlântico estar a fervilhar, por assim dizer, se existirem condições como as que têm existido nos últimos dias da nortada, naquela faixa de alguns quilómetros junto à costa e na praia, a água vai estar fria. Ultimamente [porque houve dias de água bastante morna para o normal] já desceu bastante para valores mais comuns da altura do ano aqui na costa, independentemente de o Atlântico continuar todo ele muito quente”.
Também Jorge Miguel Miranda, antigo presidente do IPMA, sustenta esta afirmação, explicando que a nortada leva ao afloramento costeiro, ou upwelling, em inglês, que se traduz na subida de águas subsuperficiais para a camada à superfície do oceano e aquecida pelo sol.
Preveem-se dias mais quentes?
De acordo com a previsão do climatologista Mário Marques, os próximos meses de verão serão instáveis. Julho será um mês onde os termómetros irão registar níveis abaixo do normal, com temperaturas amenas ou até mesmo frescas em relação ao habitual.
No entanto, se as águas não são tropicais na costa portuguesa, agosto prevê-se que seja pelo menos no que toca aos termómetros. As temperaturas vão subir, mas há também a probabilidade de um maior número de dias com precipitação e trovoadas. E aqui é que entram as dúvidas de qual é a culpa do El Niño.
Já o mês que passou, registou-se globalmente como o junho mais quente desde que há registo. Segundo um estudo do Copernicus, o programa da Comissão Europeia que estuda alterações climáticas e ambientais, a temperatura média global em junho foi de 16,51 graus celsius, 0,53 graus acima da média das três décadas anteriores.
It was the hottest June on record globally, with record-high sea surface temperatures, especially in the Atlantic Ocean. Antarctic sea ice extent at unprecedented low values for the time of year, says @CopernicusECMWF monthly #StateofClimate report. pic.twitter.com/I8qlu0UZ2p
— World Meteorological Organization (@WMO) July 6, 2023
Um outono chuvoso?
Se para o meteorologista Pedro Sousa é difícil haver uma causalidade direta entre a precipitação e o fenómeno climático do Pacífico, para o climatologista Mário Marques há uma “correlação estatística muito positiva” entre a chuva e o El Niño.
Apesar de uma só conexão não justificar o comportamento da atmosfera, o climatologista prevê que os meses de outono e inverno sejam este ano mais chuvosos, começando logo no final do verão.
Já Jorge Miguel Miranda prevê que na mudança de estação haja “grandes variações de precipitação”, que podem dar origem a cheias repentinas. Mas, para o antigo presidente do IPMA, o importante é perceber também o porquê disso vir a acontecer: “Nós vamos entrar num período mais energético. A energia disponível vai-se dissipar, ou sob a forma de calor ou sob a forma de movimento.”
Com a atmosfera mais quente, há um maior risco de incêndios?
Uma boa notícia. Apesar de a atmosfera a nível global vir a apresentar níveis mais elevados de temperatura, a precipitação que se irá registar a nível nacional pode vir a prevenir os riscos de incêndios.
Como Mário Marques explica, o maior número de dias de chuva e o consequente tempo húmido irão ser favoráveis a que não haja tantos fogos.
“Até setembro, o risco pode ser minimizado devido a uma maior preponderância, ou melhores condições, ou condições favoráveis, para que existam maior número de dias com precipitação e com humidades mais elevadas”, explica ao Observador.
Há relação entre o El Niño e o recorde de temperatura média global?
Desde segunda-feira, 3 de julho, que a temperatura média global tem batido a cada dia um novo recorde acima dos 17 graus celsius. De acordo com o Climate Reanalyzer da Universidade do Maine, nos EUA, esta quinta-feira, pelo quarto dia consecutivo, os termómetros ultrapassaram a meta, registando globalmente os 17,23 graus celsius.
Temperatura média da Terra bateu novo recorde acima dos 17 graus
Para Mário Marques aquilo que está a acontecer é que a temperatura global está a aumentar e que o processo tem sido acelerado devido ao “nosso comportamento”.
Jorge Miguel Miranda corrobora a afirmação e explica que, “neste momento, estamos no topo de um ciclo quente”. “O que está previsto é que em todo o planeta nós vamos ter mais energia disponível e, como temos mais energia disponível, vamos ter, seguramente, fenómenos meteorológicos extremos e fenómenos oceanográficos extremos”, acrescenta, em declarações ao Observador.
De que forma é que as alterações climáticas influenciam o El Niño?
Apesar de o El Niño ser um fenómeno natural do sistema climático, que sempre ocorreu independentemente das alterações climáticas, especula-se que o atual e futuro aquecimento global possa acelerar ou intensificar o fenómeno.
“Estamos numa tendência de aquecimento por isso, naturalmente, esses eventos do El Niño, que são caracterizados por aquela região ficar com temperaturas de água do mar acima do que é normal, possam ser mais intensos do que os passados. É o que se especula”, explica o meteorologista Paulo Sousa.
Se mesmo durante o La Niña — o padrão meteorológico oposto ao El Niño em que as temperaturas baixam no Pacífico, levando à ligeira descida a nível global — os últimos anos foram mais quentes do que o último El Niño, “será muito surpreendente se a nível global este atual El Niño não bater muitos recordes”, acrescenta.
Cooler La Niña years are hotter than the hottest El Niño years less than a decade ago. So when an El Niño comes, like now, there's no analogue. Record heat becomes inevitable. We're in unchartered climate territory pic.twitter.com/oK5CYCiPgz
— Nate Bear (@NateB_Panic) July 5, 2023
Segundo a Organização Meteorológica Mundial, “o desenvolvimento de um El Niño conduzirá muito provavelmente a um novo pico de aquecimento global e aumentará a possibilidade de batermos recordes de temperatura.”
The last major El Niño was in 2016, which remains the hottest year on record. The new El Niño comes on top of the increasing global warming driven by human-caused carbon emissions, an effect the #WMO called a “double whammy”.
— ICPAC (@icpac_igad) July 4, 2023
“Certamente que as alterações climáticas e o comportamento antropogénico irão, obviamente, acelerar esses comportamentos e a natureza não gosta de desequilíbrios e, portanto, tende a ajustar-se de uma forma ou da outra, independentemente daquilo que nós decidimos fazer ou não”, afirma Mário Marques.
Por sua vez, Paulo Sousa caracteriza o El Ninõ como “um teste de como pode vir a ser o nosso clima de forma constante. É essa a ideia que fica.”
Como é que Portugal se pode preparar para este fenómeno?
Através de um plano estratégico de adaptação a médio e longo prazo. Segundo Mário Marques é importante criar condições de resiliência no melhor aproveitamento da água — sobretudo a água da chuva —, evitar a poluição, tanto em termos de solos como com espécies invasivas — como eucaliptos —, e criar uma maior diversidade no território, de forma a minimizar os impactos dos incêndios florestais, aumentar a biodiversidade e a melhor detenção de água no solo.
“A floresta é flora. Se tivermos um melhor coberto vegetal podemos proteger-nos melhor em termos de temperaturas. Se não houver coberto vegetal não há uma evapotranspiração que consiga alimentar ainda mais a potencialidade da formação de nuvens e da chamada água precipitável. Isso é uma relação direta”, explica o climatologista.