Ano de eleições é, por tradição, ano de obras. E na circulação rodoviária as rotundas parecem ser o fillet mignon das opções autárquicas. Neste último ano de mandato (que começou em outubro) já se contam 42 ajustes diretos relacionados com a construção ou reabilitação de rotundas mesmo a tempo de cortar a fita antes da ida às urnas. São 33 câmaras municipais e uma junta de freguesia que querem garantir que até à realização das autárquicas as ruas das localidades têm outra configuração e não há contenção de custos nesta área. São já mais de 6,6 milhões de euros investidos, mais dois milhões que em igual período do ano anterior (entre outubro de 2019 e março de 2020) e três vezes mais que no segundo ano de mandato. Entre outubro de 2018 e março de 2019 só 21 autarquias e uma freguesia apostaram no betão e o investimento pouco ultrapassava os dois milhões de euros.
É uma verdadeira escalada no investimento em obras desde que o mandato autárquico começa — em outubro de 2017 — e a data das eleições deste ano que se aproxima. Os gastos neste tipo de infraestruturas são significativamente mais comedidos no início do trabalho dos autarcas e neste último ano disparam. Nos primeiros cinco meses depois da tomada de posse, em 2017, só 17 autarquias decidiram avançar para obras em rotundas, lembre-se que este ano já são mais de 40. Em 18 ajustes (já que o município de Coruche fez duas intervenções logo nesses primeiros cinco meses) gastaram 1.072.684,59 euros em obras relacionadas com as rotundas. Em Portimão, por exemplo, Isilda Gomes avançou logo para a “recuperação da fonte da rotunda dos Três Castelos” (gastando 37 mil euros) e Carlos Carreiras — em Cascais — teve a obra com um custo mais elevado. Foram precisos 149.965,50 euros para construir uma rotunda na Avenida Gago Coutinho, na Parede.
A pesquisa no portal Base pode ser feita de duas formas. Através da palavra chave ‘rotunda’ ou pelo CPV respetivo. O CPV relativo à construção de rotundas, em toda a União Europeia, é o ‘45233128-2’, ainda assim não cabem nesta categoria os trabalhos de arranjos urbanísticos ou jardinagem, tão comuns nas estradas e rotundas do país. Nem a requalificação da fonte ornamental da rotunda do Olival Basto, no concelho de Odivelas, que custou mais de 37 mil euros, ou as duas esculturas para as rotundas nas entradas da cidade do futebol, em Oeiras, que custaram 350 mil euros ao executivo liderado por Isaltino Morais. Feitas as contas há milhares de euros investidos não só na construção das rotundas, mas também no respetivo embelezamento e manutenção.
Centenas de milhares de euros para fontes, estátuas e intervenções paisagísticas nas rotundas
Só neste último ano do mandato, desde outubro, já são quase 180 mil euros investidos em embelezamento de jardins — se é que assim se podem chamar, já que existem apenas dentro de uma estrutura que é constantemente circundada por veículos —, nas paredes por perto e nos elementos que estão instalados nas rotundas. No Algarve, por exemplo, o município de Albufeira investiu recentemente 15.500 euros para reparar a escultura que existe na rotunda dos relógios, numa das artérias principais da cidade, depois de já ter reparado a fixação de dois dos golfinhos de uma rotunda ali bem perto por cerca de oito mil euros. A cidade até pode ser conhecida pela originalidade nas instalações das rotundas — e respetivos nomes —, mas a manutenção das mesmas não é simples. Em Portimão a autarquia decidiu pagar mais de 36 mil euros para a “recuperação eletromecânica de fonte seca na Rotunda da Marina”.
Ainda assim, são valores bem distantes daqueles que a autarquia de Oeiras investiu em apenas duas esculturas para rotundas, com temas alusivos ao futebol. A inauguração das instalações artísticas foi feita com pompa e circunstância, mereceu até a presença do presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, mas as esculturas exigiram um investimento avultado à autarquia: 350 mil euros. A escultura para a rotunda sul da Cidade do Futebol de Caxias custou 200 mil euros e, para a entrada norte, foi comprada outra escultura por 150 mil euros. Ambas as esculturas foram adjudicadas ao artista plástico Júlio Quaresma já repetente na escolha do executivo de Isaltino Morais.
Mas a autarquia de Oeiras não se contentou com o investimento nas duas rotundas junto à cidade do futebol e decidiu, sob o mesmo tema ‘futebol’ comprar outra escultura — ou monumento, como a ela se referem — ao Centro Internacional de Escultura (um estreante nos ajustes diretos), que custou mais 75 mil euros. Feitas as contas, em três rotundas, a câmara de Oeiras gastou 425 mil euros só nas esculturas.
Voltando aos custos realizados em plena pandemia e nos últimos meses do atual mandato dos executivos municipais. A autarquia comunista de Loures investiu 7.151 euros em plantas para a rotunda junto à bomba de gasolina da BP e à entrada da autoestrada 8 (A8). Já o Seixal, também uma autarquia liderada pelo PCP, decidiu investir num “elemento escultórico” que custou 12.500 euros e, para reabilitar a fonte luminosa, o município de Anadia pagou quase 15 mil euros. De volta à área metropolitana de Lisboa, o executivo socialista de Odivelas avançou no final de janeiro com a “requalificação da fonte ornamental da rotunda do Olival Basto”, obra que lhe custou mais de 37 mil euros.
A intervenção na Estrada Nacional 10 não se ficou apenas pelo asfalto ou passeios e a autarquia de Vila Franca de Xira decidiu avançar com ajustes para embelezar as rotundas e área circundante. Os dois ajustes mais recentes foram publicados no mês de janeiro, ainda que um deles tenha sido assinado em novembro e o outro em janeiro. A autarquia definiu exatamente qual a apresentação que a rotunda da Bolonha e dos Caniços deviam ter e pagou mais de 39 mil euros à empresa Perfilesboço para que concretizassem essa visão num prazo de 150 dias.
Já a rotunda da Abrunheira, no Forte da Casa, vai passar a ter uma obra de Rodrigo Nunes, o artista conhecido por Vile, naquela que é a terceira colaboração com a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, cidade onde nasceu e ainda vive. Depois do mural do cevadeiro, na entrada sul da cidade, e das escolas de Póvoa de Santa Iria, agora o espaço reservado pela autarquia para o artista fica junto à rotunda da Abrunheira no Forte da Casa.
Obras nas rotundas aumentam à medida que as eleições se aproximam
Seis milhões, seiscentos e vinte e quatro mil e quarenta e quatro euros. É este o valor já adjudicado por 33 câmaras municipais e uma freguesia desde outubro. É o último ano do atual mandato a diferença no investimento neste tipo de infraestruturas torna-se clara se comparada com os anos anteriores. Se este ano se contam 42 ajustes, no mesmo período de tempo do ano anterior eram 23, pouco mais de metade. No ano anterior (que teve início em outubro de 2018 e até ao início de março de 2019) as autarquias tinham gastado cerca de 2,3 milhões de euros, um valor bastante inferior aos atuais 6,6, mas ainda assim dobrava o investimento do primeiro ano de mandato.
Logo depois da tomada de posse, em 2017, e até março de 2018 17 autarquias avançaram para ajustes diretos relacionados com rotundas. Penafiel (autarquia que tem o democrata-cristão Antonino Sousa a liderar) decidiu avançar logo no início de dezembro com “arranjos urbanísticos” de forma a integrar na paisagem “as rotundas da variante”. Uma obra com um custo de mais de 99 mil e 500 euros, um valor muito próximo ao que a autarquia socialista no Barreiro pagou para a “requalificação Paisagística da Rotunda do Salineiro e Passeio Adjacente”.
Em Coruche a escultura para a rotunda do monte da barca e uma intervenção numa rotunda — não especificada no contrato ou nos detalhes do ajuste direto — custaram mais de 96 mil euros (dos quais 74.500 foram pagos à empresa Sofalca para uma “peça escultórica”).
E, apesar dos elevados custos envolvidos na construção de rotundas, nem tudo parece correr bem à primeira. Que o diga a Câmara Municipal de Santo Tirso que, depois de adjudicar à empresa Edilages um contrato de mais de 1,6 milhões de euros, menos de dois anos depois contratou novamente a mesma empresa para, por mais 252 mil euros “suprir erros e omissões” na mesma obra. Em causa do nó da variante à Estrada Nacional 105, uma obra que custou à autarquia cerca de 1,9 milhões de euros — com a comparticipação de 600 mil euros da Infraestuturas de Portugal —, inserida no Plano de Mobilidade Sustentável do Município, uma das bandeiras do executivo socialista.
O ajuste mais dispendioso feito até ao momento é o do pelo executivo comunista de Loures. Bernardino Soares conseguiu que a construção da rotunda de A-das-Lebres (e o “reperfilamento da via que liga o Infantado ao atual cruzamento para A-das-Lebres”) fosse aprovada pela câmara municipal no final de setembro de 2020 e o ajuste à empresa Protecnil foi fechado por cerca de 1,4 milhões de euros menos de um mês depois, em outubro. O que significa que, caso o prazo de execução de 242 dias seja cumprido, a obra deverá estar concluída em junho, mesmo a tempo da inauguração antes da nova corrida eleitoral às autarquias.