Eram 10h40 em ponto, tal como o protocolo previa, quando o Papa Francisco chegou à sede da Scholas Occurrentes, em Cascais. Saindo do carro branco em que é transportado em Portugal, eram muitos aqueles que queriam estar perto do líder da Igreja Católica, que, minutos antes, já tinha conversado com jovens na Universidade Católica. À sua espera, no interior da instituição fundada pelo Pontífice, que outrora foi arcebispo de Buenos Aires, estava o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que esboçava um sorriso, e o presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, que não escondia a emoção.
Antes daquele momento, na rua Gomes Freire, no centro de Cascais, já tinha havido grandes movimentações. Por volta das 8h, dezenas de pessoas já estavam à espera de ver o Papa. Era o caso de três freiras espanholas da Congregação das Servas dos Pobres de Almeria, que, olhando para o edifício amarelo que serve como sede da Scholas Occurrentes, tentavam estudar o melhor lugar para se posicionarem para poder ver Francisco. “Temos muita vontade de o poder ver”, confessa Elvia Martínez ao Observador, que é interrompida pela amiga María Paz Ruela: “Só o vimos na televisão. Esta oportunidade é única”.
Contudo, as expectativas das três freiras, que vieram esta quinta-feira de manhã de Ançã, em Cantanhede, onde estão hospedadas — a cerca de 240 quilómetros de Cascais —, foram defraudadas, uma vez que os seguranças e a polícia afastou os populares que desejavam ver Francisco por volta das 8h30. Foi também o caso de Ilda Maia, que saiu “de Mafra às 5 da manhã para tentar ver o Papa”, e de Maria Odete Anastácio, que chegou à rua Gomes Freire à mesma hora, vinda de São Domingos de Rana e que acolhe, em sua casa, 24 peregrinas espanholas. “São muito queridas, tem tudo corrido muito bem”, assegurou a mulher de 73 anos.
Quem não teve problemas em ver o Papa foi Paula Assunção, que vive num edifício cinzento à esquerda da sede da Scholas Occurrentes. Da janela do 2.º andar, onde mora, a mulher pôde ver Francisco sem sair de casa. E não esteve sozinha — convidou três amigas. “Somos as quatro Paulas”, diz, entre risos. “É muito positivo que o Papa venha a Cascais, acaba por dinamizar a escola. Ainda para mais, pela génese da escola… Tem-se a ideia de que Cascais é de elite, mas também há dificuldades.”
Funcionando com uma fundação que recebe jovens e tenta promover a inclusão social através das artes e do desporto, Paula Moura, que é voluntária nesta Jornada Mundial da Juventude e que tem ajudado um grupo de 1.600 peregrinas sevilhanas na Escola da Cidadela de Cascais, sublinha que é com este tipo de iniciativa que Francisco se distingue pela positiva: “É, acho, por vir a sítios pequenos, a escolas pequenas, que o Papa Francisco transmite a mensagem que somos todos iguais”.
A oliveira que o Papa regou e a bola de futebol que recebeu
Após cumprimentar Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe deu um aperto de mão menos vigoroso do que em Figo Maduro, e Carlos Carreiras, Francisco entrou dentro da principal sala da Scholas Occurrentes, cujas quatro paredes estavam integralmente pintadas pelos jovens que a frequentam. Lá, o Papa deu a última pincelada num mural com mais de três quilómetros de distância, que se estende para fora do edifício amarelo.
No exterior do edifício, não havia peregrinos nem fiéis; apenas jornalistas e seguranças, assim como se avistavam dois snipers no terraço da Scholas Occurrentes. No discurso na fundação que criou em 2001 enquanto arcebispo de Buenos Aires, o Papa comparou as pinturas dos jovens à “Capela Sistina”, o que arrancou um sorriso dos presentes. “As Scholas possibilitam isto, que todos se sintam interpretados com respeito. Mas não é um respeito que é estático, é dinâmico”, prosseguiu.
Quando Francisco saiu da sala, a fadista Cuca Roseta, que tinha chegado por volta das 8h30 ao edifício amarelo, cantava a canção “Recado” visivelmente emocionada. O Papa tinha depois à sua espera uma oliveira, o símbolo de todas as Scholas Occurrentes espalhadas pelo mundo — e que até está na bandeira da fundação.
O assistente do Papa colocou a cadeira de rodas justamente em frente à oliveira. À sua esquerda, estavam vários membros da Igreja, incluindo D. Américo Aguiar, e à direita assistiam ao momento Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Carreiras, dois políticos abertamente católicos. Primeiro, Francisco abençoou a árvore e, depois de um jovem lhe ter entregado um regador branco, regou a árvore, ainda que com alguma dificuldade.
Numa altura em que se levantava vento em Cascais, a organização da Scholas Occurrentes entregou ao Papa uma bola de futebol feita de trapos daqueles que pintaram a principal sala do edifício amarelo. O pedido era simples: que o Pontífice a assinasse. Assim o fez — e agora a bola estará num jogo em Los Angeles, no Campeonato do Mundo de Futebol de 2026, que acontecerá nos Estados Unidos (e também no México e no Canadá).
As lágrimas de Cuca Roseta e de Carlos Carreiras
Pouco minutos depois de assinar a bola, o Papa saiu da Scholas Occurrentes acompanhado pela sua comitiva. Centenas de pessoas que estavam dentro do edifício amarelo saíram para tentar dizer adeus a Francisco, que acenava a todos aqueles que passavam na rua Gomes Freire. Entrando no carro branco, o Pontífice abandonava o local, assim como alguns seguranças que montaram um apertado perímetro de segurança.
Marcelo Rebelo de Sousa também saiu rapidamente, já que tinha de receber minutos depois, em Belém, a seleção feminina de futebol, que chegara da Nova Zelândia. Tendo sido questionado pelos jornalistas com várias perguntas, o Presidente da República apenas referiu que a organização do evento estava a ser “estupenda”.
Assim que o Presidente da República e o Papa abandonaram o edifício amarelo, as medidas de seguranças praticamente desapareceram. No local, ainda ficou Carlos Carreiras. Ao Observador, ainda com lágrimas nos olhos, o autarca confessou ter vivido uma “enorme alegria com muita emoção”. “É muito difícil conseguir transmitir por palavras aquilo que senti hoje de manhã. Já tinha estado com o Santo Padre duas vezes, mas este foi um momento muito especial.”
Igualmente emocionada estava Cuca Roseta. Em declarações ao Observador, a fadista diz ter-se tratado de um “marco” para a sua carreira: “Já tinha estado com o Papa Francisco em Roma, já tinha sido incrível, mas ele estar aqui [em Cascais] é algo que nunca imaginei ter a oportunidade. Poder ouvir e poder cantar com ele é mesmo algo incrível”. Embaixadora da Scholas Occurrentes, a cantora destacou igualmente ao Observador a importância da fundação para a comunidade: “Une pessoas de classes, religiões e profissões diferentes por um bem comum. E todas lidam umas com as outras sem julgamento, através da arte, do desporto e da tecnologia”. “Acho isto maravilhoso e adoro ser parte do projeto.”
Por sua vez, José María del Corral, teólogo que é o diretor mundial da fundação, considera que com a ida do Papa à Scholas Occurrentes “se fez história”, indicando que a “Capela Sistina” agora instalada no edifício amarelo “transcenderá a Jornada”. “O Papa usou o pincel para nos unir”, rematou com um sorriso no rosto.