“Um pouco menos de conversa, um pouco mais de ação.” Os acordes da música de Elvis Presley ouvem-se nas colunas do Parque de Exposições de Aveiro, levam as mãos de Carla Castro ao ar e colocam na voz da candidata à liderança da Iniciativa Liberal uma promessa que soa a recado: se for a sucessora de Cotrim Figueiredo haverá menos ruído e mais trabalho.
A chuva e o temporal não afastaram as mais de 150 pessoas que assistiram num ambiente festivo (até com crianças de caras pintadas) à apresentação da lista de Carla Castro. Mas as paredes ao lado não são de boa memória para a história recente de um outro partido de direita: foi naquele pavilhão de Aveiro que o CDS elegeu Francisco Rodrigues dos Santos para a presidência, que naquele cargo não conseguiu ser eleito deputado e perdeu toda a representação parlamentar dos democratas-cristãos. A Iniciativa Liberal, que em parte tomou conta do local, é hoje casa de vários ex-CDS (e até PSD), o que pode ser comprovado até na lista de direção escolhida por Carla Castro.
Ironia das ironias, o outro lado (a lista de Rui Rocha) alega que — caso Carla Castro ganhe — pode acontecer ao partido o que aconteceu aos centristas com o anterior líder, uma vez que é na linha da continuidade que estão as principais figuras do atual. Bernardo Blanco, apoiante de Rui Rocha, chegou a dizer isso mesmo na Vichyssoise: “O maior perigo é a IL tornar-se no CDS e morrer.” Carla Castro tem agora esta coincidência de lançar a candidatura no local que entronizou Francisco Rodrigues dos Santos.
Por estes dias, e durante um mês agitado na Iniciativa Liberal, o que não tem faltado é um bruaá constante nas redes sociais por onde muitos liberais circulam e numa corrida a dois — entre Rui Rocha e Carla Castro — que tem polarizado o partido entre quem quer seguir a linha do presidente demissionário da IL e quem faz parte de uma corrente alternativa.
Num discurso com pouco mais de meia hora em que houve palavras elogiosas para cada um dos 20 membros da Comissão Executiva escolhida por Carla Castro (15 efetivos e cinco suplentes), nem uma palavra para o adversário e colega de bancada parlamentar. Rui Rocha não entrou nem por um segundo na sala que serviu de arranque de campanha, mas não foi o único que passou despercebido.
Logo no arranque, Carla Castro fez um agradecimento aos fundadores (“sem eles não estávamos aqui”) e aos presidentes do partido: “Miguel Ferreira da Silva, Carlos Guimarães Pinto, que me desafiou para ser número dois em Lisboa e que me convidou para a Assembleia da República e para dirigir e criar o gabinete de estudos e, mais recentemente, ao João Cotrim Figueiredo.”
O nome do presidente liberal que foi o primeiro deputado eleito pelo partido — e com quem Carla Castro dividiu o gabinete parlamentar ainda antes de a IL ser reforçada com oito deputados — surgiu apenas uma vez em todo o discurso, sem qualquer referência específica ou agradecimento. Nas entrelinhas só apareceu mais uma vez, quando a candidata ao seu lugar fez questão de citar uma das frases mais utilizadas por Cotrim Figueiredo: “Não me esqueço que o liberalismo funciona e faz falta a Portugal.”
Carla Castro fez questão de mostrar que tem “orgulho” no trabalho que foi feito nos últimos anos pela IL, mas recordou que o partido está numa “fase de decisão” em que é preciso contribuir para um “Portugal mais liberal”. Os temas que destacou provam que não se quer afastar da linha seguida pelo partido (a grande diferença entre os dois candidatos está mesmo a nível interno): o sistema de educação “profundamente desigual”, a saúde onde “grassa o desespero ou a desesperança”, a saúde mental, o ambiente, a Segurança Social “falida” e o ataque ao PS que “esconde os problemas para debaixo do tapete”.
“O país precisa de investimento, de criação e de riqueza, mas tem medo de falar de empresas, de empresários, de capital ou de mercados. Mas nós, liberais, não temos medo”, frisou, antes de ter falado na “nossa Iniciativa Liberal”, um trunfo usado como uma forma de união, e de se ter dirigido diretamente a algumas pessoas do público: “Eu conto contigo e contigo e contigo.”
Carla Castro estava em casa e prometia uma IL mais aberta em termos de internos, com uma “capacidade unificadora” e capaz de “crescer a partir dos membros e da estrutura local”. Aproveitava o espaço para falar para dentro e ainda para deixar uma certeza a quem critica uma possível rutura com o passado pela ausência de alguns dos membros considerados pilares fundamentais no crescimento da IL: “Nós conhecemos o partido, sabemos aquilo que o partido precisa para crescer e para evoluir. Sabemos da organização, descentralização e robustecimento interno, para passar a ser um partido que consiga marcar a agenda política local e nacional e fazer ouvir-se ainda mais.”
E ainda para quem a acusa de estar perto de uma linha mais conservadora — pela forma como lhe foi prestado apoio no momento de apresentação da candidatura — além de não incluir na equipa ninguém com ligações conhecidas à Lista B (que procurou chegar a um entendimento), também esclareceu que “nenhuma bandeira liberal fica esquecida, seja económica, política ou social”.
Carla Castro garantiu que consigo na liderança há “aspirações de governo” na Iniciativa Liberal e anunciou os objetivos eleitorais para o ciclo que se segue: eleger na Madeira, duplicar nos Açores (onde tem um deputado), eleger nas Europeias e “chegar a terceira força política nacional” — lugar que neste momento pertence ao Chega.
Mayan e a “inquietude perante unanimismos”
Pouco antes de Carla Castro subir ao palco, foi Tiago Mayan Gonçalves — um dos mais aplaudidos da tarde — que abriu as hostes, como um homem “livre e desvinculado” e um “militante de base” que apoia a deputada na corrida à sucessão de Cotrim Figueiredo.
Notando que “nunca esteve em causa a matriz ideológica do partido de ser liberal em toda a linha nem a estratégia de crescimento da IL no panorama político-partidário português”, Mayan não deixa de referir que há “grandes diferenças entre os candidatos nas abordagens internas”.
“Além de um partido de ideias, somos partido de princípios e valores e aplicação desses princípios e valores será crucial para o sucesso. Temos de ser a mudança que queremos para o país, sob pena de sermos hipócritas. Inebriados pelo sucesso e pelo poder, podemos bem perder a alma e, se perdermos a alma, perdemos tudo”, afirmou, frisando que um partido que propõe um Portal da Transparência tem de ser “aberto nas suas decisões e nos contratos que celebra”.
E disse mais: “O partido que, no país, critica um Governo gordo, com comportamento de cúpula e irresponsável tem de apresentar uma equipa de liderança eficiente, com competências claramente definidas, que trabalhe em rede e que não tema ser escrutinada” e que “o partido que levanta a bandeira da descentralização tem de não só repor a autonomia que foi retirada aos núcleos, como até reforçá-la”.
Tiago Mayan Gonçalves elogiou ainda Carla Castro por ter avançado para a corrida e fê-lo em jeito de crítica à candidatura de Rui Rocha — que é acusada de ser a sucessão de Cotrim Figueiredo pelo apoio do próprio presidente demissionário — acusando-a de centralismo. “Teres tu avançado neste momento é para mim a prova definitiva da tua coragem em não te ficares quando sentiste, como boa liberal que és, uma inquietude perante unanimismos.”