Emília Vieira, a presidente da Casa de Investimentos, investe em ações que criem valor para os seus clientes. Na bolsa portuguesa encontrou o oposto: várias sociedades que destruíram dinheiro para os seus acionistas. O Banco BPI foi uma delas, mas a gestora acredita que compraram agora a um bom preço, que lhe dá uma margem de segurança.

Conheça a estratégia de investimento e as principais apostas da sociedade gestora de patrimónios, que, nos últimos cinco anos, ganhou mais do que Warren Buffett, a sua referência. Embora não esteja limitada aos mercados acionistas, Emília Vieira não aplicaria em Obrigações do Tesouro ou em Certificados do Tesouro. O Estado português “não é um emitente excecional”, avisa.

A Casa de Investimentos celebrou o quinto aniversário na semana passada. Nestes cinco anos, quanto deram a ganhar aos vossos clientes?

Nestes cinco anos, a rentabilidade anualizada é de 12,63% e a rentabilidade acumulada é de 80,47%. Ou seja, o cliente que tivesse aberto a conta há cinco anos estaria hoje a ganhar 80%.

É um valor líquido de comissões?

Este valor é líquido das comissões de gestão, dos custos de transação, da guarda de títulos. É a rentabilidade líquida dos clientes.

12,63%

Esta é a rentabilidade anual dos primeiros cinco anos da Casa de Investimentos. O ano de 2015 está a ser particularmente difícil. “Em maio passado, [a rentabilidade anual] ainda era superior a 15%”, conta Emília Vieira. A queda do retorno deve-se ao aumento da liquidez das carteiras dos clientes, resultado da estreia de novos grandes clientes e da venda de ações.

Fonte: Casa de Investimentos. "2010-2011" desde 15 de novembro de 2010. "2015" até 30 de outubro de 2015.

A rentabilidade destes primeiros cinco anos bate 86% dos fundos de ações mundiais comercializados em Portugal, mas fica aquém dos índices de ações mundiais, como o MSCI World. Estão satisfeitos com o desempenho?

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Estamos satisfeitos com o desempenho. Um índice é um compósito dos bons e dos maus negócios. Não leva em conta a liquidez que está disponível. A liquidez que viemos acumulando ao longo do tempo – à medida que a Casa de Investimento é mais conhecida, é natural que as contas que abrimos sejam de maior dimensão – pesou-nos na rentabilidade. A liquidez não é mais do que flexibilidade para comprar negócios extraordinários que entretanto ficam baratos. Tivemos uma rentabilidade muito boa com um risco muito menor.

Pode não ser justo comparar com um índice, mas é justo comparar com fundos?

É justo, mas são coisas muito diferentes. Uma grande parte dos fundos de investimento está centrada no curto prazo. Tentam muito mais seguir o que o mercado está a fazer do que fazer a coisa certa para os clientes. Como somos os donos da empresa [Casa de Investimentos], somos os acionistas, somos os gestores, somos quem verdadeiramente entende como se deve gerir dinheiro, temos o privilégio de poder fazer a coisa certa, investir no que é melhor para o cliente.

No entanto, como revelou à Mulher Executiva, estão a preparar um fundo de investimento.

É verdade. Não podemos ter muitos mais clientes do que aqueles que temos hoje [na gestão de patrimónios]. Com o fundo de investimento, queremos ter uma alternativa de investimento para a poupança mais pequena, para quem tem cinco mil euros para investir. Para abrir conta na Casa de Investimentos são necessários 50 mil euros, mas, a muito curto prazo, teremos de alterar este montante para um valor significativamente mais elevado. Isto não quer dizer que não temos interesse em ter a poupança mais pequena; não teríamos operacionalmente a mesma facilidade de lidar com os clientes.

1,95%

A Casa de Investimentos cobra uma comissão de gestão e uma comissão de performance aos seus clientes. No máximo, revela Emília Vieira, a comissão fixa, quando não há comissão de performance, é de 1,95%. “É em linha ou abaixo dos fundos e não tem comissão de subscrição, não está sempre a fazer transações”, conta. A isto é preciso somar os custos de bolsa, “mas são muito negligenciáveis”, diz Vieira.

Pode deduzir-se que a subscrição só poderá ser feita junto da Casa de Investimentos?

Não, tentaremos que seja comercializado por um banco. Temos estado em conversa com duas instituições. Queremos selecionar alguém que seja uma entidade segura. Queremos que, depois na colocação do fundo, o faça de forma esclarecida.

Do ponto de vista do cliente, em termos fiscais é mais vantajoso subscrever um fundo do que ter a carteira de gestão de patrimónios?

A alteração na legislação no início do ano dita que sim. Agora também vamos ver o que vai acontecer, se há ou não um governo diferente, se há ou não mudanças. Nos fundos de investimento, as mais-valias só são tributadas à saída, o que é uma vantagem enorme para os investidores. Se afetam poupança para longo prazo e se nós conseguirmos capitalizar sem que este valor seja levantado, obviamente que os lucros globais, não sendo tributados em 28%, uma taxa muito agressiva, serão muito mais.

A taxa de tributação deveria ser inferior?

Deveria ser inferior. É justo que haja um imposto, mas deveria ser um valor mais baixo, que estimulasse as pessoas a poupar.

Emília Vieira explica, em menos de um minuto, o que é o investimento em valor.

Porque elegeram Warren Buffett como vossa principal referência na estratégia de seleção de ações?

Porque conseguiu criar uma riqueza enorme para ele e para quem, há 50 anos, começou a investir com ele na Berkshire [Hathaway]. Com princípios sãos de investimento, conseguiu criar um património extraordinário para os acionistas.

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Emília Vieira diz que Warren Buffett, tal como ela, diz sempre a mesma coisa, o que pode ser monótono para quem ouve ou lê. “O difícil é dizê-lo com palavras diferentes”, explica. As cartas que Buffett escreve anualmente aos acionistas conseguem, através de exemplos, ensinar consistentemente os mesmos princípios sem nunca aborrecer. A presidente da Casa de Investimentos recomenda “Berkshire Hathaway – Letters to Shareholders, 1965-2014”, o livro que compila as cartas do guru da bolsa.

Seguem atentamente as compras que Buffett faz e divulga trimestralmente?

Seguimos. Gostamos sempre de verificar o que faz e posso dizer que influencia [as decisões de investimento]. No início de 2012, estivemos a comprar uma empresa, a Johnson & Johnson, entre 50 e 60 dólares. Na altura, o senhor Warren Buffett, passado pouco tempo de comprar, vendeu, a cerca de 65. Isso fez-nos voltar às demonstrações financeiras dos últimos dez anos e ver porque estava ele a vender, o que estávamos a ver na empresa que ele não estava. Da análise que fizemos, ficámos muito confortáveis: era uma empresa com muito dinheiro no balanço, com uma geração de free cash-flow [fluxo de caixa livre] muito consistente e sempre crescente, uma empresa que pagava há 53 anos consecutivos dividendos e que também era muito disciplinada a alocar capital. Foi um teste à nossa capacidade de navegar sozinhos. Resultou muito bem: vendemos a empresa em meados do ano passado entre os 105 e os 106 dólares.

Warren Buffett conseguiu 19,4% por ano nos últimos 50 anos. Qual é a vossa expectativa para os resultados alcançados anualmente pela Casa de Investimento no longo prazo?

Gostávamos de conseguir essa taxa. Gostávamos de conseguir 15%.

Braga no WSJ

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Em março de 2013, o diretor de investimentos da Casa de Investimentos, Hugo Roque, foi destacado pelo The Wall Street Journal como um dos analistas mais certeiros em todo o mundo, de acordo com uma análise do portal SumZero, uma rede social fechada aos investidores profissionais.

Recentemente, Hugo Roque voltou a estar entre os melhores do SumZero, revela Emília Vieira. Devido a um erro do portal (que usou a cotação na Alemanha da Sonaecom), o diretor “acabou por não ficar com o primeiro lugar, como deveria ter sido, mas mereceu uma menção honrosa”, conta Vieira. Isso “permitiu que uma gestora canadiana, um fundo de pensões inglês e dois fundos americanos” consultassem a Casa de Investimentos para se tornarem clientes.

Crédito: The Wall Street Journal

Todavia, Buffett tem ganho cada vez menos. Aliás, nos cinco anos que terminaram em setembro, a Berkshire Hathaway acumulou um ganho de 66,35% ou 10,71% por ano, menos do que a Casa de Investimentos conseguiu para os seus clientes. Não pode acontecer o mesmo a vós?

No longo prazo, penso que não. No dia 24 de agosto, quando o mercado abriu, não quis acreditar quando vi a General Electric a cair 20%. A General Electric está a fazer lucros todos os dias! Porque estava a Johnson & Johnson a cair 18% a 20%? Iremos sempre tirar partido destas grandes oscilações e do temperamento dos investidores. Costumo dizer que devemos comprar a pessimistas e vender aos otimistas.

A Casa de Investimento investe maioritariamente em ações, o que é diametralmente oposto ao que faz a maioria dos gestores de patrimónios em Portugal. Como um todo, as carteiras portuguesas de gestão de fortunas tinham menos de 7% aplicados diretamente em ações no início do ano. Porque preferem ações?

O que efetivamente cria riqueza no mundo são as empresas. Enquanto a população do mundo consumir os bens e serviços que produzem, as empresas têm muito mais capacidade para remunerar devidamente o capital do que outras classes de ativos.

A presidente da Casa de Investimentos explica porque todos os investidores deveriam investir em ações.

Investir em obrigações não é um bom negócio?

Hoje são investimentos terríveis. As obrigações têm uma relação inversa com as taxas de juro. Se vivemos num contexto, que nunca vimos na história, de taxas de juro próximas de zero, obviamente que agora só podem subir. O preço das obrigações irá cair – e já estão a cair. O grande problema dos investidores é confundir risco com volatilidade. Risco é a probabilidade de perda permanente de capital. A volatilidade é a variação temporária, o que não quer dizer que seja definitiva. Se o investidor estiver financeira e psicologicamente preparado para ver a sua carteira de títulos variar todos os meses, não tenho dúvida que faz um investimento muito melhor em ações do que em obrigações.

Uma Obrigação do Tesouro português que dê 2,5% por ano na próxima década tem riscos?

Do Tesouro português? Tem imensos riscos. Por vezes, os investidores de Obrigações do Tesouro ou de Certificados do Tesouro sentem-se muito confortáveis, porque, na data x, recebem o cupão, o juro ou o seu dinheiro. Essa certeza não lhes deve transmitir segurança, porque, durante o período, o dinheiro é comido pela inflação. No caso do Estado português, há ainda um risco acrescido: temos uma dívida que é 130% do PIB [produto interno bruto], temos uma situação política extremamente instável e não sabemos se teremos governantes que vão mudar tudo. O país deveria ser também gerido com uma margem de segurança, e não o é. Alguém que endivida tanto o país, obviamente que não está a gerir com margem de segurança.

Contratar sem fazer concorrência à banca

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A Casa de Investimentos gere 80 milhões de euros, mais 32% do que no início do ano, distribuídos por cerca de 200 clientes, revela Emília Vieira. Embora não tenham um objetivo para o valor global administrado, a presidente da gestora de fortunas calcula que terá de aumentar a atual equipa de oito profissionais, mas o perfil dos candidatos tem de ser o certo.

Não pode ser um papagaio. Não queremos fazer concorrência à banca. Tem de ser gente com conhecimento que tem o princípio, o gene, o prazer de criar valor a correr nas veias. No setor financeiro, as pessoas estão demasiado formatadas para retalhar o dinheiro por muitas oportunidades e, sobretudo, concentradas na comissão”, explica Vieira.

Uma coisa é certa: a Casa de Investimentos manter-se-á em Braga. Não é mais difícil gerir dinheiro no Minho, garante a presidente. “A Internet chega lá à mesma hora que chega aqui a Lisboa, Nova Iorque ou Tóquio.”

A Casa de Investimento não está limitada a ações?

De maneira nenhuma. Não temos problema em investir em obrigações quando o emitente é excecional e quando nos pagar o devido rendimento.

Quanto teriam de render as Obrigações do Tesouro para considerarem o investimento?

Não investiria no Estado português.

Não é um emitente excecional?

Não, não é um emitente excecional.

Quais são os instrumentos financeiros que são populares entre os portugueses mas que não o deveriam ser?

Depósitos a prazo, que hoje pagam praticamente zero, muitos fundos e produtos estruturados. Não percebo como é que alguém que não consegue entender estas estruturas que são tão complexas – que são jogos de “ses” e “mas”, que fazem lembrar a máquina do casino que está construída para beneficiar a casa – aloca aí dinheiro. É preferível ter um rendimento próximo de zero.

Cerca de um terço do património dos clientes das gestoras individuais de ativos está aplicado em instrumentos portugueses. Portugal é o seu principal destino de investimento. Não é o vosso?

Não é o caso da Casa de Investimentos. Da mesma maneira que vamos ao supermercado e bebemos Coca-Cola, compramos o gel de banho da Johnson & Johnson, compramos produtos da Kraft Foods, também devemos investir nas empresas mundiais. Há grande vantagem em diversificar pelo mundo.

Fazem cobertura cambial nos investimentos fora de Portugal?

Não fazemos cobertura cambial. Achamos que o dólar continua a ter capacidade de se valorizar. Quando se faz o hedging [cobertura] da moeda, está a perder-se uma parte da vantagem de ter moedas diferentes, que é a diversificação.

Que têm em Portugal?

Atualmente temos ações do BPI.

Criticou mais do que uma vez o Banco Comercial Português. Há algumas semanas, num artigo na Vida Económica, o BCP foi um exemplo de um aumento de capital na forma de uma operação de troca de obrigações. Confirma-se que o BCP é uma máquina de destruição de dinheiro, como já disse no passado?

O BCP foi uma máquina de destruição de dinheiro. Não foi só o BCP. Foi o que se passou na Portugal Telecom, em que nunca investimos, foi o que se passou no Banco Espírito Santo e foi o que se passou no BPI. Teria sido muito melhor para os acionistas do BPI que o banco tivesse sido comprado quando teve a oferta do Millennium [em 2006]. O BCP desde 2000 até agora, em 15 anos, fez 18 aumentos de capital. Não é nisto em que acreditamos.

E o que vos leva a investir no BPI agora?

O banco vale agora substancialmente mais do que está a cotar. Está a cotar a cerca de 50% do valor contabilístico. O BPI é gerido de uma forma mais conservadora [do que o BCP] e acreditamos que temos o dinheiro dos clientes protegido. Na carteira dos nossos clientes, o BPI representa 2%. Atribuímos ao BPI o peso que leva em conta ele estar numa economia que cresce muito pouco, estar num ambiente muito adverso e ter a particularidade de ter o negócio em Angola, ter de enfrentar as imposições do Banco Central Europeu.

Como revelou ao Observador há pouco mais de um ano, investiram no BES no verão de 2013. Pode dizer-se que foram enganados?

Claro que sim. Fomo-lo pelas contas. Ganhámos dinheiro das duas vezes que investimos no Banco Espírito Santo. Procuramos investir com enorme margem de segurança confiando nas contas. Precisamos que essas contas sejam confiáveis. Veio a revelar-se que não eram. Comprámos das duas vezes sempre com um desconto de mais de 50% sobre o valor contabilístico, também levando em conta o facto de poder haver alguma criatividade na contabilidade do banco. A valorização foi muito rápida e vendemos 80% da posição. Os restantes 20% vendemos no dia em que não apresentaram contas à primeira vez.

Quais são as ações nas quais os vossos clientes têm mais dinheiro aplicado?

Atualmente, o título que mais temos em carteira é IBM, cujo maior acionista é Warren Buffett, que tem estado a reforçar. Temos vindo a comprar nos últimos dois anos. Merece cerca de 10% da alocação das nossas carteiras. No passado, apenas três títulos mereceram uma alocação semelhante ou superior. A Johnson & Johnson – que nos deu uma valorização de mais de 80% – que teve 12,5% de investimento. A Microsoft, na qual investimos 10%. Comprámos na casa dos 25 [dólares] e estivemos a vender recentemente pelos 54. Temos ainda um valor residual nas carteiras. E Wells Fargo, um investimento que fizemos ao longo de 2009, ainda antes de sermos Casa de Investimento. Em 2011, quando foi o downgrade [redução da notação] da dívida americana, foi um momento extraordinário para voltar a comprar um banco excecional a preços muito simpáticos. É um ativo que ainda temos em carteira e que tem acumulado um ganho superior a 120%.

Foi o melhor investimento até hoje?

Não foi. Temos um conjunto muito bom de excelentes investimentos. Investimos na Medtronic a 34-35 dólares. É uma empresa de equipamentos médicos – desfibrilhadores, etc. – que vendemos recentemente a 76. Investimos na Berkshire, que ainda temos. Na France Télécom [atual Orange], foi um investimento muito rápido em que ganhámos 93%.

E o pior?

Foi a AIG, que continua abaixo do nosso valor [de compra]. Aprendemos. Quando os investidores perguntavam se não era bom ter um bocadinho de BCP ou de PT à medida que caiam, eu respondia que é muito difícil recuperar de perdas. Quando compramos um ativo a dez e ele cai para cinco, perdemos 50%. Para o cliente ficar a zero, tem de recuperar 100%. Alertamos os nossos clientes para o risco e tentamos fugir a sete-pés dos especuladores.