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Fachada do edifício da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 16 de abril de 2024. CARLOS M. ALMEIDA/LUSA
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CARLOS M. ALMEIDA/LUSA

CARLOS M. ALMEIDA/LUSA

Empresa controlada pela Santa Casa no Brasil tinha várias contas bancárias "secretas"

Auditoria forense encontrou contas em seis bancos brasileiros que não estavam identificadas na contabilidade da MCE, a empresa na qual a Santa Casa tem 55%. Mas não tem informação sobre os movimentos.

A auditoria forense à operação internacional da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) deparou-se com falta de informação sobre contas bancárias da participada no Brasil, a MCE, e sobre quem tinha autorização para movimetá-las.

Os trabalhos da BDO, em particular os pedidos de documentos, arrancaram em setembro do ano passado, mas só este ano, e graças a um relatório obtido junto do Banco Central do Brasil, é que foi possível encontrar pelo menos seis contas bancárias associadas a essa empresa brasileira. As contas não constavam da contabilidade da MCE e a auditoria não conseguiu obter mais informação sobre os respetivos movimentos até à entrega do relatório final em abril.

A Santa Casa Global é dona de 55% da MCE – Intermediação e Negócios, empresa de prestação de serviços da lotaria convencional e das lotarias instantâneas Raspa e Joga no estado do Rio de Janeiro. Esta operação tem estado no centro das preocupações relativas aos maus resultados da internacionalização da Santa Casa e é apontada como a responsável pela maior fatia das perdas de mais de 50 milhões de euros atribuídas a este projeto. São ainda sugeridas irregularidades e desconformidades nos processos de criação e operações empresariais, tendo, mais recentemente, sido noticiadas eventuais ligações financeiras ao crime organizado no Brasil. A auditoria forense é omissa sobre esta questão, em parte porque, sabe o Observador, não há documentação sobre alegados pagamentos.

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Segundo informação obtida pelo Observador, a BDO procurou fazer a circularização (processo de confirmação oficial) dos bancos com quem a MCE trabalhava, mas apenas foram enviadas cartas de confirmação da relação comercial com o Santander Brasil que, contudo, não identificou quem na empresa — da qual a Santa Casa detém 55% (através da Santa Casa Global) — estava legalmente habilitado para movimentar as contas e autorizar operações.

Foram as notícias publicadas no Brasil a referir transferências de receitas da Loterj para uma conta da MCE no Bradesco que fizeram disparar o alerta junto dos auditores de que poderia haver outras contas. A Loterj é a empresa do estado do Rio de Janeiro concessionária das lotarias e que tinha um contrato com a MCE.

E só quando se recorreu ao Banco Central do Brasil para a emissão de um relatório de contas e relacionamentos é que foi identificado um conjunto de contas bancárias em nome da MCE que não constam da contabilidade da empresa e sobre a qual a BDO não dispõe de qualquer informação.

O levantamento pedido ao banco central brasileiro encontrou contas em mais seis bancos — Itaú Unibanco, Pinbank, Mercado Pago, ASA-AS, Pagaseguro Internet e Banco Seguro — além do Santander. E, mesmo no caso do Santander, a circularização não permitiu todas as respostas, nomeadamente sobre quem na estrutura empresarial brasileira da Santa Casa tinha poder para movimentar as contas.

Esta nota é feita no relatório final de auditoria concluído a 30 de abril, com base na referida documentação que só foi obtida a 3 de abril, justificando-se, com isso, porque não tinham sido enviadas cartas de circularização para esses outros bancos, desconhecendo-se, assim, “as disponibilidades e responsabilidades associadas”.

E não havia mais tempo. A BDO já tinha pedido sucessivos adiamentos para a entrega da auditoria forense contratada pela gestão de Ana Jorge em julho do ano passado. A Santa Casa, por seu lado, estava sob pressão pública e política para fechar este dossiê e colocar um ponto final no ciclo de notícias negativas que vinham das operações internacionais. Os obstáculos no acesso a informação financeira sensível, como é o caso das contas bancárias, mostram como a tarefa de auditoria estava particularmente condicionada pela falta de colaboração por parte dos sócios minoritários da Santa Casa ou até dos gestores nomeados para o Brasil e cuja atuação estava também a ser escrutinada.

Só em outubro é que os dirigentes da Santa Casa Global, que estavam também na Santa Casa Global Brasil, foram afastados por iniciativa da mesa. Ouvidos entretanto no Parlamento, Ricardo Gonçalves e Francisco Pessoa e Costa contra-atacaram e responsabilizaram a mesa pela saída abrupta da Santa Casa dos compromissos brasileiros, resultando no fecho da torneira financeira que levou alegadamente ao alastrar das perdas e ao surgimento de novas contingências. Esta tese acabou por ser adotada pela nova ministra do Trabalho e Segurança Social, Rosário Ramalho, que acusou a estratégia de corte radical de Ana Jorge de ter ampliado as perdas para 80 milhões de euros. A ex-provedora justificou o travão às transferências com despesas “opacas e pouco fundamentadas” e com a falta de recursos da própria Santa Casa.

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Contratos sem autorização da tutela podem ser juridicamente nulos

Neste auditoria a BDO avisa que os negócios da internacionalização foram feitos sem a autorização da tutela contrariando o que determinava o despacho da ministra Ana Mendes Godinho quando aprovou a constituição da Santa Casa Global. Podem ser assim juridicamente inválidos, ao abrigo dos estatutos da Santa Casa, que remetem para o Código Civil (artigo 294). Sendo esta uma norma imperativa e não derrogável, “os investimentos realizados sem autorização da tutela não são suscetíveis de conversão em negócios jurídicos válidos”.

As operações são do tempo em que Edmundo Martinho era provedor, mas as deliberações relativas às operações de internacionalização foram aprovadas por outros membros da mesa, como o próprio já tinha afirmado. O antigo provedor também já assumiu publicamente que não submeteu as transações à tutela porque considerou que não seria necessário, até porque existiam planos e orçamentos com investimentos para a área internacional que, afirmou, eram aprovados pela então ministra Ana Mendes Godinho.

Os planos de atividade e orçamento "estavam sempre sujeitos à aprovação prévia da tutela e lá estava expresso os montantes e destinos desses investimentos", disse Edmundo Martinho

MÁRIO CRUZ/LUSA

Outras falhas legais apontadas passam pela falta de atas das reuniões das assembleias gerais e das administrações de empresas participadas pela Santa Casa Global (algumas existem, mas não estão assinadas) e pela não nomeação de órgãos de fiscalização previstos nos estatutos da empresa. A primeira falha não permitiu certificar a qualidade e a suficiência dos poderes atribuídos a quem assinou os contratos a vincular a instituição portuguesa, nem se as operações estavam regulares. Esta situação pode igualmente ter como consequência a invalidade dos negócios jurídicos subjacentes, na medida em que tal esteja previsto nas leis dos países em que as operações foram realizadas.

A não nomeação pela sócia única (a SCML) de um revisor oficial de contas efetivo (mais um suplente), não respeitando os estatutos da SCG, é suscetível de ser imputada aos membros da administração da empresa que não cumpriram os deveres de diligência e cuidado que os obrigaria a ativar as nomeações oficiosas ou judiciais. O Código das Sociedades Comerciais considera que, nestas situações, os gerentes podem ser demandados pelos credores, sócios e terceiros por eventuais danos que tal omissão de atuação tenha provocado.

Santa Casa exige pagamento de quase 61 milhões de euros a ex-administrador

A não designação dos órgãos fiscalizadores, ainda que a BDO refira a existência de relatórios para 2021 e 2022 para as quais foi contratada, pode ainda agravar a responsabilidade dos gestores da SCG na medida em que não foram publicadas as conclusões das auditorias aos relatórios que “não se revelaram favoráveis”, evitando que a informação chegasse a terceiros, incluindo credores.

A auditoria forense, segundo dados recolhidos pelo Observador, indica que até julho de 2023 saíram 15 milhões de euros de fundos da SCML para Santa Casa Global e para a Santa Casa Brasil, entre capital e suprimentos (empréstimos acionistas). No mesmo período, a Santa Casa Brasil gastou 24,1 milhões de euros, incluindo 12 milhões por conta das garantias prestadas pela casa-mãe em Portugal ao Santander Brasil. Também foi assinada uma carta de conforto para o Banco de Brasília de 9,5 milhões de euros para uma parceria para os jogos sociais do distrito federal que foi desfeita entretanto.

O universo empresarial no Brasil com ligações à Santa Casa envolveu outras sociedades, como a Santa Casa Capitalização, a Empresa de Promoção de Vendas e a Novo Rumos, mas o principal negócio no Brasil foi a compra de 55% da MCE concretizada em setembro de 2021.

Santa Casa enfrenta processos dos acionistas da MCE e da Loterj

O contrato fixou um preço de 91 milhões de reais (14 milhões de euros ao câmbio atual) que poderia ser ajustado para 120 milhões de reais (mais de 20 milhões de euros) num cenário em que o contrato com a Loterj fosse prolongado por mais 12 meses. O pagamento foi acordado por fases, das quais 35 milhões de reais seriam pagos em 2021 no quadro da assinatura do contrato, 28 milhões de reais seriam pagos 12 meses mais tarde, 14 milhões no período de 24 meses (até setembro de 2023) e os últimos 14 milhões já em 2024.

Foi ainda acordado um mecanismo de ajustamento do preço com partilha de perdas da MCE entre comprador e vendedor. Em setembro de 2022, foi introduzido um aditamento ao contrato que renegoceia o pagamento dos 28 milhões de reais com juros de 1,8% ao mês, uma taxa de juro implícita anual de 33% e em duas prestações fixas.

Ana Jorge justificou travão a transferências para o Brasil com “despesas opacas e pouco fundamentadas" e com a falta de recursos da própria Santa Casa

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Estas duas últimas tranches não foram pagas por ordem da mesa de Ana Jorge em 2023, e a Santa Casa enfrenta um processo no Brasil. Face ao contrato, a Santa Casa está em situação de incumprimento, “já que sem justificação ou notificação aos vendedores faltou ao pagamento das prestações devidas”. A dívida registada era de 28 milhões de reais, cerca de 5 milhões de euros.

Foi identificada uma ação de execução extrajudicial apresentada pela Ragdoll Empreendimentos (acionista da MCE) para cobrar da Santa Casa Global 31 milhões de reais, alegando vencimento antecipado das parcelas do preço de aquisição previsto no contrato de compra e venda. Na opinião da Stocche Forbes Advogados, escritório contratado pela Santa Casa, “existe probabilidade efetiva de se perder a ação”.

Segundo o Público, foi exigida uma caução à Santa Casa Global Brasil de sete milhões de euros.

Esta não é a única contingência relacionada com o lotaria do Rio de Janeiro, já que a Loterj reclama da SCML o pagamento de quase 33 milhões de reais (5,6 milhões de euros) pelo alegado incumprimento reiterado da MCE na entrega das receitas das vendas da lotaria (entre maio e dezembro de 2023). O contrato previa que a MCE recolhesse as receitas da Loterj e fosse depois remunerada por esse serviço. No entanto, a auditoria considera que a SCML não é garante das obrigações assumidas pela MCE que é uma sociedade de responsabilidade limitada e defende que uma eventual responsabilidade estará limitada aos fundos que colocou na empresa, através da Santa Casa Global Brasil.

Além do investimento na aquisição da participação, a SCML assumiu compromissos no financiamento às operações no Brasil no total de 12 milhões de euros, através de duas cartas de crédito a favor da Santa Casa Brasil usadas no Banco Santander Brasil. A primeira de 6,6 milhões de euros é assinada em julho de 2022 e a segunda de 5,5 milhões de euros é de  2023, vencendo ambas em 2027. Estas garantias são apontadas como mais um incumprimento das instruções dadas pela tutela que estabeleceu como baliza a “limitação da responsabilidade jurídica e patrimonial da SCML face a cada um dos projetos de internacionalização”.

 
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