Estamos aqui no fim ou quase no fim de uma pandemia tão dolorosa. Isto é o 10 de junho de 2021. Isto é a Madeira. Isto é Portugal”

Marcelo Rebelo de Sousa quis dar um sinal de esperança de que estas comemorações fazem-se num contexto de fim (ou “quase fim”, numa referência mais prudente) da pandemia. Mais à frente no discurso, o Presidente lembraria que há um ano o 10 de junho foi comemorado com apenas oito pessoas no claustro dos Jerónimos, enquanto agora são centenas ou milhares de pessoas que participam nas comemorações.

Somos a nação que somos por sermos universais e, por isso, denominador comum como tem demonstrado António Guterres como secretário-geral da ONU“.

Para Marcelo a grandeza do País faz-se pela sua universalização e fez a referência a António Guterres no discurso para demonstrar que os portugueses conseguem chegar aos lugares de topo a nível mundial. Foi já durante esta visita à Madeira, em Câmara de Lobos, que o Presidente, por iniciativa própria, informou os jornalistas que a reeleição de António Guterres como secretário-geral da ONU estava praticamente assegurada, uma vez que o Conselho de Segurança da ONU assumiu como sua a candidatura.  Só falta mesmo o aval da Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Nestes quase dois anos a pandemia surgiu e tudo, ou quase tudo, suspendeu, adiou, atropelou, atingiu (…) Portugueses, não serão as imensidades destes desafios que nos desviar do nosso futuro. Que se desenganem os profetas da nossa decadência ou da nossa finitude.”

O Presidente da República, que se assume como um “otimista moderado” (por oposição ao primeiro-ministro, “otimista irritante”), está confiante de que Portugal vai conseguir ultrapassar a crise económica e social. Nesse aspeto, atira-se — sem identificar ninguém — aos profetas que dizem que o país vai sofrer violentamente no pós-pandemia e que terá muita dificuldade em reerguer-se.

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O mar exige mais de nós, que o assumamos em palavras, mas também em obra. É necessário reforçar a nossa estratégia de liderança dos oceanos, que se reforce com urgência. É necessário fazer da conferência dos oceanos um marco nesse caminho que percorremos desde os mandatos de Presidentes como António Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio ou Aníbal Cavaco Silva com sucessivos governos da República e regionais que se passem para nunca perdermos o rumo nem a urgência desse rumo. Este 10 de junho convida-nos a sermos melhores neste desafio fundamental para a nossa diferença do mundo.

Uma das grandes exigências da elite política madeirense — a par de um aprofundamento da autonomia e de alterações à Lei das Finanças Regionais — foi uma maior aposta no Mar. Marcelo destaca que é nos oceanos que pode estar a “diferença” de Portugal no mundo, já que é isso que a história demonstra. Para este aspeto conta o facto de, mesm sendo um país territorialmente pequeno, Portugal ter a terceira zona económica exclusiva da União Europeia. Mais uma nota: como habitualmente nos discursos, Marcelo evoca os seus antecessores, de Ramalho Eanes a Cavaco Silva, para os elogiar. Neste caso, o pretexto foi o mar.

A terra, esta terra exige mais de nós, que não o esqueçamos nos próximos anos. Que não nos limitando a remendar o tecido social ferido pela pandemia, reconstruamos esse tecido a pensarmos em 2030, 2040, 2050.”

Marcelo Rebelo de Sousa faz a que não se aponte para repor o País que existia até março de 2020, mas investir em desenhar um plano de recuperação de longo prazo que corrija as desigualdades sociais nas próximas décadas.

É necessário agir em conjunto, com organização, transparência, eficácia, responsabilidade, resultados duradouros, que tudo façamos para o conseguimos num apelo à convergência para aproveitar recursos e criar um espírito novo para todos e não uma chuva de benesses para alguns, que se veja com olhos de interesse coletivo e não com olhos de egoísmos pessoais e de grupo. Este 10 de junho interpela-nos a não desperdiçarmos o acicato dos fundos que nos podem ajudar, evitando poder fazer em tempo, e por muitos anos, o que fizemos tantas vezes na nossa história, com o ouro, com as especiarias, com a prata e, mais perto de nós, com alguns dos dinheiros comunitários. (…) Ainda mais vontade de não desperdiçar um cêntimo que nos chegue à nossa terra”

Marcelo coloca o olho na ‘bazuca’ e não quer que os fundos vindos da Europa para a recuperação económica sejam desaproveitados como no passado foram as especiarias na rota das índias, o ouro do Brasil, ou mesmo os fundos comunitários nos anos 1980, 1990 ou 2000. Nesta mesma linha, o Presidente volta a apelar à convergência partidária e entre instituições, num objetivo comum que permita não desperdiçar “um cêntimo” da ‘bazuca’ (palavra de que Marcelo não gosta) devido a querelas políticas. Faz ainda um aviso: que estes fundos não sejam uma “chuva de benesses para alguns” nem ao serviço de “egoísmos pessoais”.

É necessário prosseguir e melhorar o que já fizermos no ensino da Língua de Camões, na proteção social, nas condições efetivas para que os passos enormes já dados no voto, desde os tempos em que se negava esse voto nas Presidenciais, de modo a que não se tenha de percorrer milhares de quilómetros para percorrer. É necessário ultrapassar um estranho complexo que de vez em quando ainda nos domina, a nós, que não conhecemos uma família que não tenha, pelo menos um dos seus lá fora, recusamo-nos a converter essa realidade em prioridade nacional, em vez de ser um acaso, uma saudade desmedida pelas férias, um aceno simbólico de discursos, uma revolta solidária quando elas ou eles sofrem injustiças ou dramas intoleráveis, que continuemos a ultrapassar esse inimigo.

Marcelo Rebelo de Sousa lembra os avanços que existiram nas últimas Presidenciais para facilitar o voto dos emigrantes portugueses. Ainda assim, diz que o País continua sem cuidar dos seus emigrantes como devia, já que apenas se indigna quando há uma grande polémica a prejudicar um português ou só se lembra de quem está fora em período de férias. Para o Presidente é preciso passar das palavras aos atos.

Esta terra chama-nos também à razão perante alguns dos nossos emigrantes que, para fugirem dos dramas das paragens onde começaram ou recomeçaram o seu caminho, se acolhem às origens. É necessário recebermos ainda mais do que temos recebido, lembrando as centenas de milhares que voltaram de outros continentes há meio século. E os muitos outros que durante séculos chegaram e permaneceram ou chegaram e partiram num vaivém que é a nossa maneira de ser dos portugueses. Que os recebamos de forma mais solidária.”

Na Madeira há vários emigrantes da Venezuela que, desde que a situação económica no país de Maduro piorou, procuraram refúgio na região. Esses emigrantes — com quem o Presidente se foi cruzando nos últimos dias — queixam-se de sofrerem algum estigma social e de não lhes serem dadas condições para reconstruir a sua vida na Madeira. Marcelo faz esse apelo, lembrando que o País já passou por isso quando os retornados foram para o continente durante o processo de descolonização.

Nunca nos esqueçamos disto: somos uma pátria de emigrantes e, por isso, estranho será se além de fazermos mais pelos nossos emigrantes não pensarmos e sentirmos que não podemos querer para os nossos emigrantes aquilo que negamos aos emigrantes dos outros entre nós. Que nos dão natalidade que não temos, serviços básicos de que precisamos, contributos para a riqueza nacional. Como aconteceu em pandemia quando tantos emigrantes de outros, vivendo entre nós, nos ajudaram a não parar setores inteiros como a construção civil. Este 10 de junho é oportunidade para agradecermos a irmãos de nacionalidade que, por esse globo, criam Portugais. Para agradecermos a esses outros irmãos de humanidade, que nos são tão úteis para o que queremos pronto, mas não pelas nossas mãos aquilo que realizam em Portugal.”

É a mensagem de Marcelo sobre os imigrantes das plantações de Odemira e de outras zonas do País que não têm condições laborais, nem condições de habitabilidade. Para Marcelo, se os portugueses e o Estado português exigem que os emigrantes (alguns seus familiares) sejam bem tratados fora do País, têm de garantir o mesmo para imigrantes (que são os “emigrantes dos outros países” em solo nacional).

Ainda mais sentido humano a receber os nossos irmãos de nacionalidade que nos chegam por uns tempos regressados para partirem, bem como os não portugueses , uns e outros tantas vezes esquecidos nesse mundo subterrâneo que serve à nossa vida e que fazemos de conta que não existe ou existe pouco.”

Marcelo insiste que o País assobia para o lado perante as condições em que vivem vários imigrantes. Lembra que esses “não-portugueses” fazem todos os trabalhos que os portugueses não querem. E que os portugueses — usufrindo do conforto desses serviços — ignoram essa realidade ou tentam desvalorizá-la.

Resta uma palavra nestes anos de pandemia longos e dolorosos, para com os milhares e milhares e milhares de todos os portugueses, que estiveram mês a mês, semana a semana, hora a hora, segundo a segundo, a cuidar de todos nós.Simbolizando todos eles num dia que é de Portugal, que é das Comunidades, mas também das Forças Armadas, homenageando hoje os três ramos (Armada, Exército e Força Aérea) e quem conjugou o esforço comum, do Estado Geral Maior das Forças Armadas, carregando as insígnias da Ordem Militar de Cristo, que bem merecem pela intervenção que tiveram nos lares com emergência, pela preparação das escolas pela garantia da vacinação em massa. Por terem estarem sempre onde era imprescindível”.

O Presidente da República enfrenta um certo desconforto das chefias dos três ramos das Forças Armadas, em virtude da nova lei orgânica retirar poder aos chefes da Armada, Exército e Força Aérea. No primeiro 10 de junho após essa crispação, Marcelo decidiu “homenagear” e “condecorar com a Ordem Militar de Cristo” os três estados-maiores, bem como quem reforça o poder com a nova e polémica lei (o Estado Maior-Geral). Pretexto? O trabalho durante a pandemia. Incluiu aqui o trabalho de um homem que não se cansa de elogiar, Gouveia e Melo, quando referiu a “garantia da vacinação em massa”.

“Este 10 de junho de 2021 é um diia tão diferente do 10 de junho de 2020, em que éramos 8 naquele claustro dos Jerónimos. Hoje estamos aqui presentes centenas, milhares, ao longo destas ruas. A vida continua. A nossa vida continua. A nossa vida recomeça. A nossa vida reconstrói-se, olhando para o futuro fiéis a quase nove séculos de história, sempre sob o signo da eternidade.”

Marcelo terminou o discurso como começou, a lembrar que este 10 de junho ainda tem restrições e não decorreu como planeado, mas teve uma grande evolução face ao que ocorreu há um ano. As pessoas estão menos fechadas em casa e isso é sinal de que a pandemia evolui favoravelmente. A mensagem, neste caso, não precisa de entrelinhas e não podia ser mais clara: “A vida continua”.

Correção: Na versão original deste artigo era referido que o Presidente sugeriu que se aproveitasse os fundos como no passado o país aproveitou o ouro do Brasil e as especiarias. O sentido é precisamente o inverso, uma vez que o Presidente queria que o país não desaproveite como aconteceu nesses momentos da história.