Quem o ouça pode inferir que as coisas são mais simples do que são. Como por exemplo arredar o PSD do palco ou entrar na sede do governo regional da Madeira com a porta escancarada. Fala de “proximidade”, repete muitas vezes que “quer ter o cidadão no centro das suas preocupações e prioridades” se chegar ao governo, debita medidas como se tudo estivesse numa folha de Excel e fosse só seguir a lista. Mas a verdade é que Paulo Cafofo, presidente da autarquia do Funchal reeleito com maioria absoluta, tornou verosímil o combate político entre o poder e a oposição no arquipélago. Coisa nunca tida nem havida em décadas de “jardinismo” — e já se fazem apostas. Mérito do possível cansaço do PSD mas mérito dele, sem dúvida. “Independente” correndo às próximas legislativas com o apoio do PS madeirense e o (enorme) empenho do PS nacional (é a única flor que falta a Costa), Paulo Cafofo, 47 anos, é determinado, persistente, bem falante. E… talvez mais prudente do que o seu prolixo e tão confiante discurso deixaria adivinhar. Não, não são ainda favas (já) contadas.
Quando em 2013 o desafiaram para concorrer à Câmara do Funchal contra o número dois do ex-presidente do município, Miguel Albuquerque, não estranhou o convite a um professor liceal sem experiência política?
Achei estranhíssimo. Disse-lhes que só podiam estar doidos: convidarem alguém sem experiência nem intervenção partidária para concorrer à maior câmara da Região Autónoma da Madeira? Que procurassem outro!
Porque acha que a escolha recaiu em si?
A razão é simples. A minha única participação política foi no Sindicato dos Professores da Madeira, onde fui Secretário Nacional da Fenprof, representando as pessoas daqui, a nível nacional. Um dia — em 2009 ou 2010 — houve um episódio passado comigo na inauguração da sede do nosso sindicato que me levou a pedir a minha demissão. Considerei que a forma como tinham sido negociadas as verbas para o financiamento da nova sede questionavam a imparcialidade e a independência sindical face ao poder político. Apesar de não se tratar de dinheiro do governo regional, o gestor dos fundos europeus era o próprio governo e lá estava o dr. Alberto João Jardim na inauguração! Demiti-me de vice-coordenador do sindicato.
Essa história foi a semente?
Foi. Quase logo a seguir fui convidado para o “laboratório de ideias” do PS…
…que o PS regional replicou aqui na Madeira?
Com uma diferença — e grande, quanto a mim. O então líder, dr. António José Seguro, fez de facto um “laboratório de ideias”, mas com gente do PS. Aqui foi sobretudo concretizado com gente da sociedade civil. Gente independente. Coube-me coordená-lo com a deputada do PS da região, Liliana Rodrigues, professora universitária.
Não julgo que a iniciativa promovida por António José Seguro no continente tivesse sido exclusivamente feita à base de socialistas, pelo contrário. Voltando a si: Paulo Cafofo e o PS começavam a namorar?
O PS aqui na região teve sempre um problema de quadros, mas as coisas são o que são: durante quase 40 anos houve aqui um poder do PSD que soube ser catalisador e… poder é poder. A verdade é esta!
A verdade é uma sociedade civil débil e tão desativada que nem fornece quadros aos socialistas ou a grande maioria dos madeirenses preferia sempre o PSD?
O PSD soube, de forma muito inteligente, montar uma máquina de tudo o que era organizações desportivas, sociais, culturais, cujos dirigentes eram captados pelo partido, conseguindo captar também alguma sociedade civil. Era preciso resgatá-la, uma coisa é o poder político, outra é a sociedade civil. Esta região nunca teve uma maturidade democrática porque houve sempre um poder regional monocolor, aquilo a que eu chamo uma monotonia democrática, felizmente quebrada em 2013.
Está a falar de si e da sua primeira vitória eleitoral na Câmara do Funchal. Começou, porém, por recusar. O que o fez achar que era capaz, após ter dito a quem o convidara que “estavam doidos”?
Eles foram convidando outros que foram recusando, porque ninguém acreditava na possibilidade de uma vitória. Então disse a mim mesmo: “Se tenho sido coerente com o que sempre pensei, com o meu contributo em termos de cidadania, não vou agora dizer que não”. Aceitei o desafio, formei a equipa e começou um novo ciclo na política regional.
Mas quase logo a seguir, e em paralelo, começou outro: com a chegada, ao fim de quase 40 anos, de um combatente solitário ao PSD.
Está-me a obrigar a falar do Miguel…
…estou a convidá-lo.
A leitura é muito fácil. O Miguel Albuquerque não era o escolhido do Alberto João Jardim. E quando se apercebeu que não era o seu delfim, apesar de todo um percurso ao lado do líder do PSD e dos cargos que exerceu ao longo da sua vida político-partidária, decidiu romper. Fê-lo de uma forma obviamente oportunista mas ao mesmo tempo oportuna: criou a ilusão dentro do partido que era a alternativa ao poder na região e que essa alternativa estava dentro do PSD. E com isso ganhou o partido e a seguir, com todo o desgaste do fim do ‘jardinismo’ e com o dr. Jardim mal tratado pelo próprio PSD, ganhou a região. Em resumo: foi mais do mesmo, não houve nem renovação, nem verdadeira mudança.
De qualquer maneira não foi o PS que “ocupou” esse desgaste nem que convenceu os madeirenses que seria um melhor agente da mudança. Ainda foi o PSD, trazendo um outro ar e outro respeito pelo parlamento e pelas instituições da democracia.
É verdade que esta ideia de renovação surtiu os seus efeitos. Mas se me disser que temos uma sociedade aberta, não temos: temos uma sociedade civil que embarcou numa ilusão.
O que parece é que a luta política está tão acesa contra Albuquerque que se começam a ouvir súbitos elogios ao dr. Alberto João.
Não, não. Apenas gosto de tratar os adversários com o respeito que me merecem. Mas não confundamos as coisas: o episódio da minha demissão do sindicato por discordar da presença do do dr. Alberto João Jardim na inauguração da sua sede, torna-me insuspeito. Voltando à “renovação”: quem vive aqui na região, e viveu a transição dentro do PSD e do governo regional, percebe que não ocorreram mudanças estruturais nos termos daquilo que a região precisa. Aquilo que noto nas ruas, nas conversas, é o cansaço das pessoas. Estão desiludidas. Criou-se a ideia de que “seria” diferente mas a situação, tendo outros protagonistas, não melhorou relativamente a uma perspetiva de desenvolvimento e uma estratégia para a região.
Alguma vez se lembra do que se dizia no continente em 2014? Que o PSD e o CDS em 2014 estavam “desfeitos”, a troika massacrara o país, o povo estava infelicíssimo e a coligação moribunda E depois ganharam as eleições.
Eu tenho os pés assentes na terra, conheço esta realidade social. Há um estilo diferente, é inquestionável, e mudanças que se procuraram introduzir. Mas há deceção e muito cansaço.
No fundo, o que me tem estado a dizer — por outras palavras – é que houve uma “ abertura” consigo na autarquia do Funchal e que o “novo ciclo político” foi afinal iniciado por si?
Claramente. Alguém que não tinha qualquer participação partidária e era independente conseguiu criar um projeto político diferente daquilo que existia até à data, assente numa coligação que também criámos. Mais: a nossa forma de estar na vida política foi sempre esta, de abertura.
Abertura: como a define?
A grande diferença é que o nosso projeto iniciou uma coligação com a sociedade civil. É isso que todos nós precisamos de respirar
Uma coligação com a sociedade civil, como?
A minha forma de exercer o poder é claramente em coligação com a sociedade civil. Mas deixe-me dizer que não me deslumbro com o que tem sido o meu percurso político, sempre tive a consciência das dificuldades. E da dificuldade que será ganhar as eleições em 2019: uma coisa é o poder autárquico e a consolidação dele por maioria absoluta em 2017, na minha reeleição, outra coisa é a eleição para o governo.
Não é justamente nas autárquicas que o eleitor muitas vezes se dá ao luxo de passar um cartãozinho amarelo aos governos e depois votar neles nas legislativas?
De acordo, eu próprio disse que era difícil, embora acredite: a esperança encabeçada pelo Miguel Albuquerque virou desilusão. Há obviamente uma diferença entre Alberto João Jardim e Miguel Albuquerque, mas não chega para concretizar as alterações a uma nova forma de fazer e estar na política. Por isso é que insisto em dizer-lhe que em 2013 se iniciou um percurso que acredito que irá contagiar a região, apesar da natureza diferente das eleições.
Excesso de otimismo…
Estamos a abalar um sistema montado há 40 anos, e isso obviamente provoca um sismo, e os sismos provocam fissuras, e as pessoas podem ficar alarmadas…
…ah…
A verdade, porém, é que o facto de ser popular, de me reconhecerem credibilidade, de ter inovado com a abertura à sociedade civil, projetou um percurso feito numa autarquia que é um polo político com peso, sendo a capital. Sinceramente não me parece normal, para alguém que não teve um caminho político-partidário, assumir uma liderança e lograr um projeto político vencedor, congregando vários partidos.
É filiado no PS?
Não, mas milito ideologicamente nessa área.
Em Lisboa andam consigo ao colo. A grande aposta do PS nacional para as próximas eleições regionais na Madeira está centrada na sua liderança e numa réplica de uma geringonça madeirense, vencedora. Não há quem ignore isto no mundo socialista, foi-me, aliás, confirmado por um ministro de António Costa.
Têm surgido soluções diferentes e tem havido personalidades políticas a “fazer diferente”. Nós temos um Papa que se distingue de todos os que o antecederam por aquilo que é o seu pensamento, a sua proximidade e empatia pelas pessoas. E os grandes líderes, na verdade, são pessoas simples, que conseguem comunicar a sua leitura social de forma visível e próxima. Temos um Presidente da República que se distingue também pela sua forma de estar na política e sobretudo temos uma opção de governação no país que seria impensável há meia dúzia de anos.
E que Paulo Cafofo quer absolutamente replicar aqui, sob a sua liderança?
No sentido diferenciador, em que a forma de fazer política, as opções escolhidas, a forma pessoal da relação com o poder — o poder também é uma forma de exercício pessoal — seja diferenciadora do que existia.
Qual a sua relação com António Costa? Recente, ao que consta.
Muito recente. Não posso dizer que seja uma relação “pessoal”, nem somos amigos de longa data. Mas na opinião do PSD às vezes até parece que há aqui uma máquina montada para tomar de assalto o poder na região e derrubar o governo de Albuquerque e o seu partido.
E não há? Mas porque fala em assalto? Estou a falar-lhe numa estratégia em parte importada de Lisboa, na qual o PS nacional está muito empenhado, e não de um assalto.
Mas o projeto político é feito aqui na região! A minha condição de independente não é só um rótulo, nem é isso que é importante porque obviamente assumo a proximidade ideológica com o PS. Sucede é que as soluções para a Madeira estão nos madeirenses. É verdade que nunca o secretário-geral do PS, um partido que nunca aqui ganhou eleições, teria esse desejo se não visse credibilidade em nós. Não se trata de derrubar o PSD, mas de governar a região, numa estratégia a dez anos, assente numa vontade popular. Dizem que temos uma máquina? A máquina são as pessoas que encontro diariamente na rua no Funchal, em Machico, em Santa Cruz.
Não pode negar o empenho nem a bênção de Lisboa: para António Costa é fulcral fechar o bouquet eleitoral com uma flor madeirense. Fará o que for preciso. No Congresso do PS na Batalha, onde Paulo Cafofo esteve, só faltou colocarem-no num altar.
Sim, não sejamos ingénuos, o destaque que tive na Batalha não foi por acaso, corresponde a esse grande desejo do PS…
Perceberam que havia finalmente alguém na Madeira que talvez pudesse acabar com o reinado do PSD, mesmo fora das fileiras do PS/M? Tardou mas arrecadou, é isso?
É simples: se qualquer partido tem como objetivo conquistar o poder — e o PS nunca o conquistou aqui — é natural que hoje, face aquilo que tem sido o meu desempenho no Funchal e a capacidade que observam em mim para encabeçar um combate político na previsibilidade de poder sair vencedor, sim, é natural que haja essa grande vontade. Mau era se assim não fosse. Mas isso é uma coisa, outra coisa é o que estamos a construir aqui na Madeira.
Antes disso: que significa hoje o PS na Madeira? Que expressão tem?
A de um partido autárquico, o que é muito importante, o poder autárquico confere os alicerces. O poder está nas pessoas quererem ativamente participar na construção do futuro da região. É o que estou a fazer com elas. Sou genuíno, tenho uma forma muito direta no contacto, perco-me na rua a falar com as pessoas, o que se reflete nos índices da minha popularidade. E gosto muito daquilo que faço. E sim, ouça, há uma estratégia nossa: já reparou que o presidente do PS madeirense não é o candidato a presidente do governo regional?
Toda a gente reparou: foi preciso pescar fora dessas águas para tentar ganhar e trocou-se o líder do PS madeirense, Emanuel Jardim Fernandes, por Paulo Cafofo na candidatura à chefia do governo.
O Emanuel é alguém de grande valor, um resiliente, com quem tenho uma grande cumplicidade. Só ganhou o Porto Moniz — tão pequenino! — à sexta vez. Não é qualquer um. Todos esquecem que numa autarquia pequena às vezes há fatores que são mais difíceis, em termos de abertura, de relacionamentos pessoais. Ao propor ao PS/M como candidato a primeiro-ministro o meu nome, que ele sabia ser querido pelas pessoas, mostrou uma grande humildade: cada um dá o contributo que acha que é necessário para a mudança. Não é nada normal em política um líder dizer ao seu partido “o meu candidato é aquele que os madeirenses querem”, nem o nosso projeto é de um homem só, nem eu sou o herói. Tenho de ter as pessoas comigo, a sociedade, o povo, o que só se faz envolvendo as pessoas. É por isso que na construção deste percurso adotei algo que teve sucesso: os Estados Gerais. Definimos dez áreas de coordenação, dez áreas políticas, tendo convidado pessoas da sociedade civil para encabeçar essa coordenação. A primeira convenção – Saúde, Economia – foi um sucesso, congregaram-se vontades e gentes para mudar. Será isso que fará a diferença naquilo que serão as opções de futuro, a caminho de um projeto vitorioso…
O otimismo parece a ser uma espécie de primeira prioridade.
A minha participação na política tem sido pela positiva. Já bastam as críticas do PSD. As pessoas querem alguém que dê esperança, seja positivo e apresente soluções…
Não pode negar que também critica continuamente o poder…
Quando somos críticos apontamos logo uma solução. A política deve ser feita envolvendo os outros, mas são precisas propostas. As nossas não são para derrubar mas sim para construir. É a minha maneira de estar na política, é nisso que acredito.
Lidera uma coligação de cinco partidos entre as oito formações partidárias com representação parlamentar.
PS, Bloco de Esquerda, Ecologia Para o Povo, PDR, do Marinho Pinto e o Nós Cidadãos. São estes os cinco partidos.
E esta gente vai toda consigo as eleições?
Neste momento é muito prematuro falarmos de coligações no espectro das eleições regionais. À partida, pelas posições entretanto já tomadas pelos partidos, o cenário mais plausível será cada um por si. Não estou porém preocupado em discutir agora coligações, mas sim em discutir ideias com um projeto, gente e capacidade para ser alternativa credível aqui na região. O mais importante, o mais difícil, não é ganhar eleições….
…é o depois? O day after?
Estou a preparar-me para governar. A erguer um projeto com substância e solidez, para não defraudar seja quem for. Mas se me perguntar alguma coisa neste momento, direi que estamos a viver aqui um momento que é único.
Porquê?
Por ter introduzido aqui esta nova maneira de estar e de fazer política, com uma outra matriz daquilo que é o exercício do poder. Não havia esse hábito, com tantos anos de exercício do poder personalizado em Alberto João Jardim, mas sinto tranquilidade por aquilo que está a ser construído. E acima de tudo quero vincar muito bem um aspeto essencial: as soluções da Madeira estão nos madeirenses. Hoje em dia fala-se muito de autonomia…
Então peço lhe que fale também…
É um instrumento absolutamente indispensável contra o centralismo de Lisboa que existe nos partidos e em todas as áreas políticas e tem de ser combatido. Nenhum desenvolvimento da região — este que observamos hoje — teria ocorrido sem este poder autonómico. Mas ele tem de ser responsável: temos de exigir respeito a Lisboa. Somos muitas vezes desrespeitados e Portugal por vezes esquece-se que é um país melhor, maior, com outra valência, quer cultural, quer económica, com esta plataforma marítima que a Madeira tem. No contexto geoestratégico, político e económico, somos uma grande vantagem para o país. É que às vezes parece que a região é uma despesa, uma fonte de despesismo. Pelo contrário: Portugal valoriza-se com a Madeira e os Açores.
Considera que há um sentimento generalizado de que as ilhas são despesa?
Muitas vezes há, sim. Felizmente existe uma forma — a autonomia — de combater o centralismo e simultaneamente desenvolver a região. Mas se digo que temos de exigir respeito, direi também que temos de nos dar ao respeito: a autonomia não é uma mão estendida a pedir uma esmola. Se exigimos ser tratados como portugueses de primeira, compete-nos fornecer as soluções que consideramos mais corretas e não esperar que seja a República a fazer tudo. Como se fosse o Papa!
Neste caso o Papa é o PSD?
Não podemos estar a gritar do Funchal para Lisboa, não é responsável. O que vejo é um PSD e um presidente do governo que manda bocas daqui para lá, mas não está interessado em resolver os problemas, porque a luta pelos interesses dos madeirenses não existe…
Está a dizer-me que o atual governo não se interessa pelos interesses madeirenses?
A sua única luta é evitar que o Paulo Cafofo seja o próximo presidente do governo. Isto é, utilizar a autonomia para fins de manutenção no poder, fins de luta partidária, e não para resolver os nossos problemas. Há aqui dossiers que já deviam estar resolvidos.
Insisto: acha a sério que o presidente do governo utiliza a autonomia prioritariamente para o combater a si? Explique lá isso melhor.
Neste momento, para tirar dividendos políticos, não há intenção de resolver os diferendos com a República e isso para mim é grave. A autonomia é para resolvermos os nossos problemas, mas exigindo também aquilo que são as responsabilidades que cabem a Lisboa.
Qual foi o primeiro-ministro que na sua perspetiva melhor atuou em termos da autonomia?
Em relação com a Madeira, e em momentos difíceis aqui da região, um bom exemplo foi António Guterres. E porquê? Saldou a dívida do dr. Alberto João. José Sócrates teve a Lei de Meios, que foi fundamental para a ajuda que foi canalizada para a reconstrução da região. Eis dois bons exemplos. E o António Costa está comprometido com a Madeira…
Mas ficará ainda mais se um dia Paulo Cafofo estiver sentado na Quinta da Vigia, não é verdade?
Obviamente que António Costa e eu somos os principais interessados em que se resolvam os problemas da Madeira — a questão do hospital, a solução dos juros da dívida, a questão do subsídio de mobilidade, por exemplo – e também não é segredo que o seu desejo é que eu saia vencedor destas eleições. Mas por essa mesma razão é que não há interesse em solucionar os problemas daqui… O ónus recai sobre ele e sobre mim!
Que opina sobre o primeiro-ministro, para além do elogio?
É um político com visão, aberto, conhecido por tratar das coisas. Tem feito bem ao país. De um ponto de vista geral – mesmo com problemas ou falhas – é essa a perceção das pessoas.
Pelo modo como tem vindo a falar, parece estar empolgado com a sua própria descoberta da política. Está?
A política é para resolver problemas. Temos de ter sempre essa noção de serviço – resolver as questões. Mas há também um fator que é o poder “fazer diferente”. A maior gratidão da política é essa: chegar ao fim do dia e perceber que fizemos diferente, solucionando. E então aí o poder autárquico ajuda muito, todas as pessoas deviam passar por essa experiência! Evidentemente que nem sempre fazemos tudo bem, nem sempre tomamos as opções corretas, todos nos enganamos. Temos é de ter a humildade de aprender e ouvir, mas com a confiança na nossa capacidade em poder concretizar aquilo que são os anseios de uma população.
Reparei que, ao longo do nosso diálogo, falou várias vezes entusiasticamente da sua “coligação com a sociedade civil” sem, porém, a definir ou enquadrar. E assumiu com convicção que fazia “diferente na política”. Pergunto: isso chega como programa? Qual é finalmente o seu projeto político para a região da Madeira se um dia vier a governar? O que o define?
O papel que a sociedade civil tem nas políticas que definem o meu projeto para a Madeira é um dos pontos mais importantes do que será a nossa candidatura: queremos uma política do diálogo constante, com escrutínio público estimulado como exercício da cidadania. O estímulo pela participação cívica na política e na decisão é para mim um importante instrumento de governação. Sempre agreguei ideias e opiniões de várias pessoas e quadrantes da sociedade. Será essa a base do meu programa para a região que nasce da cidadania ativa e participativa, para a qual todos os madeirenses podem contribuir com ideias.
A Madeira tem a mesma cor política no poder há mais de 40 anos e continua a conviver mal — há vários exemplos — com a crescente afirmação de alternativas de governação. O povo sabe o que quer e eu quero dar voz aos madeirenses: eles sabem que há outra forma de governar.
Podia ser mais concreto?
Os Estados Gerais, que iniciámos mais de um ano antes da data previsível para as eleições, são bom exemplo. As pessoas querem ser ouvidas, ter palco de afirmação e participação cívica e demo-lo num fórum de ideias agregador e inclusivo que será a base do programa eleitoral, onde as diversas áreas governativas regionais estão a ser discutidas. Foi a maior iniciativa do género alguma vez organizada na Madeira. É esta a minha matriz política: diálogo constante com todos — mesmo com todos –, prática que nunca existiu em mais de 40 anos de autonomia.
Não será gente de mais para ouvir? Que competirá então a Paulo Cafofo?
Quero ouvir todos, sim. Mas tenho a minha visão, assente em três áreas — Educação, Economia e Saúde — para uma nova geração de políticas públicas, que nos permita crescer a nível económico e social, promover a sustentabilidade do território, fixar as pessoas na região, dar futuro aos nossos jovens.
A educação é uma prioridade?
Absoluta. Só melhorando todos os seus indicadores almejaremos a um desenvolvimento económico sustentável. A educação é determinante no nosso sucesso como região autónoma, enquanto economia competitiva e enquanto sociedade. Há que redefinir o modelo educativo da Madeira, diminuindo os atuais níveis gritantes de abandono e insucesso escolar para os mais baixos do país; reformar o sistema educativo regional, garantindo condições de excelência para os jovens. É inadmissível que alunos deixem de estudar por questões financeiras. Nem podemos mais formar jovens madeirenses, grandes talentos, para que depois emigrem para outras geografias para construir uma carreira profissional, por falta de oportunidades aqui: o sucesso da nossa reforma educativa está relacionada com as políticas económicas da região.
Já entrámos na economia…
A Madeira tem de crescer a um ritmo muito superior ao de hoje. Para tornar possível repor progressivamente o diferencial fiscal no prazo de uma legislatura — um dos nossos compromissos. É urgente tornar a região mais competitiva, com alterações substanciais na qualidade e racionalidade do investimento público realizado, e nos apoios às pequenas e médias empresas: novos empregos e melhoramento decisivo das condições para quem quer investir na Madeira. O governo regional tem o dever de criar as condições para um ambiente económico gerador de oportunidades e emprego. Só aumentando a escala da nossa economia aumentaremos a receita fiscal no seu todo. Como? Dando condições a fileiras determinantes na nossa economia para que se afirmem e desenvolvam: no turismo, agricultura, serviços. Apostaremos e incentivaremos a economia do Mar, com propostas concretas no nosso programa.
Falta a saúde.
Reduzir as listas de espera (atualmente há 18.000 pessoas em lista de espera) reorganizando o setor, em diálogo com os profissionais de saúde. Apostando nas redes de cuidados de saúde primários e domiciliários, promovendo o envelhecimento ativo, criando as condições para uma saúde mais próxima das pessoas. Investir na fixação dos profissionais de saúde, criando as condições para que aqui possam desenvolver a sua atividade profissional, motivados e respeitados. Eliminar entraves à livre circulação dos utentes entre o Sistema Regional de Saúde e o Sistema Nacional de Saúde. Desburocratizar. E uma importante bandeira será ainda um programa de saúde escolar que promova a prevenção das nossas crianças e jovens.
Fala como se tudo fosse mais simples do que é. E se nada disso for avante? Ou se perder?
Não sou agarrado a nada. Saio daqui e vou para professor, tenho uma carreira, adoro lecionar, o que me dá uma imensa liberdade e liberdade é isso: saber que estou aqui numa missão com um objetivo e um projeto mas sempre consciente que de hoje para amanhã acaba, porque esta não é a minha vida. Não era antes, não vai ser depois…