A revisão do polémico regime de benefícios fiscais aos não residentes não está na proposta de Orçamento do Estado para 2020, mas pode vir a ser tema da discussão do documento no Parlamento. Em entrevista ao Observador, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais diz que o Governo “não faltará a esse debate”. António Mendonça Mendes revela que os resultados deste programa, que tem atraído muitos reformados estrangeiros (e que também se aplica a portugueses que viveram fora) por causa da isenção de pagamento de IRS nos primeiros dez anos, vão ser avaliados no próximo ano. Mas defende que estes contribuintes também trazem receita e considera que não são os responsáveis pela “especulação imobiliária”.
Sobre as mexidas do IVA na eletricidade, o secretário de Estado admite todos os cenários, incluindo a aplicação das três taxas (reduzida, intermédia e normal) em função da energia consumida. E deixa um aviso: se a oposição forçar a descida indiferenciada para 6%, esta será a primeira medida a voltar atrás quando existirem dificuldades orçamentais. No IRS para jovens, o secretário de Estado assinala que nos rendimentos mais baixos a poupança no imposto a pagar pode superar os 50%. E diz que o objetivo do Governo com esta medida, bem como da promovida para apoiar o segundo filho, é a de que o número de beneficiários — quase 300 mil — cresça, mesmo que isso custe mais, porque essa seria boa despesa fiscal.
Uma das bandeiras deste Orçamento é a natalidade, com o aumento para a dedução do segundo filho. Mas o que está escrito é que só se aplica quando houver dois ou mais dependentes que não ultrapassem os três anos de idade até ao final do ano a que diz respeito o imposto. Mas disse entretanto que se aplica independentemente da idade do primeiro filho. É mais uma gralha no Orçamento?
Disse e repito — em todas as crianças a partir do segundo filho que nasçam, a majoração da dedução passa de 126 euros para 300 euros. A forma como foi construída a norma era relativamente clara, tanto para nós, Governo, como para a Autoridade Tributária. De qualquer forma, não temos nenhum problema em que, não sendo totalmente evidente, a tornemos evidente.
Sente que há necessidade de retificar essa parte?
Confesso que, face às dúvidas que existam, não temos nenhum problema em fazê-lo, porque o que importa é a medida. É muito importante vencer o desafio da demografia. E temos duas medidas fiscais em sede de IRS: uma dirigida às famílias que queiram ter mais filhos, em que, a partir do segundo filho, até aos 3 anos, seja 900 euros [o ganho acumulado da família]; e outra em que os mais jovens, que tenham associados ciclos de qualificações, possam ficar em Portugal e contribuir para o desenvolvimento do país e, por essa via, para a natalidade.
A medida do segundo filho vai beneficiar quantas famílias? Confirma que são 135 mil contribuintes?
Fizemos as contas àquilo que existe neste momento e a quantos segundos e terceiros filhos existem. Estamos a falar de 135 mil. Mas quando fazemos este tipo de exercício fiscal é exatamente para atuar nas margens, para estimular a que possam ser mais. E, por isso, o facto de partirmos, no IRS jovem, com cerca de 160 mil, ou partirmos, na dedução das famílias, com 135 mil aquilo que é a nossa expectativa é que o número de beneficiários possa ser maior, porque as medidas servem precisamente para incentivar — por um lado, para que as pessoas possam ter mais filhos e, por outro lado, para que os jovens com qualificações possam ter um estímulo de 3 anos em que pagam menos imposto, para podermos competir melhor com alternativas que existem no mundo global.
Já disse que no caso dos jovens estão em causa 160 mil que podem ser beneficiados, mas quantos é que poderão ser abrangidos no primeiro ano?
Em velocidade cruzeiro, estamos a falar de cerca de 160 mil. Temos cerca de 300 mil pessoas entre os 18 e os 26 anos no mercado de trabalho. As nossas contas estão feitas com o impacto direto daquilo que existe hoje e pressupondo, no caso do IRS jovem, que todas as pessoas se mantêm no mercado de trabalho. Mas o que queremos é ganhar mais pessoas. Estamos a trabalhar nesse sentido na concertação social, para alcançar um acordo de rendimentos e competitividade em que os rendimentos dos jovens possam subir. À medida que o rendimento desses jovens qualificados suba, também sobe o número de pessoas abrangidas, assim como, em termos nominais, haverá uma maior expressão do benefício. Estas duas medidas têm um objetivo extra-fiscal: estimular a que haja mais rendimentos dos jovens qualificados e a retenção desses jovens e que as famílias possam ter mais segundos, terceiros, quartos filhos e por aí fora. Esta é uma boa despesa fiscal. Estamos com um cenário base a considerar 50 milhões de euros [para as duas medidas], mas se houver mais pessoas que estejam em condições esta despesa fiscal sobe e significará que estamos a cumprir o objetivo.
E o Governo tem contas a quanto é que um jovem pode poupar em IRS, no caso de um salário médio?
Estamos a falar, a partir do primeiro nível de rendimento, de uma poupança de mais de 50% do imposto. No final da cadeia de rendimentos elegível para este benefício [até 29 mil euros anuais], poupa cerca de 7%. Em termos percentuais do imposto é muito significativo no primeiro ano e também nos anos seguintes. Porque esta conta deve ser feita desta maneira — não é apenas o valor em termos nominais, mas é também o que representa em proporção do que pagava. Agora, tudo depende da situação particular de cada um. Sempre que fazemos simulações, admitimos que o agregado-tipo tem apenas 250 euros de despesas gerais e familiares, mas todos sabemos que há outras deduções à coleta. Portanto, há várias questões que influenciam o resultado final. É importante é que se entenda que um jovem com rendimento médio e qualificações poderá, num primeiro ano, ter uma poupança em relação à taxa de imposto superior a 50%.
25 milhões de euros a dividir por 160 mil contribuintes parece pouco….
A estrutura de rendimentos que o país tem é aquela que tem. Sabemos que há uma concentração da receita de IRS em determinados escalões, porque há muitas pessoas abrangidas pelo mínimo de existência ou pelas taxas mais baixas. E quando estamos a pedir um aumento do rendimento em função das qualificações, estamos ao mesmo tempo a dizer que o Estado tem um incentivo fiscal para também, por essa via, aumentar o rendimento. Porque o objetivo é conseguirmos ter mais jovens qualificados com melhor rendimento. Nos rendimentos entre os 700 e os mil euros [brutos], estamos a falar de uma taxa de poupança do imposto de 56% projetado para o primeiro ano. Se pensarmos nos rendimentos à volta dos 1.900 euros, 2.000 euros, estamos a falar de uma taxa de poupança do imposto de cerca de 17%. É nestas bandas que, aumentando o rendimento, aumentará também o valor em termos nominais da receita que o Estado deixa de arrecadar. Essa despesa fiscal, que subirá, é boa quando cumpre os objetivos. Neste caso concreto, o estímulo é muito claro e o desejo do Governo é mesmo que a despesa fiscal seja mais elevada — significará que há mais jovens que querem ficar em Portugal e com condições salariais mais adequadas.
O Governo decidiu atualizar a tabela de IRS em apenas 0,3%, o que significa que os contribuintes que tenham aumentos salariais correm o risco de perder poder de compra. O Governo decidiu basear-se na inflação deste ano e não na inflação do próximo. Pode garantir que esta regra não volta a mudar durante a legislatura, independentemente das condições das contas públicas?
O ministro das Finanças disse na conferência de imprensa [de apresentação do OE2020] três palavras que são chave: “boas práticas”, “responsabilidade” e “previsibilidade”. Eu gostava de falar destes três eixos para enquadrar a atualização de 0,3% dos escalões. Em primeiro lugar, se reparar, não há nenhuma regra — e é sempre discricionário o grau de decisão do Governo relativamente a este tema. O Governo foi muito claro — as atualizações dos impostos indiretos também são de 0,3% — não é uma previsão, é o último valor da inflação que é conhecido, que é o valor de novembro. E por isso é uma boa prática.
E o que eu lhe pergunto é se é para manter ao longo da legislatura independentemente das condições económicas.
É uma boa prática, responsável e dá previsibilidade. Isto significa que se todos os anos for adotado o mesmo critério, o efeito das atualizações será sempre neutro. E antecipa também — vamos ser claros — que no próximo ano haverá uma nova revisão dos escalões, das taxas ou uma combinação das duas. Portanto, aquilo que nós estamos a ter como critério é algo que existe e não uma previsão, para que não aconteça como no passado muitas vezes, em que, quando a previsão não se verifica, há um efeito contrário.
E, portanto, [essa regra] vai existir ao longo dos quatro anos?
Em IRS, não é incoerente com o que estamos a fazer. Há dois anos, quando alterámos a forma de atualização do mínimo de existência — que deixou de ser um valor fixo para passar a ser uma fórmula ligada ao Indexante de Apoios Sociais (IAS). No mínimo de existência já estamos a fazer uma boa prática, que é com valores reais. É isso que iniciámos este ano. Agora, aquilo que é esperado no próximo ano já não é uma atualização, é uma reformulação.
Mas, ao longo dos quatro anos, só para clarificar, a regra será sempre a mesma?
Quatro anos é um tempo muito longo. Nós estamos a falar neste Orçamento do Estado.
E depois logo se vê…?
Não é depois logo se vê. Achamos que é uma prática responsável, que confere previsibilidade, e aquilo que estou a dizer é que no próximo ano, mais do que a questão das atualizações dos escalões, o tema que se vai colocar é o da reformulação. Por isso, acho que não devemos falar a quatro anos, porque dessa reformulação poderá surgir um condicionamento…
O desdobramento dos escalões…
Ou o desdobramento ou uma combinação de taxas. Mas deixe-me reforçar este ponto: ao estarmos a ter critérios responsáveis, que conferem previsibilidade, nós estamos a continuar a garantir que os portugueses continuam a ver o seu rendimento aumentado.
Falemos sobre a carga fiscal, que volta a atingir um novo recorde. Ou seja, nunca, como no próximo ano, deverão ser cobrados impostos e contribuições sociais em percentagem da riqueza produzida pelo país. Não seria possível, com excedente de mais de 500 milhões de euros, ter mais medidas fiscais que devolvessem rendimento?
Quando estamos a falar de um indicador como a carga fiscal, que depende de outro indicador, temos de ter toda a cautela em relação às conclusões que, porventura, antecipadamente podemos fazer. Tudo aquilo que se disse sobre a carga fiscal de 2017, por exemplo, foi tudo desdito quando o INE fez a revisão do PIB e do crescimento do PIB. Por isso, tudo o que são rácios que têm em conta um indicador como o crescimento do PIB, que está ainda sujeito a revisão, acho que devemos ter muita cautela. Aliás — e isto não tem nenhuma arrogância da nossa parte — o senhor ministro das Finanças uma vez disse uma frase muito interessante: “falta PIB para tanta economia”. E veja bem como não se enganou. O que eu aconselho relativamente à parte fiscal e a conclusões antecipadas sobre o seu peso no PIB é que tenhamos cautela.
Esse número está inscrito no OE2020 como previsão. Não o estamos a dar como adquirido.
A valorização que nós fazemos desse indicador tem essa cautela. Mas também lhe digo que o indicador da receita fiscal é 25,1% este ano e 25,1% no próximo.
Isso é a componente dos impostos. As contribuições sociais são mais 10%.
O que é muito relevante ter em conta nesta discussão não é só a parte do Governo — que, naturalmente, é parte interessada na discussão. Mas o Banco de Portugal, em maio, quando publicou a sua síntese de verão, explicou bem que as medidas de política tinham tido uma influência para descer a carga fiscal e que era a conjuntura, a economia, a responsável pelo acréscimo da receita. E em relação ao excedente, é o excedente de todos os portugueses e beneficiam todos os portugueses.
São os contribuintes que pagam o excedente, nas palavras do ministro das Finanças.
Esse excedente é que nos permite resolver os problemas estruturais do país. O país entende bem a mobilização que temos para cumprir um objetivo, de cumprir o rádio da dívida, para que possa chegar aos 100% no final da legislatura. E o cumprimento desse rácio é muito relevante. Porque é o equilíbrio das contas públicas que nos permite ter graus de liberdade para tomar decisões. Tomar a decisão de investir mais 800 milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde só é possível porque o país tem as contas equilibradas. Agora, se o país tem um problema de endividamento e de endividamento público, nós queremos resolver em termos percentuais no rádio em relação ao PIB, mas também em termos nominais, porque isso é determinante para que o país seja competitivo.
O que está a dizer é que o excedente não serve apenas para baixar impostos, também serve para financiar outras coisas.
A política fiscal equilibrada vai permitindo aliviar gradualmente o esforço fiscal das famílias e das empresas, ao mesmo tempo que assegura o investimento nos serviços públicos, como o SNS ou os transportes, e assegura essa trajetória, que é absolutamente determinante para o futuro coletivo — baixar a dívida. Porque o excedente que estamos a criar para baixar a dívida são menos impostos que estamos a onerar as gerações futuras. Por isso, estamos a fazer alívios fiscais, com as medidas direcionadas às famílias e empresas, ao mesmo tempo investindo nos serviços públicos e não comprometendo as gerações futuras, não deixando impostos para pagar em função da dívida que neste momento fazemos. Por isso é que o excedente é de todos os portugueses — são eles que pagam e que ganham com o excedente.
A medida que pode beneficiar mais portugueses é a descida do IVA da eletricidade. O Governo já tem alguma resposta da Comissão Europeia à proposta que fez para variar a taxa em função do consumo de energia?
Há muito interesse por parte da Comissão neste tema. O Governo não se posiciona numa baixa indiferenciada relativamente ao IVA da eletricidade. Enquadramos o tema numa questão mais vasta, estrutural e determinante, não apenas para o país, mas também para a humanidade e que tem a ver com as alterações climáticas. No quadro do lançamento do green deal, que é uma grande aposta da Comissão Europeia, o primeiro-ministro colocou do ponto de vista político que Portugal está empenhado e que a fiscalidade tem um papel muito relevante. Mas não se pode ficar pelo que é mas fácil, que é a criação de novas taxas e impostos ambientais. É preciso olhar também para aquilo que é a fiscalidade e desafiar aquilo que são princípios basilares como a neutralidade do IVA para atingir um objetivo de política e há necessidade de utilizar também este instrumento para racionalizar o consumo de energia. A medida que propomos é para estimular o consumo eficiente de energia.
Tem a expetativa de que possa vir a ser aprovado?
O primeiro-ministro fez uma iniciativa política ao mais alto nível, o Ministério das Finanças apresentou junto do Comité de IVA e inscrevemos na proposta de lei que apresentamos à Assembleia da República uma autorização legislativa para a podermos concretizar. Agora, não nos enganamos nas prioridades. Não falamos da necessidade de combater as alterações climáticas num dia e no dia seguir esquecemos. Em função de algo que seria uma descida indiferenciada, que aliás teria o pequeno problema — e sublinho o “pequeno” com ironia — de que seria provavelmente a primeira coisa que se iria reverter na primeira dificuldade orçamental que teríamos. Descer o IVA da eletricidade de forma indiferenciada tem o mesmo valor que todo o investimento reforçado no Serviço Nacional de Saúde. O que queremos é descer o IVA em função de escalões de consumo de energia racional.
Para quem é que o IVA vai descer? Todas as famílias poderão ser beneficiadas até um certo patamar de consumo ou estamos a falar apenas das famílias que têm a potência contratada mais baixa?
Temos de encontrar a melhor forma no quadro do funcionamento do IVA. No ano passado, numa medida que foi desvalorizada por muita gente, a redução do IVA para as potências contratadas mais baixas, conseguimos a possibilidade de diferenciar a taxa em relação ao mesmo tipo de bem. E isso permite-nos hoje dar um passo mais ousado, mas também mais seguro.
Estamos a falar de duas taxas diferenciadas ou das três taxas do IVA aplicadas ao consumo de eletricidade?
Porque não queremos fechar nenhuma hipótese, colocamos na autorização legislativa as duas hipóteses — a taxa reduzida e a taxa intermédia — para vários escalões de consumo. O que é importante é não antecipar questões que ainda não se colocam. Depois da iniciativa política e do pedido técnico, estamos a trabalhar no sentido de personalizar escalões de consumo para, em função dessa personalização, aplicar um imposto que não é progressivo de forma progressiva. Isso pode ser feito por aplicação de diferentes taxas, por diferentes escalões ou por conciliar com potências contratadas por cada consumidor.
Mas há o objetivo de beneficiar todas as famílias, pelo menos num patamar mínimo de consumo?
Do ponto de vista da pobreza energética, temos uma medida da anterior legislatura, que é a tarifa social, que chega a 800 mil famílias. Essa é a medida do ponto de vista do apoio social para dar acesso às famílias à energia mais barata. A baixa do IVA que está em discussão visa atingir consumos de energia mais racionais para atingir os objetivos da transição energética.
Mas estamos a falar de um universo potencial de seis milhões de consumidores domésticos que podem vir a ser beneficiados, ou seja, todos?
Temos de beneficiar todos aqueles que tenham um uso eficiente da energia a partir dos critérios que vamos encontrar. É muito mais fácil falar de descidas indiferenciadas, mas também é muito mais frágil, seguramente, em termos de contas públicas. Começamos o ano passado a desfazer a regra do IVA, conseguimos uma exceção, estamos a aproveitar essa exceção e com um envolvimento ao mais alto nível. E, concretizando esta medida, os portugueses podem ter a certeza que é aquilo que fica, fica a sério para as suas vidas. E isso é um ganho inestimável, face a algo que é mais fácil comunicar mas que se esgota na primeira dificuldade que venha existir. Não tenha a menor dúvida.
Quanto é que o Governo está disposto a perder da receita orçamental com a descida do IVA?
O governo está disposto a ganhar em termos de eficiência no consumo de energia e ao nível das alterações climáticas. Não há dinheiro que pague a inação face ao desafio das alterações climáticas. Não é apenas discurso, nem simpatia por algumas figuras.
Não questiono o princípio, mas estou a questionar quanto é que poderia gastar no máximo com esta medida?
O que posso assegurar é que o governo estará sempre em condições de implementar a medida que vier a ser desenhada em definitivo com Bruxelas e no quadro da autorização legislativa com o Parlamento.
Outra bandeira do Orçamento é o sinal dado com a eliminação de benefícios fiscais sobre os combustíveis fósseis. Mas fica-se pelas empresas. Podem eliminar benefícios fiscais nos combustíveis que afetem os utilizadores finais, as pessoas?
O programa do Governo tem o objetivo de transferir gradualmente o esforço fiscal dos rendimentos das famílias e empresas para taxar a utilização de recursos naturais e penalizar comportamentos contrários aos objetivos de descarbonização. Dentro dos 542 benefícios fiscais, decidimos tratar primeiro de um agregado que vale mais de 250 milhões de euros. Vamos continuar a eliminar as isenções nos combustíveis para produzir eletricidade, carvão, fuel e gás natural, mas aqui mais devagar. A transição energética, para ser justa, não pode ser igual para todos. No quadro de descarbonização da indústria, queremos assegurar que a transição seja justa. Mas não atuamos apenas a cortar isenções fiscais. Ao concedermos uma majoração do custo que as empresas têm com os passes sociais que dão aos seus trabalhadores, também estamos a dar um sinal. A vertente fiscal de penalização é muito importante para dissuadir comportamentos, mas não podemos fazer isso de maneira a acrítica. Temos de o fazer com ambição, mas preservando o desenvolvimento económico e social.
Então estes 250 milhões de despesa fiscal com os combustíveis não incluem, por exemplo, o gasóleo agrícola ou o imposto mais baixo para os carros a GPL?
Não. Estamos só a falar da produção de eletricidade e unidades industriais. Todas estas dimensões têm de ser vistas no sentido de perceber se podemos desviar essa despesa fiscal para incentivar a alteração de comportamentos.
Um dos benefícios fiscais mais contestados é o que concede isenções de imposto a reformados vindos do estrangeiro. Foram noticiadas possíveis alterações a esse regime, mas não está nada no Orçamento.
Não estar no Orçamento não significa que fique tudo como está. É importante que não nos deixemos enganar. O regime de residentes não habituais traz muita gente a Portugal e traz muita receita fiscal em IRS, em IVA em IMI, em IMT. E os residentes não habituais não são os responsáveis pela especulação imobiliária. No próximo ano, vamos fazer uma avaliação deste regime com a nova metodologia para os benefícios fiscais e ficará muito claro que aquela despesa fiscal que é apresentada não é imposto que nós perdemos, é imposto que nós nunca teríamos. E que tem um retorno muito elevado.
Esse retorno está contabilizado?
Só está contabilizado em temos de impostos pagos. Esta avaliação é para se ver a parte positiva do regime. Há questões que faz sentido melhorar. Mas isso não pode colocar em causa uma coisa que foi absolutamente importante e determinante para o país na crise.
O que pode ser alterado neste regime?
Em teoria, tudo. Vamos ter um período de discussão do Orçamento na generalidade e na especialidade e é preciso fazer estas discussões sem demagogia e sem querer radicalizar o discurso. Nós não somos nenhum Eldorado e é preciso ter a noção de que estes regimes existem em vários países. Portugal até é um dos países que mais tem batalhado pela harmonização fiscal no quadro do mercado único.
A medida foi discutida no Conselho de Ministros?
Essas discussões são confidenciais. Mas se esse tema se colocar na discussão do Orçamento, o Governo não faltará ao debate.
Mas poderiam criar uma taxa mínima de IRS a pagar pelos beneficiários desse regime?
A minha obrigação é a de não fechar a porta nada e também não escancarar a porta a nada.