Pablo Casado não quer o Vox. Mas Pablo Casado também não quer o PSOE. E o PSOE, de Pedro Sánchez, só dá a mão ao líder do Partido Popular se ele rasgar todos os acordos firmados com o Vox, de extrema-direita, em todas as regiões de Espanha. O problema é que as eleições de domingo, para a região de Castela e Leão, obrigam o Partido Popular a fechar um de dois acordos: ou o Partido Socialista Operário Espanhol se abstém na votação da investidura, e o PP tomará conta do parlamento regional, ou o partido de Casado terá de conseguir os votos do Vox, que já deixou claro que quer lugares no governo. E essa seria a grande vitória do partido de extrema-direita, que desde 2018 não para de crescer em eleições regionais e nacionais: ir mais além do que assinar acordos parlamentares — como já fez em Madrid, na Andaluzia e em Murcia, viabilizando a subida ao poder do PP — e chegar, de facto, a governar.
Assim, os recados políticos voam de todos os lados, para todos os lados, como um tiroteio em que não é possível distinguir fogo amigo ou decidir que danos colaterais são aceitáveis. Pablo Casado tem um problema em mãos, para o qual terá de ser o atual presidente de Castela e Leão, Alfonso Mañueco, a dar a cara, já que lhe cabe encontrar meios para gerir a região. Mostra também a instabilidade política que se vive em Espanha, quando os dois maiores partidos do país precisam de se aliar aos partidos extremistas — de direita e de esquerda — para governar.
O presente enveneado de Sanchéz
Pedro Sánchez, atual presidente do Governo espanhol e líder dos socialistas, disse-o na terça e repetiu-o na quarta-feira. Está disponível para dar indicações ao PSOE de Castela e Leão para que se abstenha, deixando o caminho livre para a investidura do candidato do PP, principal partido da oposição ao seu governo. Mas este não é um simples ato de cortesia. Pelo contrário, é um presente envenenado.
Casado, para ter esse apoio, teria de rasgar com o Vox em toda a Espanha, o que poderia pôr em causa a governação em Madrid, Andaluzia e Murcia. E, na capital espanhola, a presidente da comunidade é Isabel Díaz Ayuso, que há muito se posicionou para suceder a Casado na presidência do partido. Para ela, mais vale firmar acordos com o Vox do que com o PSOE, disse-o já depois das eleições de Castela e Leão, numa tomada de posição que é oposta à do líder do seu partido. A Mañueco, Ayuso deixou uma mensagem: “Procure nos outros o que nos une”, já que ao PP “não importa o que a esquerda pensa” dos seus pactos.
PP e Ciudadanos chegam a acordo com Vox para formar governo na Andaluzia
Na terça-feira, num debate parlamentar no Senado, a câmara alta do Parlamento, Sánchez pediu ao PP que fizesse um “cordão sanitário” em torno do Vox. Nesse caso, “talvez nos possamos entender”, deixou no ar. Na quarta-feira, no Congresso, Sánchez voltou ao tema e disse a Casado estar disposto a “ajudá-lo” a sair da “armadilha” que o PP criou ao antecipar as eleições. O que quer em troca? Três coisas: que o PP peça ajuda, que explique por que motivo a extrema-direita não pode entrar em governos e que diga que o rasgar de acordos é “para sempre” e “em todos os territórios”. Casado não respondeu à proposta porque já tinha esgotado o seu tempo de intervenção e não tocou no assunto nas suas intervenções anteriores.
“A proposta de Sanchez é mais retórica do que real”, diz o politólogo Diogo Noivo. É que se o problema do PP com o Vox é este ser um partido de direita radical populista, que em muitas das suas ideias vai contra a constituição espanhola, explica o investigador, “o problema do PSOE é que está aliado a outras forças extremistas, só que de esquerda”. Para garantir a investidura, Sánchez fez um Governo coligado com o Unidas Podemos, um partido de extrema esquerda. “Para além disso, tem acordos parlamentares com a Esquerda Republicana da Catalunha ou com os bascos do Bildu. São partidos associados à extrema esquerda separatista e que, só por isso, vão contra a ordem constitucional.”
Por isso mesmo, o politólogo não tem dúvidas de que Pedro Sánchez “não tem autoridade” para pedir ao PP que não faça acordos com o Vox. Além disso, Diogo Noivo considera que “as pontes entre PP e PSOE foram dinamitadas há vários anos e não há sinal de confiança entre os dois maiores partidos espanhóis”. Se o PP aceitasse a mão que o PSOE agora estende, corria o risco de os socialistas lhes puxarem o tapete debaixo dos pés, levando à queda do PP em Castela e Leão, se o partido de Sánchez pressentisse ter capacidade para chegar ao poder.
Entre a espada e o apoio ao PP. Um PSOE dividido
A sua análise vai na linha das declarações de José Luis Martínez-Almeida, porta-voz nacional do PP. A mensagem para Sánchez foi do tamanho de um tweet: “Se quer ser coerente, diga hoje que não volta a fazer acordos com Bildu, ERC y JxCAT, é muito fácil.”
Seja uma proposta impossível de Casado aceitar (ou não), Pedro Sánchez defendeu que “chegou a hora da verdade” e de o PP definir se é aceitável o Vox chegar a um governo.
“Se quer pedir a abstenção do PSOE, explique por que quer a abstenção do PSOE, explique por que o Vox é um perigo para uma democracia e por que motivo deve fazer-lhe um cordão sanitário, mas há uma coisa prévia: a todos os governos que têm pactos com a extrema-direita diga-lhes que rompam os seus acordos”, afirmou o Presidente do Governo espanhol, mostrando que a abstenção em Castela e Leão tem custos políticos.
Dentro do PSOE, segundo várias fontes citadas pelos jornais espanhóis, não há consenso. Há quem considere que Sánchez esteve bem, mas também há quem defenda que os socialistas têm obrigação de fazer todos os possíveis para evitar que a extrema-direita entre num governo regional, devendo deixar-se o PP governar em minoria.
O autarca de Valladolid pertence à segunda corrente: “Não podemos, por uma questão de coerência, dizer que o Vox é um perigo para a democracia e para a convivência democrática e, ao mesmo tempo, não oferecer uma alternativa”, defendeu Óscar Puente.
A nível nacional, Felipe Sicilia, porta-voz da comissão executiva dos socialistas, navega na outra direção. “Este cenário não foi provocado pelo PSOE, foi provocado pelo PP, quiseram correr este risco, deixem-nos assumir a responsabilidade. Não cuidaram dos interesses de Castela e Leão, cuidaram dos interesses de Casado.”
O PP precipitou as eleições em Castela e Leão com dois objetivos: livrar-se do parceiro de coligação de governo, o Ciudadanos, e conseguir uma maioria absoluta na região. Correu-lhe mal. “Livrou-se do parceiro e o Ciudadanos ficou reduzido a um deputado, remetido para a irrelevância. Acontece que o PP ficou dependente de um parceiro mais complicado. O partido que ganha as eleições perde, porque a sua estratégia não funcionou”, defende o politólogo Diogo Noivo.
O Vox elegeu 13 deputados, quando o Ciudadanos, nas últimas eleições, tinha conseguido 12. Já o PP, com 31,4% dos votos, passou de 29 para 31 assentos num total de 81. O PSOE desceu de 35 em 2019 para 28.
Em dezembro, Mañueco queixou-se da “falta de lealdade” do Ciudadanos e anunciou eleições antecipadas, inspirado no exemplo de Madrid. Ayuso dissolveu o seu governo, também coligado com o Ciudadanos, e pode governar sozinha, embora estabelecendo acordos parlamentares com o Vox. Dessas eleições, resultou ainda o abandono da política de Pablo Iglesias, o fundador do Podemos.
Aceitar os radicais ou a mão do PSOE. No PP, o labirinto também tem duas saídas
Dentro do PP, também há duas tendências. “Isabel Díaz Ayuso considera que os parceiros do PSOE são tão maus ou piores que o Vox e, se os socialistas não tiveram esse prurido de levar partidos de extremos para o Governo, não é o PP que deve ter”, explica Diogo Noivo. A outra corrente, que segue o pensamento do líder Pablo Casado, defende que o Vox não deve ser levado para o governo de Castela e Leão.
Apesar de tudo, por esta altura, voltar as eleições parece melhor do que apertar a mão a Santiago Abascal, líder do Vox, ou pôr-se nas mãos do PSOE.
Na terça-feira, Casado fez um discurso duro, deixando claro que não pretendia partilhar o poder da região com a extrema direita. “O nosso partido, hoje, é o resultado da vontade de unir os espanhóis, e não de dividi-los”, disse, acrescentando que “o PP é a alternativa ao populismo e radicalismo de esquerda e direita”.
“Está claro que ninguém está em condições de exercer qualquer suposta tutela moral ou programática sobre o Partido Popular. E devemos ser claros sobre isso: a semente do populismo e do radicalismo pode demorar mais ou menos para dar frutos, mas é sempre um fruto amargo para as sociedades que a cultivam”, afirmou o líder do Partido Popular, durante a análise aos resultados eleitorais de domingo.
Já Mañueco, a quem caberá governar Castela e Leão, se conseguir a investidura, afirmou ter intenção de governar sozinho e que não cederá a chantagens. “Se alguém pensa que o PP vai dar um passo atrás na defesa da igualdade social, do emprego, da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, está enganado.”
No rescaldo das eleições, o candidato do Vox deixou claro o que pretende e que não vai facilitar a vida de Mañueco: “Mais ou menos o que o Ciudadanos teve” na última legislatura — quatro ministérios (incluindo uma vice-presidência) e a presidência dos tribunais regionais, argumentou Juan García-Gallardo. “Os eleitores do Vox não valem menos que os outros.”