Mais uma etapa do novo ciclo social-democrata. Luís Montenegro convocou o Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD para uma reunião na Universidade Nova de Lisboa, juntou-lhe Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, como convidada de honra e tentou prestar provas ao país de que, apesar do acelerar de calendários, está pronto para ser primeiro-ministro. “Estamos mais preparados do que quaisquer outros para poder governar Portugal”, garantiu.

Aliás, prova de que é importante para o partido insistir já na ideia de que Montenegro, que nunca exerceu funções executivas ao longo do seu percurso político — não foi autarca, secretário de Estado ou ministro –, está de facto preparado para o cargo, contrariando a ideia de que inexperiência e inaptidão que se possa instalar, foi a intervenção inicial de Pedro Duarte, amigo de longa data, antigo líder da JSD, ex-secretário de Estado e presidente do CEN.

Já depois de ter dito que teve a oportunidade de ter trabalhado de perto com todos os líderes do PSD no pós-cavaquismo, o social-democrata atirou Montenegro para outro patamar. “O PSD está mais bem preparado do que nunca para poder assumir responsabilidades de governação. Posso dizer com toda a certeza e com toda a convicção Luís Montenegro é a pessoa mais bem preparada para exercer as funções de primeiro-ministro no momento em que se candidata.”

Perante mais de 500 pessoas, entre militantes e não militantes, Montenegro elencou as prioridades do PSD para o país: uma política centrada na retenção dos jovens mais qualificados, a melhoria de rendimentos da classe média, a proteção dos pensionistas, um “novo contrato social que garanta efetiva prestação de serviços, sem complexos ideológicos”, a economia e as empresas e, e uma “vida pública e política cada vez mais transparente que possa erradicar a corrupção“.

Aliás, a própria composição do CEN — 1163 pessoas, “muitos militantes e não militantes”, 162 a trabalhar diretamente nas equipas executivas, 25 coordenadores, 15 independentes e uma prevalência de mulheres (13), voltou a explicar Pedro Duarte — serve também como prova provada de que o PSD tem gente “altamente qualificada” para formar um governo.

“Perguntam muito onde está a equipa do PSD. A equipa está aqui atrás de mim. Uma equipa grande em quantidade, mas que é enorme em qualidade. Podem confiar nesta nova geração que quer dar muito do seu conhecimento à comunidade”, fez questão de sublinhar o líder social-democrata.

Como explicava aqui o Observador, Montenegro elegeu como prioridade a captação de independentes para listas de candidatos a deputados e tem vários nomes na cabeça como potenciais ministeriáveis. As diligências, de resto, já começaram. De resto, isso mesmo é sugerido nos critérios para a elaboração de listas de candidatos a deputados aprovados esta quarta-feira na Comissão Política Nacional do PSD.

No documento a que o Observador teve acesso, pode ler-se que os sociais-democratas estão apostados na “inclusão de personalidades militantes e independentes com reconhecida competência, mérito pessoal, político ou profissional”. Além disso, diz-se ainda que o PSD vai “contemplar uma composição equilibrada do grupo parlamentar, de modo a que do seu conjunto resulte uma diversificada competência política e preparação técnica multidisciplinar, que abranja as diferentes áreas de especialização setorial do Parlamento”, com adequada “renovação pessoal e geracional”.

A hipótese de uma aliança nos moldes tradicionais com o CDS parece não colher a preferência do núcleo duro de Luís Montenegro, que vai entendendo que é preciso um sinal mais forte para construir uma verdadeira frente alternativa. A existir uma coligação, o PSD quererá contar com figuras independentes ligadas à sociedade civil e a um espaço político que vá do centro-esquerda à direita moderada.

PSD mantém coligação em aberto. Montenegro à caça de independentes

A geringonça como alvo e o piscar de olho à direita

Ainda assim, a nota dominante de Montenegro foi outra. O líder social-democrata voltou a apontar baterias contra a esquerda, acusando o PS e os antigos parceiros de ‘geringonça’ de terem prejudicado o país por pura “teimosia ideológica”. “O bloqueio ideológico na saúde, educação, na habitação, nas creches foi claramente responsável pela perda da qualidade de vida em áreas fundamentais.”

Ora, Luís Montenegro sabe que terá como previsível adversário Pedro Nuno Santos, adepto e antigo pivô da ‘geringonça’. Num momento em que uma nova maioria absoluta socialista parece ser improvável, importa ao PSD impedir que haja condições para uma nova maioria de esquerda.  O líder social-democrata sabe-o, mas também não ignora que, de acordo com os estudos de opinião que existem, o governo da ‘geringonça’ foi um dos mais populares dos últimos 20 anos .

É isso que diz, pelo menos, o barómetro European Social Survey, “que avalia em 31 países, incluindo Portugal, a satisfação dos cidadãos com várias instituições, entre as quais os Governos”. Por oposição, o governo de Pedro Passos Coelho foi o que recolheu maior insatisfação neste barómetro, que recolhe este tipo de dados desde 2002.

Sendo certo que são apenas indicadores — apesar de tudo, Passos venceu as eleições em 2015 — Montenegro entende que é preciso travar a “narrativa” de que o governo da ‘geringonça’ foi um bom executivo. “Não, a ‘geringonça’ foi má para a vida das pessoas. Foi a partir das suas bases e das suas decisões que começou a haver pior SNS; foi com a geringonça que começou a haver mais falta de professores na escola; foi também com este Governo que se fechou o mercado da habitação”, começou por dizer.

A segunda parte da estratégia é tentar provar que o PS é tão ou mais radical sozinho, sem aliados de esquerda. Para o presidente do PSD, aliás, os socialistas não passaram a tomar decisões diferentes com o fim formal da aliança à esquerda, em 2019. “Alguém notou alguma diferença? Mesmo com a maioria absoluta o Governo socialista seguiu sempre as bases da ‘geringonça’. Fê-lo, de resto, com grandes responsabilidades dos dois candidatos [a secretário-geral do PS]. São cúmplices do trajeto dos últimos oito anos”, disse.

Apesar de ter tido um discurso mais programático foi comentário lateral sobre a polémica dos símbolos que lhe valeu o maior aplauso da manhã. Como aqui explicava o Observador, o Governo renovou a linguagem visual que usa nos seus documentos oficiais, deixando cair elementos da bandeira nacional, como os castelos conquistados aos mouros ou a esfera armilar, alegando que a nova imagem é mais inclusiva e até mais “ecológica”.

Montenegro, que ao contrário de Nuno Melo ou de André Ventura, ainda não tinha falado desta polémica, aproveitou a reunião do CEN para falar também para essa direita. “Não faremos sucumbir os nossos símbolos a uma ideia de ser mais sofisticado. Já chega de política de plástico“, atirou. Pela reação dos presentes na sala, que se levantaram como molas para aplaudir durante largos minutos Montenegro, este é um tema que anima as próprias bases do partido.

Igualmente aplaudida foi Roberta Metsola. A presidente do Parlamento Europeu fez uma intervenção de fundo sobre a necessidade de renovar o projeto da União Europeia e de o adaptar aos desafios dos novos tempos, não fingindo que o medo, o ressentimento, a frustração e a desesperança não existem, sob pena de perder essas pessoas para as soluções radicais dos extremos do espetro político. “Gerimos crises atrás de crises e saímos mais fortes. Mas temos de ser honestos: estou convencida de que podemos construir uma Europa melhor. Uma Europa que se preocupa”.