Dois centros da Universidade Católica, o Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos (CIEP-UCP) e o Centro da Sondagens (CESOP-UCP) colaboraram na realização de um estudo sobre sondagens de comportamento de voto e cenários de coligações à direita que procurou avaliar o comportamento do eleitorado de direita em face de um debate sobre as alternativas ao Governo desgastado. No que respeita às intenções de voto, o PSD surge neste estudo, que teve como base uma amostra de mais de duas mil entrevistas, com uma vantagem de 2 a 3 pontos sobre o PS, o que significa que pela primeira vez os sociais-democratas distanciam-se dos socialistas. Já o Chega mantém-se em terceiro mas cai por comparação com outros estudos eleitorais, ficando muito próximo dos 10%. Numa análise a possíveis coligações pré-eleitorais à direita, excluindo o Chega, verifica-se que o maior potencial de atração de votos se concentra no cenário em que o PSD concorre isoladamente.
O texto que publicamos a seguir é uma adaptação do trabalho académico dos investigadores da Universidade Católica – André Azevedo Alves, Professor e Coordenador Científico do CIEP-UCP; Ricardo Ferreira Reis, Professor na e Diretor do CESOP-UCP; e João H. C. António, Investigador no CIEP-UCP e diretor técnico das sondagens da Universidade Católica Portuguesa (CESOP-UCP).
Oportunidade do estudo
Por vários motivos conjunturais, a situação política atual configura uma oportunidade única para testarmos alguns dos pressupostos em que se baseiam os estudos eleitorais. Estamos com um ano e meio de governação de uma maioria parlamentar conquistada com alguma surpresa.
Essa maioria parece ter resultado de uma erosão rápida à esquerda do Partido Socialista e de uma concentração de voto muito eficaz em torno do discurso de última semana de campanha do primeiro-ministro. O medo do regresso de políticas de austeridade e da possibilidade de alianças alargadas à direita, mobilizaram inequivocamente eleitorado de esquerda e centro, fosse ele do tal abstencionismo mais ou menos ocasional, fosse ele inclusivamente potencial votante em outros partidos. Esse eleitorado, nos últimos dias de campanha, terá sido mobilizado a concentrar-se no PS. Mérito inequívoco da campanha socialista, que olhou para sondagens de véspera menos favoráveis e reagiu com eficácia, alterando ou reforçando este discurso.
A colaboração entre o CIEP e o CESOP
↓ Mostrar
↑ Esconder
Ao longo dos últimos anos, o Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (CIEP-UCP) tem vindo a promover uma crescente colaboração com o Centro da Sondagens da mesma Universidade (CESOP-UCP), visando aproveitar sinergias potenciais resultantes da produção de dados empíricos com a investigação em Ciência Política. Esta colaboração tem evoluído gradualmente em vários eixos, entre os quais: integração de investigadores CESOP no CIEP, para efeitos de atividade e produção científica, apoio técnico em teses de mestrado e doutoramento, realização de seminários científicos e participação conjunta em projetos de investigação, com crescente vocação internacional. No próximo ano letivo, esta parceria deverá também materializar-se na oferta, pela primeira vez, de uma unidade curricular em Sondagens e Opinião Pública nos programas de Mestrado e Doutoramento do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica.
Esta parceria científica não inclui, deliberadamente, as sondagens políticas regulares realizadas pelo CESOP, mas proporcionou as condições necessárias para que fosse, pela primeira vez, possível realizar um estudo empírico aprofundado do comportamento eleitoral no âmbito da atividade de investigação em curso no CIEP (neste caso com especial incidência sobre o comportamento eleitoral à direita do PS), sendo esse o enquadramento dos resultados que seguidamente se apresentam (e que terão continuidade em outros trabalhos).
Esta reação ficou patente em muitos dos estudos que viemos fazendo ao longo do último ano. No próprio dia da eleição, à boca de urna, no verso do boletim que simulava o voto, perguntávamos quando o eleitor tinha tomado a decisão de votar daquela forma. Os resultados apontam para a existência de uma franja maior de eleitorado do PS a decidir o voto nos últimos dias face ao PSD, que apresentou um padrão de voto mais estável. Reforce-se que não foram todos os eleitores do PS a decidirem em última hora, mas são apenas necessários 5 ou 6 pontos percentuais para mudar o rumo. É aliás atrás desses pontos percentuais que se faz campanha até à última hora.
Interessante que, do lado do PSD, se tenha assistido a uma reação muito contraproducente nessa última semana antes da votação. Rui Rio deu vários sinais de excesso de confiança que poderão ter desmobilizado algum do seu eleitorado, ainda que, como explicámos atrás, nos seja impossível verificar isso em inquérito, porque, precisamente, o eleitorado desmobilizado não é sondado à boca de urna e só muito esporadicamente o apanhamos em sondagens posteriores. Este efeito de desmobilização fica, por isso, apenas patente na diferença de resultados entre a sondagem de véspera e o resultado final da eleição ou no domínio das hipóteses da ciência política.
Por outro lado, perguntámos nas sondagens se os eleitores estão satisfeitos com a forma como votaram em janeiro de 2022. Os resultados apontam para maiores graus de insatisfação no eleitorado que votou PS do que no dos outros partidos.
Este resultado poderá ter uma dupla explicação. A primeira explicação possível é precisamente esta hipótese que levantamos aqui de que a votação no PS não era uma votação de afirmação de uma maioria do PS, mas antes uma votação de rejeição da direita. Nesse sentido, esta hipótese configura a maioria como resultado de um voto útil. Mas se o objetivo era evitar uma maioria de direita por parte de eleitores de esquerda, esse objetivo poderia ter sido alcançado sem, pelo caminho, erodir fortemente os restantes partidos de esquerda. A interpretação política deste comportamento é perfeitamente democrática e representa o castigo infligido por estes eleitores aos partidos de esquerda que, na sua perspetiva (e na veiculada pela campanha do PS) provocaram a crise que levou à eleição posterior.
A segunda explicação possível é mais plausível e muito mais corrente e prende-se com o desgaste sofrido pelo Governo ao longo deste ano, por inúmeros casos. Nesse sentido, procurámos aproveitar o contexto resultante dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP como laboratório perfeito para esta hipótese. Assim, escolhemos porventura o momento de maior desgaste mediático do Governo para fazermos este estudo através de uma sondagem alargada, sabendo que a insatisfação do eleitorado do PS seria muito grande.
Esse efeito permitir-nos-ia em simultâneo uma análise de outra dimensão, esta mais estrutural, que é o comportamento do eleitorado de direita em face de um debate em torno de alternativas ao Governo desgastado.
Os resultados que a seguir começamos a apresentar são um produto desse estudo.
Intenção de voto em Legislativas
À questão “Se neste momento se realizassem eleições legislativas para a Assembleia da República em que partido votaria?”, as respostas obtidas são as que a seguir se apresentam:
Na tabela estão os resultados encontrados antes de ponderação – ou seja, exatamente o que as pessoas entrevistadas responderam – e, nas duas colunas da direita, os dados ponderados de acordo com a distribuição da população por sexo, idade e região.
As colunas “certeza” incluem apenas as respostas dos inquiridos que responderam na pergunta anterior que iriam votar de certeza. As colunas “todos” incluem as respostas dos que na pergunta anterior responderam “não sabe se iria votar” e “em princípio iria votar” (ver distribuição na página anterior).
Em qualquer dos casos em análise, observa-se PSD com mais intenções de voto do que PS, com uma vantagem que já está muito próxima da margem de erro. Chega como terceira força (no cenário “certeza”, com companhia de IL e BE. IL e BE muito próximos entre si. Depois PCP/PEV. seguidos de CDS e LIVRE. Finalmente, o PAN como última força política com possibilidade de eleger deputados.
Qual das intenções de votos é mais adequada para extrapolação é uma questão pertinente e remete-nos para a consideração dos ponderadores mais apropriados. Vale a pena, para efeitos de investigação futura, fazer um exercício alargado de simulação de resultados em função de múltiplos ponderadores, mas das várias simulações feitas resulta um quadro de resultados que aponta, excluindo indecisos e recusas de respostas, para a seguinte distribuição:
- PSD 32-36, apontando para 35% nos cenários de projeção mais comuns
- PS 31-33, apontando para 32% nos cenários mais comuns
- Chega 8-10, apontando para 9% nos cenários mais comuns
- BE 6-7, apontando para 6% nos cenários mais comuns
- IL 5-6, apontando para 6% nos cenários mais comuns
- PCP/PEV valores em torno dos 3%.
- CDS valores em torno dos 2%.
- LIVRE valores entre 1 e 2, mais próximos de 1%.
- PAN valores abaixo de 1 e nos melhores cenários a aproximar-se de 1%.
- O/B/N 6-7, apontando para 6% nos cenários mais comuns.
A conclusão seria a de um resultado que colocaria o PSD com uma vantagem de 2 a 3 pontos sobre o PS, o Chega em terceiro, muito próximo dos 10%, BE e IL muito aproximados e em torno de 6%. Os partidos de direita somados a atingirem 50-52% e 41-43% se subtrairmos o Chega e a esquerda a somar em conjunto entre 41-44%.
Estes resultados acentuam as diferenças favoráveis à direita nas subamostras dos inquiridos com mais certezas de voto. Este resultado é consistente com um período de maior desmobilização do partido do Governo, como discutimos no início.
Intenção de voto e intenção de abstenção
A distribuição de respostas a esta pergunta, que é habitual encontrar-se em estudos como este, provoca nalgumas pessoas alguma desconfiança em relação aos dados do inquérito ou sondagem. Como é que é possível haver 74% de pessoas a dizer que iriam votar de certeza, quando sabemos que a participação eleitoral fica sempre muito aquém desse valor?
Há até quem olhe para estes números e conclua que as pessoas mentem às sondagens. Mas diríamos que é precipitado concluir dessa forma. Hipótese mais plausível será a que pressupõe que as pessoas que votam tendem a aceitar participar em sondagens políticas numa proporção superior às pessoas que não votam. Alguém que não vota tenderá a ter menor interesse por política e pela participação em geral (incluindo a participação em estudos de opinião).
Âmbito e metodologia das diferentes sondagens
↓ Mostrar
↑ Esconder
O CESOP leva a cabo com regular periodicidade sondagens políticas, que são publicadas pela RTP, por vezes em articulação com a Antena 1 e com o Público. Tipicamente essas sondagens cobrem três tipos de necessidade muito específicas:
- As sondagens que acontecem em dias de eleições e são as chamadas sondagens à boca de urna;
- As sondagens de véspera que têm lugar num período que antecede um ato eleitoral ato em até um mês; e
- As sondagens periódicas, que acontecem ciclicamente ao longo do tempo, sem que lhes estejam associadas qualquer ato eleitoral concreto.
Em todos estes três tipos de sondagem há dois objetivos:
- Descrever a opinião pública sobre a situação política no momento das sondagens; e
- Servir de base para projeções políticas, que podem ser feitas a partir dos resultados.
Um erro comum é achar que estes dois objetivos são um mesmo objetivo. Isso apenas é verdade para as sondagens à boca de urna, porque nos restantes dois casos o tempo que medeia entre a sondagem e o ato eleitoral pode ser suficiente para que o estado da opinião pública entre o momento da sondagem e o resultado eleitoral se altere.
Essa alteração é normal, natural e depende inclusivamente das campanhas eleitorais. Se não houvesse alterações da intenção de voto durante as campanhas eleitorais, seria aliás irracional investir tantos recursos e esforço nessas mesmas campanhas. Achar que, numa semana, não se altera uma eleição faria com que a última semana de campanha fosse completamente redundante e melhor seria substituí-la por um período de reflexão alargado. Ora, se já há dúvidas muito fundadas sobre a utilidade de um dia de reflexão, mais estranho seria considerarmos um período de reflexão de uma semana inteira.
As sondagens feitas à boca de urna correspondem a recolha de informação sobre o voto autorizada pela CNE e feita em locais de voto que sejam representativos dos resultados passados. A escolha dos locais é feita através da análise e comparação dos resultados dos locais com os resultados nacionais, regionais ou locais que se pretendem projetar. Os resultados das sondagens à boca de urna permitem uma projeção direta dos resultados da eleição, que ocorre em simultâneo. Cada vez mais, assistimos ao uso de tablets nestes inquéritos, o que agiliza a contagem e acrescenta mais questões além do voto. Isto permite não apenas projetar o resultado, mas explicá-lo através de várias dimensões. O ponto será pedir aos eleitores que não apenas nos descrevam como votaram, mas que partilhem mais informações, nomeadamente dados sociodemográficos.
Geralmente estamos a falar de inquéritos de dezenas de milhares de eleitores com margens de erro muito baixas e as diferenças entre a sondagem e o resultado desse dia são reduzidas. Ainda assim, há muita coisa que pode estatisticamente correr mal (por exemplo, pode haver problemas de escolhas de locais de amostragem), mas o facto de as dimensões das amostras serem amplas e sobretudo o facto da sondagem e da eleição serem simultâneas explica que haja geralmente poucas diferenças.
Já nas sondagens de véspera ou nas periódicas as dimensões das amostras são muitíssimo mais reduzidas e há um período que medeia a recolha da sondagem e um ato eleitoral. No caso das sondagens cíclicas o ato pode nem sequer estar agendado com exatidão. Acresce que a população sondada, sendo aleatória, inclui pessoas que têm maior ou menor propensão para efetivamente votarem, independentemente da sua genuína vontade. Por exemplo, um indivíduo politicamente mobilizado, mas que sofre de problemas de saúde, pode genuína e convictamente dizer-nos numa sondagem de véspera que vai votar, mas depois ver-se forçado a ficar em casa doente. Quando o sondámos, o indivíduo não nos estava a mentir, mas o seu comportamento eleitoral acabou por, compreensivelmente, ser outro. Ou, um exemplo inverso, um indivíduo que a uma semana da eleição convictamente nos afirma que não tenciona votar no Domingo seguinte, mas depois vê algo na campanha final que o mobiliza e acaba por ir votar.
Este efeito, obviamente, não acontece à boca de urna, porque estamos a inquirir pessoas que acabaram de votar, mas pode ser considerável nos outros dois tipos de sondagens, sobretudo quanto maior for o tempo que medeia entre o tempo da recolha da sondagem e o momento eleitoral.
Associado a este efeito está também uma espécie de elefante na sala das sondagens: quando sondamos aleatoriamente a população em inquéritos de véspera ou periódicos, apanhamos franjas de abstencionistas ou de potenciais abstencionistas. Na boca de urna, só apanhamos votantes.
O problema com os abstencionistas inquiridos nas sondagens de véspera ou periódicas é que estes são apenas uma amostra não representativa da totalidade da população que se abstém. Os motivos da população abstencionista são os mais diversos: desde cidadãos com grande literacia política, mas que discordam do regime ou do sistema político, até cidadãos que têm para com a participação cívica e política uma completa indiferença ou enorme incompreensão. Pelo meio, há abstencionistas ocasionais, que não conseguem encontrar tempo ou disponibilidade para votar e, sobretudo, que se desmobilizam e mobilizam facilmente.
É impossível medir quanto representa cada um destes subgrupos dentro da família abstencionista, uma vez que os abstencionistas não participam em eleições e tendem a ter menos interesse que os votantes em participar em sondagens.
O problema é que estes subgrupos podem ser muito determinantes num resultado eleitoral, mobilizando-se ou desmobilizando-se facilmente. Mobilizar 5% de uma abstenção que anda em torno de 50% dos votantes representa 2 a 3 pontos percentuais do eleitorado total, mas vai implicar cerca de 5 pontos percentuais dos votantes. Essa percentagem pode ser o suficiente para virar uma eleição, para atingir ou desfazer uma maioria, para evitar uma segunda volta, para arrasar alguns círculos eleitorais ou para eleger mais autarcas que o outro partido ou bloco político. Estudar este fenómeno é muito complicado e as sondagens habituais acabam por não conseguir captar muitos destes efeitos e raramente permitem ir ao detalhe de análise científica que gostaríamos, embora vamos procurando acrescentar questões e elementos que permitam aprofundar estas análises nos vários momentos de que dispomos.
Por isso, costumamos afirmar – e nunca é demais repetir – que a partir deste tipo de estudos não é possível prever um valor para a abstenção. Sabemos que entre as pessoas que aceitaram participar na sondagem, 74% dizem que vão votar de certeza. Mas podemos também assumir que essa percentagem será bem menor entre aqueles que não aceitaram participar.
Ao grupo que nos confessou não pensar votar, teríamos de juntar uma parcela considerável da população cujo nível de interesse na participação política é insuficiente para sequer responder ao inquérito. Temos alguns indícios da relevância deste grupo no inquérito, designadamente pela quantidade de pessoas que, atendendo a chamada telefónica, nos dizem não querer participar no inquérito ou que desistem do inquérito a meio. Esses números resultam usualmente num ratio de cerca 2 a 3 recusas para 1 resposta válida. Neste nosso estudo, o valor andou próximo dos 65-66% de recusas. Ora se 6% é um número exageradamente baixo de estimativa de abstenção, também 65% é um número exageradamente alto. Aliás, muito obviamente, nem toda a gente que se recusa a responder o faz porque se absteria numa eventual eleição. Este número de recusas esconde, por isso, muito comportamento de eleitores mobilizáveis. Havendo enviesamento neste comportamento, podemos esperar ter diferenças consideráveis de valores entre o diagnóstico feito pela sondagem e o que é verdadeiramente o sentimento presente do eleitorado.
Assumimos, para efeitos do estudo, que o comportamento geral da população potencialmente votante, que se recusa a responder, é semelhante ao da que responde. Note-se que não estamos a falar de assumirmos que o comportamento destes 66% da população inquirida que se recusou a responder é igual ao terço que respondeu. Recorde-se que nestes 66% está o grosso da abstenção. Antes estamos a assumir que os potenciais votantes que não nos responderam ao inquérito vão comportar-se de forma simétrica aos potenciais votantes que nos responderam.
Em boa verdade, é frequente o entendimento de que há famílias políticas mais propensas a este tipo de recusa que podem enviesar as sondagens. Se um determinado líder político descredibiliza as sondagens junto do seu eleitorado, estes eleitores deixam de responder, aumentando a assimetria entre a amostra e a população. Não é impossível que este tipo de enviesamento esteja a acontecer neste momento em relação aos votantes do Chega em Portugal. Isso teria como consequência que as sondagens sub-representam a verdadeira dimensão do Chega. Ainda assim é pouco credível que o façam em proporções consideráveis.
Há ainda um outro potencial fenómeno que poderá potencialmente prejudicar os resultados do Chega em sondagens, que é o efeito do eleitor tímido. A mais recente exploração desta hipótese numa eleição com impacto mundial deu-se no seguimento da eleição presidencial americana de 2016 com a possibilidade de as sondagens terem sido influenciadas por “Shy Trump Voters”. A evidência a favor desta hipótese é limitada (veja-se, por exemplo, a favor: Enns, Lagodny e Schuldt “Understanding the 2016 US Presidential Polls: The Importance of Hidden Trump Supporters” Statistics, Politics and Policy, 2017, 8(1), 41-63; e contra: Coppock, “Did Shy Trump Supporters Bias the 2016 Polls? Evidence from a Nationally-representative List Experiment” Statistics, Politics and Policy, 2017, 8(1), 29-40 e Prosser e Mellon, “The Twilight of the Polls? A Review of Trends in Polling Accuracy and the Causes of Polling Misses” Government and Opposition, 2018, 53(4), 757-790), mas não é possível (nem prudente) excluí-la em absoluto, para já, no caso dos resultados em sondagens do Chega.
Basicamente, tratar-se-ia de haver eleitores que hesitam ou têm alguma reserva em reconhecer que votam em candidatos que são caracterizados de forma menos positiva nos media. Na prática pessoas que têm alguma vergonha pública da sua opção política, mas para as quais essa postura exterior não inibe a sua convicção interior.
Não procedemos a qualquer tentativa de correção desse tipo de fenómenos nas nossas amostras, porque eles são impossíveis de quantificar, mesmo que sejam verificáveis através de alguns sintomas, como a sub-representação sistemática de alguns partidos face a resultados eleitorais.
Cenários de coligações à direita
Independentemente de variações conjunturais (e que no caso do presente estudo poderão – como já referido – ter alguma influência provocada pelo andamento comissão de inquérito à TAP), a dimensão da amostra juntamente com o facto de os resultados em termos de intenção de voto serem genericamente compatíveis com os de outras sondagens no período em análise sugere que os dados relativos às perceções do eleitorado sobre possíveis coligações à direita podem ser encarados como tendo alguma robustez.
Não foram consideradas neste estudo coligações pré-eleitorais com o Chega porque isso foi posto de parte (de forma mais ou menos absoluta) pelos principais partidos à direita do PS.
Dos resultados do estudo é possível concluir com alguma clareza que qualquer coligação pré-eleitoral à direita teria neste momento muito provavelmente um efeito líquido negativo para os partidos envolvidos. Entre os cenários considerados, ainda assim, a que menos efeito negativo teria seria uma coligação PSD+IL, com um nível de rejeição (39%) ainda abaixo do do PS (42%), mas já com um nível potencial de 38%, que fica abaixo do do PS (41%).
Todas as outras coligações – com inclusão do CDS — resultam num potencial de crescimento ainda menor e suscitam níveis de rejeição iguais ou acima do PS. Em qualquer dos casos considerados, o potencial máximo destas coligações fica muito longe de qualquer patamar de maioria absoluta.
Limitando a análise apenas aos votantes dos três partidos envolvidos os cenários de coligações pré-eleitorais (PSD+IL+CDS), é inequívoco que o maior potencial de atração de votos se concentra no cenário em que o PSD concorre isoladamente (87% destes eleitores declara ser provável ou muito provável votar PSD neste cenário). Importa aqui ter em conta que na eleição de 2022 o resultado do PSD (29.1%) já representou por si só 82% dos votos destes três partidos somados (35.6%). A capacidade de atração potencial de votos de qualquer coligação à direita fica bem abaixo destes patamares e exigiria por isso enorme capacidade de atração de voto para além destes três partidos (ou seja: vindos do Chega, da esquerda ou da abstenção) para compensar. Veremos mais à frente que essa capacidade de atração não parece existir (para Chega e esquerda), o que indicia que não haverá retorno para qualquer partido de direita em fazer qualquer coligação, em particular para o PSD.
Considerando o potencial de atração de uma qualquer coligação de direita apenas para votantes do PS, os dados são ainda mais conclusivos. Concorrendo isoladamente, o PSD apresenta um valor de atração potencial de eleitorado PS na ordem dos 30% e uma rejeição absoluta de 51%. Ora, qualquer coligação de direita considerada é rejeitada pelo eleitorado PS de forma muito mais significativa do que a possibilidade de votar no PSD isoladamente. Estamos a falar de rejeições acima dos 60% e de um potencial de crescimento que não chega sequer a metade do potencial do PSD junto deste eleitorado (um parêntesis para enfatizar o descontentamento do eleitorado do PS com o próprio PS, com 9% do eleitorado PS em 22 a revelar que é nada provável que repita o voto. E o potencial de crescimento, como o estamos a medir aqui, é de 83%; recorde-se que 100% deste eleitorado votou PS em 22.) Por outras palavras, qualquer coligação à direita reduz substancialmente a capacidade potencial de crescimento do PSD junto do eleitorado inclinado a votar PS.
Considerando o potencial de atração de uma qualquer coligação de direita (sem o Chega) apenas para votantes do Chega, também aqui a capacidade de atração de uma coligação é menor face ao PSD sozinho. A rejeição do PSD é sempre menor ou igual que rejeição de uma coligação (PSD+IL é igual). O potencial de crescimento do PSD junto destes eleitores é de 29% e baixa para 26% em coligações que incluam a IL. Importa aqui referir que estamos a falar de eleitores do Chega em 2022, que poderão representar apenas uma parcela do eleitorado do Chega neste momento. Recorde-se que o Chega teve um resultado na ordem dos 7% em 22 e apresenta valores nesta sondagem substancialmente acima desse patamar. Vale a pena aqui frisar que 29% do eleitorado Chega em 22 considera provável ou muito provável votar no PSD (isoladamente), o que sugere que haverá uma parte importante do eleitorado flutuante entre PSD e Chega.
Relativamente à avaliação do eleitorado a acordos pós-eleitorais, a presença do Chega numa dessas soluções tem um resultado amplamente negativo até (ou se calhar sobretudo) dentro do eleitorado do PSD. Se apenas 18% dos votantes PSD acham negativo um acordo com a IL, com o Chega esse valor passa para uns impressionantes 72%. Uma reprovação esmagadora a reprovação face a apenas 26% que consideram positivo o cenário de um acordo pós-eleitoral que envolva o Chega. O resultado dentro do eleitorado PSD não é alias muito distante da avaliação global de todo o eleitorado com 73% negativos face a 21% positivos.
Em contraste, no caso de um acordo com a IL observa-se uma aprovação de 76% para apenas 18% negativos. No que toca à comparação com o resultado global, os dados também são amplamente favoráveis a um acordo desta natureza, com 48% a aprovarem e 41% a rejeitarem (uma nota curiosa para o facto de haver mais eleitores do PS a verem como positivo um acordo PSD com IL que eleitores do PSD a verem como positivo um acordo do próprio PSD com o Chega).
Reflexões sobre a dimensão e características da amostra e os objetivos do estudo
O inquérito realizado é razoavelmente mais extenso do que o habitual, o que nos permitiu uma análise um pouco mais detalhada de alguns comportamentos.
A sondagem teve vários objetivos técnicos e de conteúdo científico para o estudo político. Primeiro, uma análise centrada sobre o comportamento mais estrutural da direita portuguesa, em face de outros trabalhos de referência e com especial enfoque nas perceções do eleitorado relativamente a coligações (apresentadas sinteticamente neste artigo) bem como face a movimentos extremistas e ameaças à democracia (a desenvolver em artigo posterior). A direita europeia atravessa novos desafios com o surgimento de movimentos de conteúdo mais populista ou mais ideológico. Portugal não é exceção e o panorama partidário à direita hoje, nada tem a ver com a sua configuração há 10 anos.
Ficha Técnica
↓ Mostrar
↑ Esconder
Este inquérito foi realizado pelo CESOP–Universidade Católica Portuguesa para o CIEP–Universidade Católica Portuguesa entre os dias 1 e 21 de junho de 2023. O universo alvo é composto pelos eleitores residentes em Portugal. Os inquiridos foram selecionados aleatoriamente a partir duma lista de números de telemóvel, também ela gerada de forma aleatória. Todas as entrevistas foram efetuadas por telefone (CATI). Os inquiridos foram informados do objetivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 2042 inquéritos válidos, sendo 44% dos inquiridos mulheres. Distribuição geográfica: 30% da região Norte, 20% do Centro, 35% da A.M. de Lisboa, 7% do Alentejo, 4% do Algarve, 2% da Madeira e 2% dos Açores. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população por sexo, escalões etários e região com base no recenseamento eleitoral e nas estimativas do INE. A taxa de resposta foi de 35%. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 2042 inquiridos é de 2,2%, com um nível de confiança de 95%.
A forma como os partidos mais tradicionais do centro e da direita vêm lidando com estes fenómenos vem sendo analisada em Portugal e nos outros países europeus (relativamente à evolução do panorama português veja-se R. Marchi e A. A. Alves, “A Direita e a Extrema-Direita na Democracia Portuguesa (1974–2021)” in J. M. Fernandes, P. C. Magalhães e A. C. Pinto (eds.), O Essencial da Política Portuguesa, Tinta da China, 2023, 147-165; ed. portuguesa do Oxford Handbook of Portuguese Politics, Oxford University Press, 2022). Há vários paralelos que se podem traçar, mas o estudo do comportamento dos eleitores é muito importante para entendermos quais as dinâmicas existentes localmente.
Um segundo objetivo foi aferir o nível de desgaste efetivo do Governo. A sucessão de casos tem sido bastante desgastante e, ainda que sem referir diretamente qualquer caso específico, o estudo visa ajudar a identificar as várias dimensões do descontentamento e o seu impacto potencial no comportamento de voto.
Os objetivos mais centrados em dimensões técnico-estatísticas têm a ver com a possibilidade de percebermos que modelos de ponderação do eleitorado melhor captam comportamentos eleitorais através de sondagens. Procuramos aqui avaliar os diferentes ponderadores que determinam as extrapolações e as subsequentes projeções eleitorais.
O inquérito, no qual se baseia a sondagem, foi feito propositadamente no rescaldo e no andamento da comissão de inquérito à TAP. Isso obriga a uma cautela acrescida na análise dos seus resultados (em especial os relativos à intenção de voto em partidos), porque pode tratar-se de um momento excêntrico da vida política nacional não representando necessariamente padrões estáveis do eleitorado.
Ainda sobre o padrão amostral descrito na ficha técnica, observamos os enviesamentos usuais dos inquéritos CATI nacionais, com sobrerrepresentação masculina, da AMLisboa e da população com escolaridade elevada. Estes enviesamentos obrigam ao recurso a correções por ponderação estatística.
É de salientar que não parece haver um grande enviesamento político na amostra – ou seja, a votação declarada pelos inquiridos para janeiro 2022 na amostra corresponde aproximadamente ao resultado nacional verificado então.
Este tipo de resultado é mais típico para amostras maiores e levam a que a correção adicional forçada por este critério possa levar a distorções muito artificiais nos ponderadores.
Os ponderadores usados foram de vária ordem e resultam da combinação essencialmente da distribuição de sexo, escalões etários, região de votação (as 7 NUTSII) e votação em janeiro de 22. Podíamos usar vários ponderadores diferentes e é um exercício legítimo de modelação de projeção de resultados, mas optamos pela ponderação assente nas variáveis mais estáveis e que decorrem essencialmente dos Censos: sexo, idade e região.
Conclusão
A compreensão mais completa das perceções do eleitorado relativamente a coligações à direita exigirá uma análise complementar sobre as perceções desse mesmo eleitorado face a movimentos extremistas e ameaças à democracia (a desenvolver em artigo posterior) mas é possível desde já extrair duas conclusões principais do estudo.
A primeira é que os dados apontam com alguma robustez que o PSD tem um potencial de crescimento eleitoral substancialmente superior concorrendo sozinho do que em qualquer cenário de coligação considerado.
A segunda é que a forte rejeição do eleitorado (incluindo do eleitorado inclinado a votar PSD) relativamente um cenário de acordo pós-eleitoral com o Chega parece limitar as opções governativas pós-eleitorais do PSD.
Se considerarmos adicionalmente os dados que sugerem haver uma parte substancial do eleitorado à direita potencialmente flutuante entre PSD e CH, muito do futuro do PSD (e da configuração futura do espaço partidário português à direita) poderá depender da capacidade do PSD para competir com sucesso por eleitorado disputado pelo Chega ao mesmo tempo que capta eleitorado insatisfeito com o PS.