O principal resultado das eleições legislativas de Domingo é, obviamente, a maioria absoluta conquistada por António Costa para o PS. A mobilização do eleitorado à esquerda funcionou em pleno e BE, CDU e PAN foram fortemente penalizados pelo eleitorado, sofrendo perdas substanciais face a 2019. Os resultados confirmaram não só a importância das dinâmicas de mobilização ligadas ao voto útil mas também que, graças à maior fragmentação do sistema partidário, o limiar de votos necessário para atingir uma maioria absoluta baixou efectivamente para cerca de 41%, desde que com uma distância significativa entre o primeiro e o segundo partido (como foi o caso).

Mas importa também realçar que, não obstante a vitória expressiva do PS, Portugal está hoje claramente mais à direita do que em 2019. Nestas eleições houve um aumento de cerca de meio milhão de votos nos partidos à direita do PS face a 2019. Mais: o total de votos nesses partidos (PSD, CH, IL e CDS) em 2022 supera em mais de 300.000 os votos que permitiram à coligação PAF (juntando PSD e CDS) liderada por Pedro Passos Coelho vencer as eleições legislativas de 2015 (ainda que sem governar, devido à criação da “geringonça”).

A dinâmica de voto útil à esquerda permitiu ao PS conseguir uma maioria absoluta mas o total de votos no PS, BE, CDU, PAN e L baixou de 57% em 2019 para 53% em 2022. Por outras palavras: o PS consegue uma maioria absoluta numas eleições em que a esquerda se torna menos maioritária em Portugal. Ou seja: houve uma transferência significativa de apoio eleitoral do espaço dos partidos da extrema-esquerda e da esquerda radical para o PS, o que constitui também em si mesmo uma viragem do eleitorado à direita.

Em resumo, das eleições de Domingo resultou o enfraquecimento de comunistas e bloquistas em benefício do PS, ao mesmo tempo que o PSD reforçou (ligeiramente) a sua votação e o espaço partidário à direita do PSD aumentou muito substancialmente face a 2019. Não existe ainda assim uma maioria à direita do PS porque o PSD foi incapaz de crescer mais ao centro mas é inequívoco que o panorama político português se deslocou nestas eleições substancialmente para a direita.

Simbolicamente, é também relevante notar que as terceira e quarta forças políticas em Portugal passaram a ser o Chega e a Iniciativa Liberal, relegando bloquistas e comunistas para a quinta e sexta posição. Tanto IL como CH conseguem aliás um crescimento notável face a 2019, sendo em especial de destacar o caso do CH: além de se afirmar como terceiro partido a nível nacional (com vantagem superior a 100 000 votos para a IL), o CH elege 12 deputados distribuídos por oito distritos diferentes, passando a ter um grupo parlamentar maior do que BE e CDU combinados.

Será que se pode então dar razão a Rui Rio quando se desculpou com a falta de voto útil à direita? Não creio, já que foi o próprio Rui Rio a seguir (consistentemente) uma estratégia de encostar o PSD ao centro e ao centro-esquerda chegando até ao ponto de hostilizar abertamente o eleitorado mais à direita (em especial o do CH). Rio pode muito bem ter escolhido a estratégia correcta (crescer ao centro deixando o espaço mais à direita para outras forças políticas) mas não foi capaz de a executar. Em 2022, o exercício de somar aritmeticamente os votos de CH e IL aos do PSD faz pouco sentido porque dificilmente seria possível conceber nas condições actuais uma oferta política que agregasse plenamente esses três segmentos. Durante décadas, Portugal não teve qualquer partido liberal nem qualquer partido de direita radical, ao contrário do que se foi tornando habitual na maioria dos países europeus. A anomalia histórica portuguesa (provavelmente associada às particularidades da transição democrática) era ter à direita do PS apenas partidos filiados no Partido Popular Europeu. Ainda para mais reivindicando o maior deles a “social-democracia” e o mais pequeno (pelo menos inicialmente) um posicionamento “centrista”. Ainda que a sustentabilidade a longo prazo da IL e do CH estejam por demonstrar, tudo indica que as eleições de 2022 marcam não só uma viragem à direita mas também a reconfiguração dessa direita no sentido de um padrão mais consonante com o que acontece no resto da Europa.

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