Quem acompanha de perto a evolução das taxas Euribor, para saber o que vai acontecer à sua prestação de crédito, já poderá ter reparado que estes indexantes, nas últimas semanas, ficaram de pernas para o ar. Entre as três Euribor mais usadas em Portugal – 3, 6 e 12 meses – são os prazos mais curtos que estão, desde o final do ano passado, com taxas mais elevadas. Sobretudo com a rapidez com que aconteceu, este é um fenómeno invulgar que, quando se verifica, sinaliza o risco de desaceleração económica. No contexto atual, porém, pode trazer uma boa notícia para quem tem créditos a taxa variável.

Em circunstâncias normais, quanto mais longo é o prazo maior é a taxa de juro. Ou seja, existe aquilo que se chama uma “curva de rendimentos” positiva, inclinada para cima. Já quando as taxas de juro de prazo maior se tornam mais pequenas do que as de curto prazo a curva de rendimentos passa a ser invertida – que é aquilo que está a acontecer hoje nas Euribor.

Linha azul – Euribor 12 meses; Linha verde – Euribor 6 meses; Linha preta – Euribor 3 meses. FONTE: Euribor-rates.eu

A curva de rendimentos nas Euribor inverteu-se de forma agressiva a partir do momento que o BCE decidiu manter as taxas de juro inalteradas, duas vezes consecutivas, e os mercados financeiros começaram a apostar que Christine Lagarde irá em breve iniciar uma marcha-atrás nos juros.

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“A inversão das taxas no mercado monetário é, claramente, um sinal de que os mercados estão a antecipar cortes bruscos nas taxas de juro por parte do BCE, que podem começar já na primavera“, diz Carsten Brzeski, economista do banco holandês ING. Esta é uma expectativa que o especialista considera “completamente exagerada”. Na sua opinião, “o mais cedo que se pode esperar que o BCE corte os juros é em junho – e mesmo que comecem a baixar as taxas será de forma gradual e não brusca”.

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Há boas notícias no volátil mundo dos juros?

Ainda assim, salientando que nos EUA e no Reino Unido as taxas de mercado também estão a ter um “padrão semelhante”, Carsten Brzeski diz que “é normal que haja alguma inversão em momentos em que se antecipa o início de um ciclo de descidas nas taxas de juro”.

Na (curta) história da zona euro, não é a primeira ocasião em que acontece. Mas está a ser, de longe, a vez em que a inversão está a ser mais brusca e mais duradoura. Ricardo Reis, economista e professor da London School of Economics, explica que o movimento está a ser “mais íngreme porque nunca tivemos na história do euro um problema de inflação tão mau e, por isso, uma subida das taxas de juro do BCE tão grande”.

Linha azul – Euribor 12 meses; Linha verde – Euribor 6 meses; Linha preta – Euribor 3 meses. FONTE: Euribor-rates.eu

No passado, a altura em que a Euribor a 12 meses esteve mais tempo abaixo dos prazos mais curtos foi logo em 2001, nos primórdios da união monetária. Na altura, esse sinal precedeu um abrandamento importante da economia europeia: as taxas de crescimento, que em 2000 se aproximaram dos 4%, caíram para cerca de metade em 2001 e, nos dois anos seguintes, não chegaram a 1%.

Houve, também, vários momentos em que a “curva de rendimentos” esteve plana, como na quebra súbita dos indexantes em 2008, após o colapso do Lehman Brothers e no início da Grande Recessão. Em anos mais recentes, quando as Euribor estiveram negativas, os três indexantes também se moveram de forma muito próxima. Mas a partir do momento em que o BCE começou a sinalizar as subidas dos juros, na primavera de 2022, a “curva de rendimentos” inclinou-se de forma clara, perspetivando as subidas de juros que depois se confirmaram.

Nas últimas semanas, o cenário inverteu-se: a Euribor a 12 meses caiu para cerca de 3,5%, ao passo que as Euribor a três e seis meses rondam os 3,9%.

Bancos centrais só baixam juros “quando virem sangue”

O facto de a curva de rendimentos estar invertida significa “que os mercados esperam (e o BCE confirma) que a taxa de juro do BCE vai estar mais baixa daqui a 12 meses do que estar nos próximos três meses“, nota Ricardo Reis. Em teoria, a Euribor a 12 meses funciona como uma previsão sobre a média da taxa de juro do BCE durante os próximos 12 meses – ou seja, “se se espera que o BCE vá fixar a sua taxa de juro numa trajetória descendente, então essa média do futuro é mais baixa do que o valor presente”, acrescenta.

Porém, tal como Carsten Brzeski, também Filipe Garcia, economista ligado à IMF – Informação de Mercados Financeiros, acredita que os investidores correm o risco de estar a ser demasiado otimistas. A leitura que se pode fazer da inversão da curva de rendimentos é que “o mercado espera que sejam cortes agressivos, ou seja, da mesma maneira que tivemos uma subida de taxas também a ritmo recorde, também provavelmente se espera que a descida seja a um ritmo mais acelerado”.

Filipe Garcia diz ter “algumas dúvidas de que as coisas aconteçam mesmo assim”. “Penso que os bancos centrais vão demorar um pouco a dar o braço a torcer e só vão agir quando virem sangue“, afirma o especialista, prevendo que o BCE irá “adiar ao máximo os cortes de taxas”. “Ainda por cima, temos uma situação económica nos EUA que não está assim tão má e, portanto, é difícil para o BCE estar a cortar quando a Fed mantém os juros”, acrescenta.

Como é que é calculada a Euribor?

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As taxas Euribor (European Interbank Offered Rate) são fixadas pela média das taxas às quais um conjunto de 52 bancos da zona euro está disposto a emprestar dinheiro, uns aos outros, no chamado mercado interbancário. A Caixa Geral de Depósitos é o único banco português que está neste lote de maiores instituições que contam para este cálculo.

Os indexantes, nos seus vários prazos, são calculados uma vez por dia (útil), sendo os novos valores divulgados às 10h00 em Portugal Continental (11h00 na hora da Europa Central). Em Portugal, os mais utilizados para financiar crédito à habitação são os prazos a 3, 6 e 12 meses.

Na prática, as taxas Euribor podem ser vistas como uma previsão que os bancos fazem sobre a média que a taxa de juro do BCE vai ter no prazo em questão. Ou seja, se, por exemplo, a Euribor a 12 meses está em 3,5% isso significa que bancos preveem, em média, que ao longo dos próximos 12 meses a taxa de juro do BCE vai oscilar em torno desse valor (na média ao longo do período).

Os analistas ouvidos pelo Observador consideram que os bancos centrais irão cortar os juros em 2024, sim, mas não de forma tão “agressiva” quando os investidores estão atualmente a prever. De acordo com os últimos indicadores do mercado monetário, que tendem a ser muito voláteis, irá haver um corte de 160 pontos base até ao final de 2024.

Ou seja, a confirmar-se aquilo que os mercados (mas não os analistas) estão a prever, isso significa que a taxa de juro do BCE poderá cair dos atuais 4% para entre 2,25% e 2,5% até ao final do ano.