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ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

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Europeias 2019: o que significam estes resultados?

Onde é que o PS teve mais votos, para onde foram os eleitores do PCP e onde é que PSD e CDS sofreram maiores quedas? E o que é que isto pode significar nas legislativas? Ensaio de Santana Pereira.

No rescaldo das eleições europeias, tem sido intenso o debate na esfera pública sobre os factores subjacentes ao sucesso e insucesso eleitoral de algumas forças políticas, assim como as consequências destes resultados para as legislativas de Outubro próximo. Nesta análise, desejo contribuir para o debate olhando para a distribuição territorial do voto em vários partidos que participaram na competição eleitoral europeia, com o propósito de tentar dar respostas a perguntas-chave. Onde é que foi mais forte o recuo eleitoral da CDU e quem terá lucrado com as perdas eleitorais desta coligação? Ainda existem bastiões territoriais da direita parlamentar em Portugal? Onde é que os novos partidos/coligações (Aliança, Iniciativa Liberal e Basta) obtiveram maior apoio eleitoral e o que é que estes números implicam em termos de perspectivas para as próximas legislativas? Onde é que se votou mais no PAN e o que é que isso nos sugere acerca do perfil do seu eleitorado? E, por fim, o que se passou com o Livre?

Esta análise é feita com base nos resultados oficiais dos partidos ao nível nacional e distrital, mas acima de tudo municipal, que foram cruzados com indicadores demográficos (com relevância política) sobre as características dos concelhos – relevantes porque associadas a velhas ou a novas clivagens na base da competição político-partidária, como sejam a classe social, a religiosidade, a dicotomia rural/urbano ou a dicotomia materialismo/pós-materialismo. Neste exercício de cruzamento entre resultados eleitorais e características dos concelhos, tento escapar à tentação da “falácia ecológica” – isto é, evito tirar ilações sobre o comportamento dos indivíduos com base nos padrões identificados ao nível dos municípios – e procuro acima de tudo identificar alguns padrões que análises posteriores, baseadas em dados de inquérito a amostras representativas dos eleitores portugueses, poderão explorar no sentido de os confirmar ou infirmar.

O que acontece à esquerda? O PS aguenta-se, o BE cresce e a CDU dá um trambolhão

António Costa e Pedro Marques

MIGUEL A. LOPES/LUSA

O resultado eleitoral do PS reforçou o habitual sorriso de António Costa – o partido obteve mais cerca de 70 mil votos em relação às europeias de 2014 e, em termos de proporção de votos, um resultado até superior ao das legislativas de 2015. Aparentemente, este panorama revela a pouca vontade que o eleitorado português teve de usar estas eleições de segunda ordem para punir o partido no governo após três anos e meio de governação – ao contrário do que é habitual, pois as eleições europeias são, tradicionalmente, propícias para demonstrar desagrado com o governo. Os resultados de domingo permitiram que o PS reforçasse a sua presença no Parlamento Europeu, passando a ter 9 eurodeputados (em vez dos 8 conseguidos em 2014). Apesar de não ser um resultado estrondoso, os 33,4% assegurados pelo PS colocam-no numa posição confortável.

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A distribuição geográfica dos resultados do PS não apresenta padrões particularmente interessantes, mas vale a pena sublinhar os excelentes resultados (proporções de voto superiores a 50%) obtidos pelos socialistas em Baião, nalguns concelhos dos Açores (Corvo, Povoação, Santa Cruz da Graciosa), do Alentejo e Algarve interiores (Alandroal, Alcoutim, Gavião, Reguengos de Monsaraz) e do distrito de Castelo Branco (Vila Velha de Ródão, Idanha-a-Nova).

A distribuição geográfica dos resultados deste partido não apresenta padrões particularmente interessantes, mas vale a pena sublinhar os excelentes resultados (proporções de voto superiores a 50%) obtidos pelos socialistas em Baião, nalguns concelhos dos Açores (Corvo, Povoação, Santa Cruz da Graciosa), do Alentejo e Algarve interiores (Alandroal, Alcoutim, Gavião, Reguengos de Monsaraz) e do distrito de Castelo Branco (Vila Velha de Ródão, Idanha-a-Nova).

Contudo, entre os partidos que povoam a ala esquerda do hemiciclo da Assembleia da República, é o BE quem tem mais razões para festejar. Este partido mais do que duplicou o número e a proporção de votos em relação às europeias de 2014, passando de pouco menos de 150 mil votos para cerca de 325 mil (o que corresponde subir de 4,6 para 9,8% das preferências expressas), ficando pouco abaixo do seu melhor resultado de sempre em europeias, 383 mil votos (10,7%) e três assentos no Parlamento Europeu (2009).

Os resultados do BE foram particularmente bons em dois concelhos a que a cabeça de lista, Marisa Matias, está ligada por razões familiares e profissionais – Condeixa-a-Nova (22,4%, a segunda maior proporção de votos, pouco abaixo do PS) e Coimbra (16,2%). Superiores a 10 pontos percentuais são também os resultados obtidos em praticamente todos os concelhos do Algarve, do distrito de Coimbra, de grande parte do Ribatejo e da Margem Sul do Tejo, bem como em Lisboa e no Porto (e alguns concelhos limítrofes) e em capitais de distrito de norte a sul (Braga, Viana do Castelo, Guarda, Castelo Branco, Aveiro, Évora e Beja). Em relação a 2014, o Bloco de Esquerda aumentou a sua expressão eleitoral em virtualmente todos os concelhos, com particular incidência no centro do país (especialmente em alguns concelhos dos distritos de Coimbra e das zonas da Beira Interior, Baixo Alentejo e Estremadura).

Os resultados do BE foram particularmente bons em dois concelhos a que a cabeça de lista, Marisa Matias, está ligada por razões familiares e profissionais – Condeixa-a-Nova (22,4%, a segunda maior proporção de votos, pouco abaixo do PS) e Coimbra (16,2%). Superiores a 10 pontos percentuais são também os resultados obtidos em praticamente todos os concelhos do Algarve, do distrito de Coimbra, de grande parte do Ribatejo e da Margem Sul do Tejo, bem como em Lisboa e no Porto (e alguns concelhos limítrofes) e em capitais de distrito de norte a sul (Braga, Viana do Castelo, Guarda, Castelo Branco, Aveiro, Évora e Beja)

Por sua vez, a CDU deu um trambolhão e apanhou um grande susto – durante parte da noite eleitoral, a possibilidade de eleger apenas um eurodeputado esteve em cima da mesa. No fim de contas, acabou por assegurar dois assentos parlamentares, menos um que em 2014. De qualquer maneira, os comunistas e os verdes obtiveram menos 190 mil votos que no anterior escrutínio eleitoral europeu, passando de 12,7% para 6,9% das preferências expressas pelos eleitores. Foi o pior resultado de sempre para a CDU, tanto em termos de número e proporção de votos.

No que diz respeito à distribuição territorial dos votos nesta coligação, os resultados foram piores que os de 2014 em praticamente todos os municípios do país, com as diferenças nas proporções de votos a superar os 2 pontos percentuais em 224 dos 308 concelhos. É sem surpresa que verificamos que os resultados mais expressivos da CDU foram obtidos no Alentejo, nomeadamente em Avis (44,2%), Mora (39,7%) e Serpa (39%). A CDU situou-se abaixo dos 5 pontos percentuais na grande maioria dos concelhos situados a norte dos distritos de Lisboa, Santarém e Portalegre (sendo a Marinha Grande uma notável excepção), mas superou os 10 por cento em praticamente todo o Alentejo e Margem Sul do Tejo. Ainda assim, é também nesta zona do país que se observam as suas maiores perdas eleitorais em relação às eleições europeias anteriores. De facto, as diferenças entre as percentagens de votos obtidas entre 2019 e 2014 superaram os dez pontos percentuais em 29 concelhos, a maioria dos quais na Área Metropolitana de Lisboa (Alcochete, Almada, Barreiro, Loures, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Setúbal, Vila Franca de Xira) e no Alentejo (Alandroal, Alcácer do Sal, Barrancos, Beja, Castro Verde, Cuba, Évora, Grândola, Montemor-o-Novo, Moura, Santiago do Cacém, Sines, Sousel, Vila Viçosa). Inevitavelmente, este resultado será motivo de alarme para os partidos que compõem a CDU.

A CDU situou-se abaixo dos 5 pontos percentuais na grande maioria dos concelhos situados a norte dos distritos de Lisboa, Santarém e Portalegre (sendo a Marinha Grande uma notável excepção), mas superou os 10 por cento em praticamente todo o Alentejo e Margem Sul do Tejo. Ainda assim, é também nesta zona do país que se observam as suas maiores perdas eleitorais em relação às eleições europeias anteriores.

Para onde terão ido os votos da CDU? Dito de outra forma: que partidos beneficiaram com a queda da CDU? A análise dos dados agregados disponíveis sugere que parte do seu esvaziamento eleitoral terá servido para consolidar a posição do PS e, em certa medida, fomentar o crescimento do BE e do PAN e, curiosamente, a expressão eleitoral do Basta. De facto, como se observa nas figuras em baixo, existem correlações inversas de magnitude moderada entre a variação dos resultados eleitorais da CDU e os do PS, PAN e BE em relação a 2014, bem como entre a variação do apoio eleitoral aos comunistas e verdes e os resultados do Basta.

Mas que características estão associadas à variação territorial nos resultados do PS, BE e CDU? Isto é, quais as características dos concelhos onde as votações destes partidos são mais expressivas? No caso dos socialistas, a percentagem de votos obtida é significativamente mais elevada à medida que aumentam a taxa de envelhecimento da população, a taxa de desempregados inscritos nos centros de emprego e a proporção de casamentos não religiosos, e à medida que diminui a percentagem de munícipes com ensino superior. Aparentemente, o PS obteve um maior sucesso eleitoral em contextos mais envelhecidos, em que a população tem menos recursos e uma ligação débil com a religião. A incidência do desemprego no concelho é, de entre estas quatro variáveis, a que mais explica as variações no apoio eleitoral ao partido no governo.

No caso dos votos na CDU, a variação entre municípios é explicada apenas pela densidade populacional e pela proporção de casamentos não religiosos, sendo os resultados desta coligação melhores em contextos menos densos e menos religiosos – características de grande parte do sul do território continental português. Por fim, o carácter urbano e cosmopolita do BE é confirmado pelo facto de a percentagem de votos obtidos pelo partido ser tanto maior quanto mais elevados forem a densidade populacional e a proporção de indivíduos com o ensino superior completo no concelho.

À direita, más notícias para Rio e Cristas

Rui Rio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nem o PSD nem o CDS-PP receberam boas notícias na noite de domingo. O PSD conquistou apenas 21,9% dos votos expressos, o que se traduziu na eleição de seis eurodeputados. O CDS, com os seus 6,2%, posicionou-se em quinto lugar na classificação dos partidos e ocupará apenas um lugar no Parlamento Europeu. Tendo conseguido obter apenas mais cerca de 20 mil votos em relação às últimas europeias, a soma do número de assentos conquistados por estes dois partidos – sete – é idêntico ao de 2014, ano em que se apresentaram coligados à competição eleitoral europeia, replicando a coligação que estava na base do governo de Pedro Passos Coelho. No entanto, se uma punição eleitoral destes partidos era expectável em 2014, após três anos de implementação de medidas de austeridade no contexto de um programa de resgate financeiro, os fracos resultados obtidos agora, numa conjuntura em que a sua posição na dicotomia governo/oposição potenciava um outro fôlego eleitoral, não permitem antever um brilharete da direita parlamentar nas legislativas de Outubro.

Olhando para a distribuição geográfica do voto no PSD, verificamos sem surpresa que os resultados mais expressivos se situam a norte do Tejo, com particular incidência no Nordeste do território nacional. O partido obtém mais de 50 por cento dos votos em concelhos como Boticas (onde agrega mais de dois terços dos votos), Valpaços, Vimioso e Sernancelhe, todos nesta zona do país, bem como no concelho madeirense da Calheta. Por sua vez, na maioria dos concelhos do Alentejo, o partido não chega a obter 10% das preferências expressas.

Olhando para a distribuição geográfica do voto no PSD, verificamos sem surpresa que os resultados mais expressivos se situam a norte do Tejo, com particular incidência no Nordeste do território nacional. O partido obtém mais de 50 por cento dos votos em concelhos como Boticas (onde agrega mais de dois terços dos votos), Valpaços, Vimioso e Sernancelhe, todos nesta zona do país, bem como no concelho madeirense da Calheta. Por sua vez, na maioria dos concelhos do Alentejo, o partido não chega a obter 10% das preferências expressas.

Por sua vez, a distribuição dos resultados do CDS-PP aparenta ser um pouco menos concentrada geograficamente, embora os valores mais elevados (superiores a 10 pontos percentuais) tenham sido observados a norte do Mondego: em vários concelhos do distrito de Aveiro (com excepção da capital de distrito) e nos municípios nortenhos de Armamar, Aguiar da Beira, Mêda, Mondim de Basto, Ponte de Lima, Tabuaço e Vila Nova de Famalicão. Em alguns concelhos das regiões autónomas (São Jorge e Angra do Heroísmo nos Açores, Santana e Calheta na Madeira), os resultados foram também superiores à média nacional.

A religiosidade é também um factor importante para o CDS-PP, a par da relação de forças entre população jovem e idosa: os resultados do partido de Assunção Cristas foram mais favoráveis à medida que aumenta a taxa de envelhecimento da população e decresce a proporção de casamentos apenas civis nos municípios.

Quando analisamos os factores associados à variação territorial dos resultados do PSD e do CDS-PP, verificamos que, no caso do partido liderado por Rui Rio, as proporções de votos obtidos têm uma relação inversa com a taxa de casamentos não religiosos, de estrangeiros residentes e de cidadãos detentores de diplomas universitários. Assim, em linhas gerais, o appeal eleitoral do PSD foi tanto maior quanto mais religiosos, menos multiculturais e com uma população menos escolarizada são os concelhos. A religiosidade é também um factor importante para o CDS-PP, a par da relação de forças entre população jovem e idosa: os resultados do partido de Assunção Cristas foram mais favoráveis à medida que aumenta a taxa de envelhecimento da população e decresce a proporção de casamentos apenas civis nos municípios.

As novidades de 2019: Aliança, Iniciativa Liberal, Basta

Santana Lopes e Paulo Sande

MÁRIO CRUZ/LUSA

As eleições europeias de 2019 constituíram o primeiro grande teste eleitoral de dois novos partidos de direita (Aliança e Iniciativa Liberal) e de uma coligação (Basta) que integrava como cabeça-de-lista o líder de um terceiro novo partido, o Chega (com uma posição bastante mais à direita e conservadora que os dois anteriores). Se olharmos apenas para os mandatos europeus atribuídos com base nos resultados eleitorais, poderíamos dizer que nenhum destes partidos passou no teste.

No entanto, façamos um exercício arriscado, ignorando momentaneamente o facto de que, em eleições de segunda ordem, os pequenos partidos (incluindo os novos partidos) tendem a obter resultados melhores do que nas eleições de primeira ordem, em que a pressão para o voto estratégico é maior. Ignoremos ainda a possibilidade de o Chega se apresentar sozinho às eleições legislativas de Outubro, perdendo eventualmente o apoio dos eleitores do PPM e do PPV/CDC.

Os 2,93% do Aliança e os 2,18% do Basta no distrito de Lisboa (o círculo eleitoral com maior número de assentos em jogo, e, consequentemente, aquele em que uma menor percentagem de votos é necessária para eleger um deputado) significariam muito provavelmente a entrada destas duas forças políticas no parlamento nacional. O partido Iniciativa Liberal ficaria de fora.

O exercício pressupõe considerarmos que os resultados destas três forças políticas no escrutínio de domingo são uma boa base para a previsão do seu desempenho nas eleições legislativas que ocorrem daqui a quatro meses. Se assim fosse, os 2,93% do Aliança e os 2,18% do Basta no distrito de Lisboa (o círculo eleitoral com maior número de assentos em jogo, e, consequentemente, aquele em que uma menor percentagem de votos é necessária para eleger um deputado) significariam muito provavelmente a entrada destas duas forças políticas no parlamento nacional. O partido Iniciativa Liberal ficaria de fora, visto que a sua votação ficou aquém do necessário para eleger em eleições legislativas até mesmo nos círculos eleitorais de maior magnitude, Lisboa e Porto.

A distribuição dos votos no Aliança pelo território nacional apresenta padrões interessantes. Este partido obteve um menor apoio (resultados inferiores a 2 pontos percentuais) na maioria dos concelhos a sul do Tejo (Évora, Faro, Lagos e Moita constituem excepções) e a norte do Douro (com excepção de Porto, Vila Real e Terras de Bouro). São muito mais expressivos – variando entre 3,5% e os 4,6% – os resultados obtidos na Figueira da Foz e em Lisboa (cidades que o líder do Aliança, Pedro Santana Lopes, serviu como presidente de Câmara) e em alguns concelhos dos Açores e do distrito de Lisboa. As características dos municípios mais claramente relacionadas com a variação do voto no Aliança são a proporção de estrangeiros residentes, de detentores de títulos universitários e de residentes desempregados, sendo que os resultados do partido aumentam à medida que sobem os dois primeiros indicadores e desce o terceiro.

Se cruzarmos os resultados do Aliança com os obtidos pelos outros partidos, verificamos que não existe aparentemente um padrão de competição directa com o PSD, o CDS-PP ou sequer com o PS (os coeficientes de correlação entre as percentagens de voto no Aliança e cada um destes três partidos são muito baixos).

É importante assinalar que, se cruzarmos os resultados do Aliança com os obtidos pelos outros partidos, verificamos que não existe aparentemente um padrão de competição directa com o PSD, o CDS-PP ou sequer com o PS (os coeficientes de correlação entre as percentagens de voto no Aliança e cada um destes três partidos são muito baixos). O que se observa, acima de tudo, é que o Aliança tende a obter resultados eleitorais mais expressivos nos concelhos em que o Livre, o PAN e o Iniciativa Liberal também foram mais votados (coeficientes de correlação entre 0,46 e 0,61). Isto sugere que existem concelhos onde a competição eleitoral está mais cristalizada em torno dos velhos competidores e outros em que estes novos partidos, independentemente da sua natureza ou bandeira, conseguem maior apoio eleitoral.

Por sua vez, a coligação Basta é aparentemente mais forte nas zonas centro e sul do país, com uma especial incidência (resultados superiores a 2 pontos percentuais) em vários concelhos dos distritos de Lisboa, Santarém e Setúbal, do Alentejo Interior e do Algarve. Os melhores resultados verificaram-se na ilha do Corvo (7,2%) – onde foi o segundo partido mais votado, ainda que muito longe do PS (69,6%) – e no concelho alentejano de Monforte (5,2%). Vale a pena destacar os resultados obtidos pelo Basta em Pedrógão Grande (o nono melhor resultado da coligação ao nível dos concelhos, 3%) após a publicação nas redes sociais, no dia de reflexão, de uma fotografia em que André Ventura aparece em oração pelas vítimas dos incêndios naquela localidade. Apesar de a correlação não ser muito expressiva (coeficiente de Pearson de -0,45), existe uma tendência para que, à medida que os resultados do PSD vão sendo mais elevados, menor seja a expressão eleitoral do Basta – situação a confirmar nas próximas eleições legislativas. Quanto à relação entre características dos municípios e apoio eleitoral, a votação nesta coligação foi maior à medida que a percentagem de estrangeiros residentes e de inscritos nos centros de emprego aumentam, mas também à medida que aumenta a proporção de indivíduos com formação superior e decresce a densidade populacional dos municípios.

O Iniciativa Liberal viu os seus resultados concelho a concelho variar de acordo com a densidade populacional, a taxa de residentes com diplomas universitários e a proporção de munícipes inscritos nos centros de emprego, tendo tido mais votos em concelhos mais urbanos, com mais eleitores com formação superior e menos desempregados.

O partido Iniciativa Liberal aparenta ser um fenómeno particularmente urbano e litoral, sendo os seus melhores resultados observados nos concelhos do Porto e Lisboa (2,1% e 2%, respectivamente). Dos 29 concelhos em que o partido obteve resultados superiores aos conseguidos no território nacional como um todo (0,87% dos votos), só 14 (Alvito, Aveiro, Batalha, Benavente, Braga, Cartaxo, Coimbra, Faro, Funchal, Lages das Flores, Óbidos, Ovar, Santa Cruz e Vizela) não pertencem aos distritos ou às Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, e cinco são capitais de distrito. É grande a congruência entre os resultados eleitorais do Iniciativa Liberal e de partidos que, do ponto de vista ideológico, pouco têm em comum com esta nova força política, tais como o PAN e o Livre, podendo as notáveis correlações (coeficientes entre 0,6 e 0,7) dever-se, como já sugerido, à existência de concelhos que constituem áreas eleitorais mais abertas a novas forças políticas e outros cujas preferências estão mais cristalizadas em torno dos partidos tradicionais. O Iniciativa Liberal viu os seus resultados concelho a concelho variar de acordo com a densidade populacional, a taxa de residentes com diplomas universitários e a proporção de munícipes inscritos nos centros de emprego, tendo tido mais votos em concelhos mais urbanos, com mais eleitores com formação superior e menos desempregados.

O milagre da multiplicação dos votos do PAN e a terceira não descolagem do Livre

André Silva

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

De entre os restantes partidos, merecem destaque, pelas trajectórias diferenciadas, o PAN e o Livre. O primeiro foi a grande surpresa da noite eleitoral, obtendo 5,1% dos votos e a eleição de um eurodeputado. Este resultado consolidou a sua presença no panorama partidário português após ter conseguido, nas legislativas de 2015, eleger um deputado pelo círculo de Lisboa. Por sua vez, o Livre ficou, pela terceira vez desde a sua fundação em Janeiro de 2014, aquém do propósito de eleger representantes: obteve apenas 1,83% das preferências expressas pelos votantes. Se repetirmos o exercício feito acima, usando os resultados destes partidos nos distritos que, nas eleições legislativas, cumprem também a função de círculos eleitorais como base para a previsão dos seus resultados nas legislativas de Outubro, verificamos que seria possível a eleição de um deputado por Lisboa pelo Livre e de vários deputados pelo PAN em círculos eleitorais como Lisboa, Porto ou Setúbal.

Há uma tendência para que tanto o PAN como o Livre sejam mais fortes nos centros urbanos e no litoral do país que no interior. De facto, a maioria dos concelhos em que estes partidos obtiveram resultados inferiores a metade da sua proporção de votos global está localizada no interior do país. Por sua vez, os resultados do PAN foram particularmente bons em vários concelhos dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Faro e Aveiro, incluindo as capitais destes distritos. Quanto ao Livre, entre os 35 concelhos em que obteve resultados superiores aos seus 1,83 globais, contam-se 8 capitais de distrito e vários concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Entre 2014 e 2019, o PAN viu a sua proporção de votos subir de 1,7% para 5,1% dos votos, com uma diferença de mais de 100 mil votos entre as duas eleições. Este partido conseguiu obter resultados consideravelmente melhores em relação a 2014 (pelo menos um ponto percentual a mais) em 272 dos 308 concelhos portugueses, e só perdeu relevância (neste caso completamente, não tendo sido capaz de assegurar qualquer voto) em Barrancos. O crescimento mais pronunciado – quatro ou mais pontos percentuais a mais em comparação com os resultados de 2014 – aconteceu, sem surpresas, em vários concelhos dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Faro e Aveiro. Quanto ao Livre, perdeu cerca de 10 mil votos entre 2014 e 2019, ficando desta vez abaixo dos dois pontos percentuais. As perdas mais pronunciadas aconteceram no Sardoal (menos 1,8 pontos percentuais), Cascais e Alcochete (menos 1,1 pontos percentuais). No concelho de Lisboa, em que o Livre obteve o melhor resultado, as perdas em relação a 2014 também se fizeram sentir – menos cerca de 1500 votos, o que corresponde a uma quebra de um ponto percentual no resultado final.

Os resultados do PAN foram particularmente bons em vários concelhos dos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal, Faro e Aveiro, incluindo as capitais destes distritos. Quanto ao Livre, entre os 35 concelhos em que obteve resultados superiores aos seus 1,83 globais, contam-se 8 capitais de distrito e vários concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.

No cruzamento dos resultados eleitorais do PAN com as características dos concelhos, verificamos que há uma tendência para que a proporção de votos conquistada por este partido suba ao mesmo tempo que aumenta a densidade populacional dos concelhos, a percentagem de residentes com o ensino superior completo, a percentagem de estrangeiros legalizados residentes e a proporção de casamentos não religiosos, e que diminui a taxa de envelhecimento e a proporção de residentes inscritos em centros de emprego. As três primeiras dimensões são as mais importantes para explicar a variação no apoio eleitoral ao PAN entre concelhos. Há assim, ao nível agregado, um panorama de maior sucesso eleitoral deste partido em contextos mais urbanos, cosmopolitas, jovens e laicos. Já quanto ao Livre, verifica-se sem surpresas que a sua proporção de votos tende a subir à medida que os concelhos são mais urbanos, menos envelhecidos, com mais estrangeiros residentes, com uma maior proporção de licenciados e uma incidência mais baixa do desemprego.

O que nos dizem estes padrões sobre as legislativas de Outubro?

Qualquer exercício de especulação sobre resultados eleitorais futuros é profundamente arriscado – apesar de se estar a apenas quatro meses de distância das legislativas, muito pode acontecer até lá, para além do facto de os comportamentos eleitorais serem diferentes entre europeias e legislativas. Dito isto, há algumas expectativas plausíveis que darão motivos de debate e análise na noite eleitoral de Outubro.

A primeira é a consolidação do PAN como força política com representação parlamentar. Depois de ter conseguido eleger um deputado nas legislativas de 2015 e um eurodeputado nestas últimas europeias, é provável que o PAN consiga eleger vários deputados (três ou mais) nas legislativas de Outubro – isto graças ao seu excelente desempenho eleitoral nos círculos de Lisboa, Porto e Setúbal. Além disso, o seu perfil cosmopolita, urbano, formado e jovem dá-lhe maior potencial de crescimento: o PAN estará, possivelmente, a chegar a um eleitorado que tem sido o alvo prioritário dos novos partidos, sendo que está a ter sucesso onde outros (como o Livre) têm falhado.

Depois de ter conseguido eleger um deputado nas legislativas de 2015 e um eurodeputado nestas últimas europeias, é provável que o PAN consiga eleger vários deputados (três ou mais) nas legislativas de Outubro – isto graças ao seu excelente desempenho eleitoral nos círculos de Lisboa, Porto e Setúbal.

A segunda expectativa é quanto à entrada de novos partidos na Assembleia da República. Aliança e Basta poderão ter a meta de eleger um deputado em Lisboa, embora os seus resultados nas europeias não constituam uma garantia de que tal objectivo seja facilmente concretizável. Importa assinalar que o Aliança obteve os seus melhores resultados onde o seu líder exerceu cargos políticos autárquicos (Lisboa e Figueira da Foz), pelo que a disponibilidade de Pedro Santana Lopes para encabeçar a lista do Aliança em Lisboa poderá ser decisiva para um resultado positivo. Por seu lado, apesar dos sucessivos fracassos, o Livre deve ser tido em conta nesta equação: é possível eleger um deputado por Lisboa, embora, à partida, tal cenário pareça de mais difícil realização do que para outros partidos “novatos”.

A terceira expectativa é que o PS consiga uma vitória relativamente folgada: o facto de ter sido o primeiro partido nas europeias (quando é habitual que os partidos no governo sejam punidos) e a proximidade destas duas eleições constituem a base para algum optimismo entre os socialistas, que poderão manter a tendência de captação de votos à esquerda (nomeadamente CDU) e à direita.

A quarta expectativa é que, apesar de tudo, o sistema partidário português manter-se-á, em linhas gerais, estável, cristalizado. A possibilidade de entrada de novos partidos deve ser tida em conta, mas está praticamente reduzida ao círculo eleitoral de Lisboa – ou seja, sem representação nacional. Por mais interesse que os partidos novos provoquem na esfera pública, o sistema eleitoral deverá manter-se eficaz no bloqueio da sua entrada – isto é, pelo menos minimizará os “danos”, assegurando que o peso eleitoral dos partidos tradicionais não seja ameaçado.

José Santana Pereira é professor de Ciência Política no ISCTE-IUL e autor do ensaio “Política e Entretenimento” (2016), publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). É doutorado em Ciências Políticas e Sociais pelo Instituto Universitário Europeu de Florença (2012).

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