Finalmente! É o que nos apraz dizer este mês. Não propriamente pela execução orçamental em si (apesar de também trazer boas notícias, com um excedente global de 258 milhões), mas pelos desenvolvimentos políticos que ocorreram nas últimas semanas relativamente ao défice, investimento e saúde – explicados ao longo deste artigo.

Agora já com a confirmação oficial de que o défice de 2017 foi o “défice mais baixo da democracia”, António Costa e Mário Centeno podem deixar de olhar para os fantasmas do passado e começar a preocupar-se com o futuro, o que na frente orçamental significa o Programa de Estabilidade 2018-2022, apresentado publicamente nas próximas semanas.

Deixamos, no entanto, uma primeira ressalva: este só pode ser considerado o défice mais baixo da democracia (0,9% do PIB), se não se contabilizarem os custos com a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Considerando tais custos, tal como o Eurostat – e segundo o que o IPP previa desde julho de 2016 (no Observador) – o défice salta os 3%. Na frente europeia, tal não levanta preocupações acrescidas: sendo uma despesa de carácter extraordinário, e dado não ser efetivamente ultrapassada a barreira dos 3%, não será sequer motivo de discussão a reentrada de Portugal no Procedimento por Défice Excessivo.

No entanto, tal não deve deixar de sobressaltar os cidadãos: a ideia de tais regras é precisamente sinalizar que estes custos acrescem ao já de si pesado fardo da dívida pública, tratando-se de um “investimento” dificilmente recuperável em termos financeiros.

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O défice de 2017 bateu todos os records, tendo ficado 0,7 décimas abaixo do inicialmente orçamentado. Porém, formalmente, ao ser considerado o efeito da recapitalização da CGD, voltamos a atingir o patamar dos 3%…

Receita mantém um contributo positivo

É do lado da receita que permanece o maior contributo para a consolidação das contas de Portugal. O crescimento da receita (4,7%) permitiu em larga escala compensar o aumento registado na despesa (2,8%). Esta evolução é justificada essencialmente pelo aumento registado no emprego e por uma maior intensidade da atividade económica – um crescimento económico homólogo superior permite um aumento quase automático das receitas fiscais, sem que haja necessidade de implementação de novas medidas.

Considerando apenas o subsetor do Estado, a receita fiscal registou um crescimento de 8,1%, tendo a contribuição de cada imposto sido, no entanto, bastante diferenciada. Mantém-se a tendência registada ao longo de 2017, com os impostos indiretos a crescer mais (8,8%) e a compensar o fraco desempenho dos impostos diretos. Esta tendência facilitou ainda ao Governo atingir em 2017, quase sem perceção por parte dos cidadãos, o maior nível de carga fiscal das últimas duas décadas (34,7% do PIB, enquanto o Governo apontava para 34,1%, no máximo).

Adicionalmente, o surpreendente aumento do nível de emprego tem permitido um aumento das contribuições sociais para a Segurança Social (7,6%), que apresenta um saldo excedentário cerca de 15% superior ao registado em período homólogo. Relembre-se que este setor tem vindo a apresentar um desempenho bastante favorável, com um crescimento sustentável das contribuições e um adequado controlo das despesas, beneficiando da diminuição das prestações de desemprego.

Despesas com pessoal: o grande desafio de 2018

O ano de 2017 foi, já de si, bastante desafiante quanto ao controlo das despesas com pessoal. O ano de 2018 sê-lo-á ainda mais. Relembre-se que, para além de em 2018 já estar incorporado a totalidade do efeito de reposição dos salários, está também em andamento o processo de descongelamento das carreiras.

O problema é que em 2017 esta rubrica já derrapou, tendo as despesas com pessoal dos subsetores Estado e Serviços e Fundos Autónomos ficado mais de 300 milhões acima do orçamentado. Isto levanta a mesma preocupação para 2018: não estarão estas despesas suborçamentadas? Para 2018 prevê-se uma diminuição em percentagem do PIB desta rubrica, apesar de se estimar um custo de 211 milhões de euros para o descongelamento das carreiras. A medida de contenção do emprego público permite apenas uma poupança estimada de 23 milhões – sendo que, na realidade, temos vindo a assistir a um aumento, e não contenção, do mesmo.

Por ora parece tudo controlado, com a execução orçamental de fevereiro a apresentar uma diminuição homóloga de 3,3% das despesas com o pessoal (da Administração Central e Segurança Social). No entanto, uma parte desta diminuição é explicada pelo fim do pagamento de 50% do subsídio de natal em duodécimos, para além de que o descongelamento das carreiras ainda não chegou a sequer 100 mil funcionários.

Investimento público debaixo da ponte

No mês de fevereiro o investimento registou uma variação homóloga de 5%. O facto de a variação ter sido positiva já é, só de si, uma boa notícia. No entanto, não chega. Segundo os objetivos inscritos no Orçamento (para a Administração Central), o investimento deverá atingir cerca de 3.408 milhões de euros no final de 2018. Para isso, necessita de um crescimento global de 7% face ao que estava orçamentado para 2017. Se considerarmos o valor a que o investimento público se fixou efetivamente no final de 2017 (menos 893 milhões face ao previsto em contabilidade pública), a situação piora: é preciso um crescimento de quase 50%!

Porque é que dizemos então “finalmente”? Porque agora que se tornou pública e mediática a informação de que a Ponte 25 de Abril precisava urgentemente de obras profundas de manutenção, o tema do fraco investimento que tem sido realizado parece começar a ocupar o seu devido lugar no debate político – esperando que não “arrefeça” tão cedo. É a consciencialização prática de que o investimento não pode funcionar meramente como uma variável de ajustamento. E, neste caso, estamos até só a falar de investimento de manutenção, nem sequer é de “novo” investimento, em novos projetos. Em causa não está se deveria, ou não, ser de facto o Governo a financiar essas obras – uma vez que a exploração da ponte está concessionada a uma entidade privada. A questão é: sendo o Governo mal ou bem o seu responsável, onde estão essas obras?

É certo que o investimento tem ficado sempre aquém do estabelecido no Orçamento. Porém, não tanto como no ano passado…

Uma nova esperança na saúde?

A crescente dívida não financeira dos Hospitais EPE – e a correspondente atitude relativamente passiva do Governo – tem sido um dos temas que mais abordamos nesta coluna. Neste mês de fevereiro observou-se um novo aumento: mais 73 milhões de euros de pagamentos em atraso face a janeiro, e mais 352 milhões face ao período homólogo – isto após mais uma regularização “extraordinária” que havia ocorrido no final de 2017.

Até aqui nada de novo. De novo temos é – finalmente – a criação de uma Estrutura de Missão para a Sustentabilidade Orçamental da Saúde, que visa melhorar o controlo orçamental, e o desempenho económico e financeiro das entidades do Serviço Nacional de Saúde, entre outras. É, pelo menos, um primeiro passo que nos indica que o Governo não pretende resolver o problema da saúde apenas com regularizações extraordinárias e reforços de capital. É, de facto, uma esperança no que toca à criação de uma possível estratégia integrada de longo-prazo que venha implementar medidas que melhorem a gestão financeira dos Hospitais EPE.

Esta estrutura – embora temporária – permitirá fazer a ponte entre o Ministério das Finanças e o Ministério da Saúde, o que permitirá envolver neste processo os agentes que lidam, no dia-a-dia, com a realidade e limitações que este setor apresenta.

A dívida não financeira dos Hospitais (atualmente em valores superiores ao máximo registado em 2017) poderá ganhar uma nova perspetiva com a implementação da Estrutura de Missão da Saúde…


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Com um défice orçamental em 2017 (0,9%) que ultrapassa desde já a meta orçamental estabelecida pelo Governo para 2018 (1%), com as execuções orçamentais de 2018 a correr bem até agora, e com “Portugal [a apresentar] hoje o seu melhor desempenho económico e financeiro de várias décadas”, segundo comunicado de Mário Centeno, resta saber quais são os próximos planos do Governo. Será que esse desempenho irá finalmente permitir desenvolver melhores políticas e melhorar a qualidade dos serviços públicos, por forma a atingir “um novo patamar de desenvolvimento do país”?

Após um ano em que a carga fiscal atingiu o seu valor máximo dos últimos 22 anos, e dadas as recentes positivas notícias para a economia portuguesa, será interessante ver que impacto é que tal terá nas medidas a discutir em breve pelo Governo para os próximos cinco anos, com a apresentação do próximo Programa de Estabilidade. É inegável que o Governo se encontra numa situação muito mais confortável agora – com o aumento do emprego e salários, diminuição abrupta do desemprego, crescimento do investimento, diminuição da dívida e juros – para ponderar implementar algumas reformas essenciais.

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Investigadores do Institute of Public Policy (IPP)

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