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Em abril, houve demissão em bloco nas urgências das Caldas. Problemas já se vinham acumulando
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Em abril, houve demissão em bloco nas urgências das Caldas. Problemas já se vinham acumulando

CARLOS BARROSO/LUSA

Em abril, houve demissão em bloco nas urgências das Caldas. Problemas já se vinham acumulando

CARLOS BARROSO/LUSA

Explicador. O caso do bebé que morreu nas Caldas e a falta de médicos obstetras em nove perguntas e respostas

Caso do bebé que morreu no hospital das Caldas chamou a atenção para um possível motivo -- falta de médicos -- mas o problema não é de agora. Sindicatos e ordens exigem respostas ao Governo.

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O caso de uma mulher grávida que perdeu o bebé no hospital das Caldas da Rainha, na noite de quarta-feira, veio colocar o foco de todas as atenções nas falhas nas urgências hospitalares e na falta de recursos humanos não só neste, mas em vários hospitais do país. O cenário que antecedeu o fim de semana prolongado poderá ser apenas o sinal de uma realidade bem mais vasta e complicada que não é de agora, mas que vem à liça sempre há feriados colados ao fim de semana, assim como períodos de férias, e que agora são agravados pela própria pandemia: a falta de médicos está a ter consequências que chegam a ser dramáticas e que estão a preocupar não só os utentes, como vários responsáveis políticos.

Esta sexta-feira, em vários pontos do país, foi anunciado o encerramento de diversos serviços de obstetrícia pelo menos até segunda-feira, sugerindo que o caso das Caldas — onde já foi aberto um inquérito para apurar se a causa da morte do bebé esteve relacionada com a falta de médicos — não seria isolado. E a polémica começa a chegar ao poder político, a quem sindicatos e Ordem exigem soluções. Explicamos em nove perguntas e respostas o que se sabe (e o que falta saber) sobre o que se passa nos serviços de urgências que estão a fechar.

O que aconteceu no caso do bebé que morreu?

Na quarta-feira à noite, morreu um bebé durante uma cesariana de emergência no hospital das Caldas da Rainha. O hospital tinha as urgências da especialidade, obstetrícia, fechadas por falta de médicos — a razão que tem sido apontada para o desfecho trágico do parto, mas que ainda será investigada. Sabe-se já que o INEM estava informado sobre o encerramento, segundo a informação adiantada pelo conselho de administração do hospital. Porém, neste caso concreto, tal não faz diferença, uma vez que a grávida não chamou o INEM e se deslocou ao hospital pelos seus próprios meios.

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Centro Hospitalar do Oeste abre inquérito a morte de bebé no hospital das Caldas

Como o Governo já confirmou, “lamentando profundamente” o sucedido, vai agora ser aberto um inquérito, pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde, para apurar as circunstâncias da morte do bebé e “eventuais responsabilidades” e perceber se a falta de médicos foi mesmo o fator crucial que causou este desfecho.

Mas já há quem aponte razões?

Sim. Apesar de a investigação só começar agora, o Sindicato Independente dos Médicos reagiu logo na sexta-feira, alegando que a falta de resposta dos serviços de obstetrícia é a “razão de fundo” para o que aconteceu, numa declaração dada pelo secretário-geral, Jorge Roque da Cunha, à Lusa.

Também à Lusa, o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, Alexandre Valentim Lourenço, lamentou “a perda de uma vida e uma tragédia familiar”, mas também apontou um motivo: “Nós temos que ter a noção de que não se pode ter equipas desfalcadas e encerramentos de urgências sem consequências, e as consequências advêm de uma crise que já se arrasta há mais de três anos e para a qual temos repetidamente chamado a atenção”.

Falta de médicos no SNS, isolamentos por causa da Covid-19 e idade avançada dos obstetras são razões apontadas para haver tantas equipas desfalcadas. Falhas foram "impossíveis de suprir", assumiu Governo

A falta de obstetras é um problema só das Caldas da Rainha?

Longe disso. As notícias sobre a situação de rutura das urgências de obstetrícia e ginecologia são recorrentes. Aliás, este fim de semana, as urgências destas especialidades dos hospitais de São Francisco Xavier, em Lisboa; Beatriz Ângelo, em Loures; no Hospital de Setúbal; o Centro Hospitalar-Barreiro Montijo; e o Hospital Garcia de Orta vão estar encerradas em diferentes períodos, uma vez que não tinham escalas completas para permitir o atendimento aos utentes.

Em comunicado, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo veio assumir que, “apesar de todos os esforços desenvolvidos”, não foi possível “ultrapassar os constrangimentos” e completar as escalas neste fim de semana longo. Esses serviços terão, assim, de ser assegurados por outras unidades da rede, como o Hospital Santa Maria, o Amadora-Sintra (no caso dos utentes do São Francisco Xavier) e pela Maternidade Alfredo da Costa — há anos rodeada de polémica, dado que vários relatórios apontam insuficiências e falhas graves no atendimento prestado.

De resto, o mesmo sindicato já tinha colocado um aviso na quinta-feira, no seu site, sobre os “dias de catástrofe prevista nas maternidades da Grande Lisboa”, alertando: “Vai ser complicado parir na Grande Lisboa”. E perguntava por que esperava o Ministério da Saúde, “calado”, para reagir à situação.

Mas os problemas não se verificam apenas na região de Lisboa: o hospital de Braga também confirmou na manhã deste sábado que vai encerrar as urgências de obstetrícia e ginecologia entre as 8h de domingo e as 8h de segunda-feira, por falta de médicos. O Sindicato Independente dos Médicos tinha adiantado que, em vez dos necessários cinco médicos ginecologistas e obstetras, o hospital contava com apenas dois médicos na escala para 12 de junho. E descrevia isto como o “lamentável resultado da incapacidade do Governo em captar e fixar médicos no SNS [Serviço Nacional de Saúde], oferecendo-lhes condições de trabalho e remuneratórias adequadas ao seu nível de responsabilidade”.

A maternidade Alfredo da Costa assegurará o atendimentos de utentes vindas de outros hospitais da Grande Lisboa que encerram serviços

MIGUEL A. LOPES/LUSA

O que está a ser feito para resolver a situação?

Sendo que todas as partes admitem que está a haver falhas e a ser “impossível” completar escalas, a aposta é, ainda assim, no funcionamento em rede das unidades que têm competência para assegurar estes serviços. Este sábado, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo informou em comunicado que na sexta-feira, 10 de junho, foram realizados 71 partos nas maternidades dos 13 hospitais/centros hospitalares que estavam capacitados para tal. “Estes números atestam o funcionamento em rede das unidades do SNS”, lê-se na nota.

Seis hospitais do país anunciaram constrangimentos e encerramento das urgências de obstetrícia durante determinados períodos de tempo neste fim de semana prolongado.

“A ARSLVT, hospitais da região e o CODU/INEM mantêm estreita articulação para garantir o normal funcionamento das urgências das maternidades da  região em segurança”, assegurou a ARS, agradecendo ainda “aos profissionais de saúde que vão assegurar a prestação de cuidados pelo esforço adicional” e apelando “à compreensão dos utentes, lamentando, desde já, o constrangimento que, apesar de todos os meios disponibilizados, não foi possível ultrapassar”.

Também em Braga, o hospital assegurou que se encontra a “trabalhar de forma articulada com outros hospitais da região, de forma a que a resposta aos utentes seja garantida pela rede de instituições do Serviço Nacional de Saúde”. Já o Hospital de Santarém estava neste sábado com uma equipa reduzida em obstetrícia e pediu ao centro de orientação de doentes urgentes (CODU) para reencaminhar eventuais utentes para outros hospitais. “Entre as 08h00 deste sábado e as 08h00 de domingo o hospital está com uma equipa reduzida e, por isso, foi feita uma reorganização do serviço de urgências”, afirmou a fonte à Lusa, explicando que as urgências de obstetrícia não estão encerradas, há é um pedido ao CODU para reencaminhar casos para outros hospitais da zona, por falta de recursos humanos em Santarém.

Hospitais da Grande Lisboa realizaram 71 partos na sexta-feira

Por que é que isto está a acontecer?

A primeira resposta, e a mais evidenciada por sindicatos e Ordem, é a da falta de médicos no SNS, até porque muitos preferem trabalhar também no privado ou apenas no privado, onde contam com salários mais altos.

Há casos em particular, como o das Caldas, onde a situação é dramática há muito: em abril, o Público já dava nota de um manifesto assinado em bloco onde os chefes de equipa das urgências apresentavam uma demissão “simbólica”, recusando-se a assumir as suas funções se não houvesse, em cada turno, um mínimo de quatro internistas durante o dia e três à noite. Nesse manifesto, os médicos falavam numa “situação limite do ponto de vista de sobrecarga de trabalho e de qualidade assistencial” que é “absolutamente dramática, desesperante e totalmente inaceitável”, com doentes a acumularem-se em macas, nos corredores.

Há outros fatores que complicam, nesta altura, as contas e as escalas: desde logo, o facto de estarmos num fim de semana longo, que é por isso um pequeno período de férias (o que no verão terá tendência a piorar); depois, aponta ao Observador Vítor Varela, presidente da Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras, há o fator Covid.

“Os médicos e enfermeiros também adoecem com Covid-19, e ficam sete dias fora dos serviços”, explica, para dar mais uma justificação para a falta de recursos humanos.

Mas o que é que se passa na obstetrícia e ginecologia?

Há anos que se sucedem as notícias que apontam para uma rutura em concreto nas urgências destas especialidades. E há várias razões para isso. Além da falta generalizada de médicos, que não afeta apenas esta área, no caso dos obstetras há “falta de formação” de novos médicos, aponta Vítor Varela, e uma “idade avançada” de grande parte dos médicos que provoca constrangimentos na formação das equipas de urgência — desde logo, porque muitos estão acima dos 55 anos, logo não são obrigados a fazer urgências e turnos da noite.

Em agosto, Alexandre Valentim Lourenço, presidente da secção sul da Ordem dos Médicos, fazia ao Público um retrato negro da situação: “Os médicos estão cada vez estão mais velhos, alguns têm-se reformado e não têm entrado novos médicos ou os que entram saem ao fim de um ano ou dois”.

Há dois anos, recordava então o Público, a zona Sul contava com 883 ginecologistas ou obstetras, dos quais 570 tinham mais de 55 anos. Pelas contas de Valentim Lourenço, só a Maternidade Alfredo da Costa teria então especialistas suficientes para garantir a rotatividade normal sem ruturas. E isto afastaria também os novos especialistas, que são sobretudo mulheres, e que à partida seriam desde logo confrontadas com situações como serem obrigadas a fazer “duas ou três vezes bancos de 24 horas por semana”. O privado ofereceria, assim, mais incentivos aos novos especialistas recém-formados.

A ministra da Saúde, Marta Temido, participa na sessão de abertura do 5.º aniversário da Associação de Distribuidores Farmacêuticos (ADIFA), no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, 18 de maio de 2022. MÁRIO CRUZ/LUSA

Os sindicatos acusam o Governo de "insensibilidade atroz". Ministério de Marta Temido está a "acompanhar" situação da mãe que perdeu o bebé nas Caldas

MÁRIO CRUZ/LUSA

O problema é novo?

Não. A falta de médicos, particularmente nas especialidades de obstetrícia e ginecologia, tem sido recorrente e provocado situações de rutura deste género de forma regular. No verão de 2019, tinham-se sucedido notícias semelhantes sobre o encerramento de urgências — entre julho e setembro desse ano, a Maternidade Alfredo da Costa, Hospital de Santa Maria, São Francisco Xavier e Amadora-Sintra chegaram a equacionar fechar rotativamente as urgências para grávidas por falta de especialistas, com Alentejo e Algarve a relatarem problemas semelhantes.

“Temos os mesmos problemas que tínhamos há dois anos, quando houve a crise das maternidades e de obstetrícia”, alertava, em agosto passado, Alexandre Valentim Lourenço, nas mesmas declarações ao Público, queixando-se dos serviços cada vez mais envelhecidos e dos quadros mal calculados.

A falta de médicos, particularmente nas especialidades de obstetrícia e ginecologia, tem sido recorrente e provocado situações de rutura deste género de forma regular

Como já foi referido, também nas Caldas o problema estava detetado e em abril, quando houve a demissão em bloco, chegou a ser marcada uma vigília para 20 de maio, organizada pela comissão de utentes do hospital, que marcou reuniões com o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, para discutir a situação.

Quem exigiu uma resposta ao Governo?

O caso das Caldas, mas não só, causou uma onda de críticas à situação do SNS. Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos, disse ao Público que “as equipas de urgência de obstetrícia têm o mínimo de profissionais, na esmagadora maioria dos locais, e em alguns esse mínimo não é respeitado. O Ministério da Saúde tem mostrado uma insensibilidade atroz sobre isto”. O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, falou no mesmo sentido: “Estamos numa situação de défice permanente, em que os médicos que apresentam escusa de responsabilidade dispararam. E depois acontecem coisas dramáticas como esta”.

E propôs uma auditoria clínica ao Hospital das Caldas da Rainha, apontando, no entanto, para outras “situações explosivas” no país, por falta de recursos humanos.

Ao Observador, Vítor Varela fala na necessidade de haver uma “mudança de paradigma” pela qual o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde devem ser responsáveis, sugerindo que se façam projetos-piloto de unidades de apoio junto da comunidade para garantir a assistência, nos casos de gravidezes de baixo risco, por enfermeiros com competências de obstetrícia, aliviando os médicos. Mas aponta a “falta de vontade política” e de “enfrentar corporativismos”.

Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos

O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães

NurPhoto via Getty Images

Que resposta deu o poder político?

Marcelo Rebelo de Sousa estava nas comemorações do Dia de Portugal, em Londres, este sábado quando foi questionado pelos jornalistas, mas apesar de reconhecer que o assunto é um “objeto de preocupação” acabou por relativizar as situações de rutura nas urgências, a que chamou “um ponto crítico específico”.

Para Marcelo, houve “uma situação crítica neste fim de semana longo em alguns serviços de obstetrícia”, mas esse é um ponto. Outro, para o qual também é preciso olhar, será o estado dos cuidados primários — é preciso “reforçar e valorizar as Unidades de Saúde Familiar” — sublinhou, “analisando o sistema como um todo e ir introduzindo as mudanças necessárias para o adaptar à realidade”.

Já o Governo, que tem sido pressionado por ordens, sindicatos e pela oposição para resolver o problema da falta de médicos, teve até agora apenas uma reação ao caso concreto do bebé que morreu nas Caldas da Rainha: o  Ministério da Saúde disse ter tido conhecimento dos “constrangimentos na escala de ginecologia-obstetrícia” e admitiu que eram “impossíveis de suprir”, razão pela qual o serviço estava “desviado para outros pontos da rede do Serviço Nacional de Saúde”, mas recusou para já estabelecer uma relação causa-efeito entre o desfecho trágico nas Caldas e esses problemas.

No mesmo comunicado, o Governo assegurou que está a acompanhar o tema e a evolução da mãe, que continua internada, “estável e a quem será prestado apoio psicológico”.

Partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal já pediram que a ministra da Saúde seja ouvida no parlamento o mais rapidamente possível.

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