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O dilema das salas sem professor não poupa o privado, onde os pais são ainda menos tolerantes com essas falhas das escolas

SOPA Images/LightRocket via Gett

O dilema das salas sem professor não poupa o privado, onde os pais são ainda menos tolerantes com essas falhas das escolas

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Falta de professores. Escolas começam a contratar docentes com fracas habilitações para certas disciplinas

Informática é o problema mais grave, mas não é o único. Falta de professores, que há 3 anos estava centrada em Lisboa, começa a espalhar-se pelo resto do país. Física e Química será problema em breve.

No Agrupamento de Escolas de Alvalade, a diretora Dulce Chagas tem dois exemplos para partilhar. Para dar aulas de Informática, só conseguiu encontrar um licenciado em Engenharia, sem habilitação profissional para a docência. Para as aulas de História, tem uma professora brasileira que não conhece o sistema educativo português. Noutro canto da cidade de Lisboa, no Agrupamento de Escolas Manuel da Maia, em Campo de Ourique, Luís Mocho chegou a ter o professor de Biologia colocado. O problema resolveu-se, mas por pouco tempo. O docente acabou por denunciar o contrato porque arranjou um emprego melhor numa escola privada. A Informática, falta-lhe colocar um professor, conta o diretor, que, por ser um horário completo, afeta diversas turmas. A solução poderá ser a do ano anterior: partir o horário em pedacinhos e encontrar alguém, noutra disciplina, que possa ensinar Informática aos alunos, mesmo que com poucas qualificações para o fazer.

Há três anos que a fotografia do início do ano letivo parece mais uma fotocópia dos anteriores. Foi nessa altura que a falta de professores em Portugal começou a ser mais visível, mas era, apesar de tudo, um problema focado. Lisboa era a zona do país onde, de longe, faltavam mais professores nas escolas, ou seja, onde mais alunos ficavam sem aulas durante várias semanas. A seguir, o problema atingia Setúbal e, depois, já com menos intensidade, o Algarve. No Norte, de onde são originários o maior número de professores, e no Centro, o problema estava esbatido. Este ano, já não é assim.

“Há 3 anos, o problema estava concentrado em Lisboa, Setúbal e Faro, e aí tem vindo a agravar-se. Mas hoje vemos que o número de professores por colocar noutros distritos do país são em número idêntico aos que víamos no passado naquelas zonas problemáticas. A falta de professores está a estender-se geograficamente a todo o país”, explica Vítor Godinho, professor que, na Fenprof, faz a análise dos dados que são diariamente atualizados pela tutela com os horários que continuam por preencher nas diferentes escolas.

Se se espalha pelo país, também afeta cada vez mais disciplinas e Vítor Godinho prevê que as próximas falhas sejam nas disciplinas de Física e Química e de Biologia. “A Informática, o problema é antigo e não há pessoas para serem colocadas. Esta semana recebemos um alerta de um professor dessa disciplina que dizia que na sua escola já estavam a ser colocados colegas sem habilitações”, explica o professor que é também membro do secretariado nacional da Fenprof. O ano passado, como na altura contou ao Observador, até as disciplinas de Português e Matemática estavam a ser afetadas, o que não é habitual.

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“Há 3 anos, o problema estava concentrado em Lisboa, Setúbal e Faro, e aí tem vindo a agravar-se. Mas hoje vemos que o número de professores por colocar noutros distritos do país são em número idêntico aos que víamos no passado naquelas zonas problemáticas. A falta de professores está a estender-se geograficamente a todo o país.”
Vítor Godinho, membro do secretariado nacional da Fenprof

O dilema das salas sem professor não poupa o privado, onde os pais são menos tolerantes com essas falhas das escolas, conta o presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), Rodrigo Queiroz e Melo. A estratégia dos colégios passa,  muitas vezes, por subirem ordenados para garantir que têm um docente na sala de aulas.

Há mais um ingrediente a acrescentar à receita: as baixas médicas, que costumavam aparecer em outubro ou mais tarde, começam a surgir logo em agosto e não ficam resolvidas nessa primeira fase das colocações.

História de Portugal não é igual a História do Brasil

“Não sou das que estou pior”, conta Dulce Chagas, referindo-se às escola de Alvalade, em Lisboa. Os diretores de agrupamento da região têm um grupo de Whatsapp onde vão partilhando e desabafando as suas angústias e a diretora vê que há quem tenha situações mais dramáticas. “Estamos a acompanhar com muita atenção esta professora que veio do Brasil. Não conhecia o nosso sistema educativo, não sabia o que era um ciclo, o que é um diretor de turma… E tem uma visão da história na perspetiva brasileira porque não era História de Portugal que lecionava”, conta a diretora, explicando que a docente tem uma equivalência de curso ao abrigo de um acordo entre os dois países. Para já, a estratégia é manter a atenção e evitar que os constrangimentos surjam. O horário em causa, completo, não foi aceite por três vezes e a professora acabou por chegar via contratação de escola.

Os horários completos, de 22 horas, são os mais apetecíveis para os professores, já que mais horas significam um salário mais alto. Um horário de 8 horas, por exemplo, pode não compensar ao docente deslocar-se do sítio onde vive para aceitar a colocação numa escola distante, depois de fazer as contas aos custos.

“Também estamos com dificuldade em colocar um professor de Matemática, disciplina que não era um problema. Começam a surgir algumas situações novas”, acrescenta a diretora do agrupamento lisboeta. A Informática, diz, “está no campo do miserável”. Quando falou com o Observador, ainda tinha um horário completo sem professor, o que se traduz em centenas de alunos sem aulas de TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação).

“Não há pessoas para contratar. Tinha um outro horário completo de Informática e a pessoa que aceitou tem um curso de Engenharia que, no seu caso, não dá sequer direito a habilitação própria. As pessoas que se candidatam têm muito poucas qualificações e nós temos de andar à pesca”, lamenta Dulce Chagas.

Para ser professor é preciso ter habilitação profissional para a docência, conforme previsto na legislação. Há uma pequena lista de cursos que conferem habilitação própria (cursos pré processo de Bolonha) e a que se pode recorrer, para preencher necessidades temporárias (baixa médicas, por exemplo) quando não há outros candidatos disponíveis para dar aulas. Isso acontece na fase de contratação de escola, depois de a vaga ter ido a concurso — às chamadas reservas de recrutamento — onde os professores disponíveis estão ordenados por graduação. Tratam-se de professores contratados, que ainda não conseguiram entrar para os quadros de uma escola, e nada os obriga a aceitar uma oferta de emprego.

“Há uma desadequação das pessoas para as funções”, sustenta a diretora, que lembra uma outra situação que teve de resolver: uma pessoa colocada num horário de substituição do 11.º ano e que, depois de dar algumas aulas, queria mudar para o 9.º ano — o que não é possível. Na sua opinião, são curiosos que ouvem dizer que faltam professores nas escolas, candidatam-se nas contratações de escola e depois desencantam-se com o que encontram. Denunciam o contrato e as escolas recomeçam a busca por um professor. Os alunos voltam a ficar sem aulas.

Portugal COVID-19 aulas recomeçam

Há três anos que a fotografia do início do ano letivo parece mais uma fotocópia dos anteriores. Foi nessa altura que a falta de professores em Portugal começou a ser mais visível

Corbis via Getty Images

“Os pais não entendem estas situações e para nós é uma frustração enorme”, confessa a diretora. A 6 de outubro, quando o ano letivo ia na sua terceira semana de aulas, o agrupamento ainda tinha por colocar um professor de Filosofia (um horário de 12 horas), três de Matemática (14h, 14h e 22 h), dois de Educação Especial (dois horários de 14h), um de Informática (22h), um de Expressão Dramática (8h) e um de Design Gráfico  (22h).

O pior que já aconteceu no agrupamento, recorda Dulce Chagas, foi ter duas turmas durante um semestre inteiro sem professor de Matemática.

Colégios aceitam de bom grado professores de outros cursos

A falta de professores afeta também as escolas privadas e, nos colégios, a escassez em alguns grupos de recrutamento complica o processo de recrutamento. Ao contrário das escolas públicas, para a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo a solução passa por contratar pessoas com outro tipo de habilitações. Rodrigo Queiroz e Melo, presidente da AEEP, garante que isso não é sinónimo de perda de qualidade.

“Não sabemos se há falta de professores em Portugal. Não sabemos se há ou não pessoas com cursos de Física que queiram ensinar essa disciplina nas escolas. O que sabemos é que há falta de pessoas que, aos 18 anos, queriam ser docentes e fizeram cursos de Educação”, defende o professor. A proposta dos colégios já está do lado do Ministério da Educação. “Há rigidez nas regras para contratar professores. O que pedimos é que depois da autonomia pedagógica, nos seja dada autonomia para contratarmos as pessoas que achamos melhor para darem aulas nas nossas escolas e que podem ser pessoas licenciadas nas áreas que vão lecionar.” A qualidade não fica em risco, na sua opinião.

“Não queremos isto como solução de recurso. É uma solução. O que a realidade nos diz é que quem vai, aos 18 anos, para os cursos de professores não é quem tem as melhores notas. Se for medido dessa forma até estamos melhores com quem seguiu para um dos cursos com nota de entrada mais alta”, argumenta Queiroz Melo. O professor garante que essa opção não põe em risco o trabalho intelectual que se faz nos colégios e que não serão as disciplinas de Didática e Pedagogia, ministradas nos cursos de Educação, a fazer a diferença. “Tudo aquilo que o professor precisa, nós ensinamos durante os primeiros dois anos de profissão.”

O presidente da AEEP defende mesmo que, hoje em dia, nenhum jovem quer ser professor para a vida toda e, por isso, quem chega ao ensino superior evita escolher um curso que só lhe permite seguir essa profissão. Esta solução, acredita, abriria novas perspetivas a quem pensa ser docente.

Um concurso extraordinário podia minimizar o problema

Na escola pública, a solução apontada é outra. Filinto Lima diz que a falta de professores é a próxima pandemia da educação, mas que a vacina existe: “Devia abrir-se um concurso extraordinário para que os professores contratados entrassem nos quadros. São pessoas com 15, 20 anos de experiência, habilitadas, para suprirem as faltas que sentimos nas escolas”, diz o presidente da ANDAEP, uma das associações que representa os diretores de agrupamentos e de escolas públicas.

O diretor recorda números conhecidos: nesta década, mais de metade dos professores que dão aulas (58%) vão atingir a idade de reforma. Só no ano letivo 2020/21 reformaram-se 1.852, segundo contas da Fenprof. Em contrapartida, o número de inscritos em cursos superiores de Educação tem estado em quebra: de mais de 51 mil inscritos em 2001/2002 desceram para 13.781 o ano passado. Os professores saem, mas não entram.

“Não há pessoas para contratar. Tinha um outro horário completo de Informática e a pessoa que aceitou tem um curso de Engenharia que, no seu caso, não dá sequer direito a habilitação própria. As pessoas que se candidatam têm muito poucas qualificações e nós temos de andar à pesca.”
Dulce Chagas, diretora do agrupamento de escolas de Alvalade

Por outro lado, há uma hipocrisia do sistema, aponta o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas. “Todos os anos, a 31 de agosto, a escola pública manda embora os professores contratados para, poucos dias depois, ir buscá-los, acenando com horário completo e anual”, diz Filinto Lima. Muitos deles acabam por ficar colocados nos mesmos agrupamentos de onde saíram.

No agrupamento Manuel da Maia, em Lisboa, a queixa vai nesse sentido. “A situação tem estado estável, no sentido negativo. Todos os anos mantêm-se as faltas de professores, um problema que é crónico na Grande Lisboa”, diz o diretor Luís Mocho. No seu caso, não se podem falar de necessidades temporárias — aquelas que devem ser resolvidas nesta altura do ano letivo, devido a baixas por doença ou maternidade. “Todos os anos preciso de dois professores de TIC. São uma necessidade permanente do agrupamento”, defende. No seu caso, e porque só lhe falta colocar um dos dois professores da disciplina, até vê a sua situação com otimismo, já que conhece colegas em Lisboa que ainda têm três horários por preencher.

No seu agrupamento, esta quarta-feira ainda estavam a concurso, para além da vaga do professor de TIC, um horário de Biologia e Geologia e um de Educação Visual Tecnológica.

Disciplinas recentes e disciplinas muito antigas: os dois lados da mesma moeda

Para Vítor Godinho, da Fenprof, há duas explicações para as falhas em algumas reservas de recrutamento, os grupos em que se ordenam os professores consoante as disciplinas. “Atualmente não há professores de Informática, não existem pessoas, e isso tem como consequência que quando o professor chega não tem a devida qualidade. Não dizemos que os alunos ficam sempre mais mal servidos, mas também não podemos dizer que, no seu todo, não tem efeitos. Isso é ficcionar a realidade.”

Disciplinas mais recentes são um dos principais problemas. “O grupo de recrutamento 120 — onde estão colocados os professores que dão inglês ao 1.º ciclo — é um grupo relativamente recente e que foi composto com a transferência de alguns professores que davam a disciplina no 2.º e no 3.º ciclo. Esse outro grupo de recrutamento, o 330, é bastante antigo e a maioria das necessidades das escolas estão cobertas pelos professores que existem nos quadros de escola ou de quadros de zona pedagógica (QZP)”, explica.

Problema diferente têm os grupos de recrutamento de História (400) ou de Geografia (420). “São grupos muito antigos, que conheceram no passado, não muito distante, situações de sobrelotação, e que fez com que nenhum jovem seguisse aquele percurso. Agora, os professores estão todos a ir para a aposentação e está a gerar-se este défice”, sustenta o professor.

As disciplinas mais recentes — e que, como tal, têm grupos de recrutamento mais recentes — são o Inglês 120, o Espanhol e a Informática. No caso do Espanhol, a situação não é tão complicada porque foi criado com docentes que estavam noutros grupos de línguas, excedentes, e que se converteram, explica Vítor Godinho. “Em Física e Química e Biologia o problema vai acontecer de forma muito rápida. Muita gente entrou nos quadros ao mesmo tempo e vão sair todos ao mesmo tempo. Como estamos a falar de disciplinas que têm sete tempos semanais, bastam três turmas para o professor completar o horário”, acrescenta.

Para um aluno, é uma situação complicada: se ficar sem professor a estas duas disciplinas pode ficar logo sem metade da carga horária semanal. “Este problema é exponencial, tal como as epidemias. Precisa de muita atenção e não tem havido nenhuma sensibilidade do Ministério da Educação para resolvê-lo”, defende o sindicalista.

Todos os professores ouvidos pelo Observador concordam que há um risco sério de as escolas não encontrarem professores para contratar no curto, médio prazo, deixando os alunos sem aulas e as salas vazias. “Quando não há, não há mesmo. O ministério reduziu a ida à reserva de recrutamento, para se poder, com mais celeridade, avançar para a contratação de escola. Mas ela só acontece porque as necessidades não são satisfeitas pelos grupos de professores”, argumenta Vítor Godinho.

“É um problema estrutural”, diz Dulce Chagas. “Temos de pensar em soluções mais fora da caixa porque os jovens, os que projetam o seu futuro, projetam-no noutras áreas. É uma travessia do deserto que vamos ter de enfrentar.”

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