A decisão repetiu-se três vezes nos últimos dois fins de semana em Aveiro: num caso para evitar que a unidade de cuidados intensivos ficasse totalmente cheia; noutros dois porque a capacidade máxima para tratar dos doentes mais graves já tinha sido atingida e não era possível receber novos doentes a precisar de ventilação.
Há dez dias, um doente com Covid-19 e em estado grave foi transferido do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, em Aveiro, onde estava, para o Centro Hospitalar Médio Tejo, em Santarém, “por uma questão de gestão”. “Tínhamos dois ventiladores disponíveis, mas, como somos um hospital de apoio ao município de Ovar e estávamos perto de atingir a capacidade máxima, decidimos transferir esse doente, que estava numa situação clinicamente segura para o fazer”, explica ao Observador fonte oficial do hospital.
No fim de semana passado, mais dois pacientes foram transferidos para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, desta vez porque Aveiro “tinha esgotado a capacidade de ventilação”.
A situação foi, entretanto, estabilizada. Esta terça-feira, duas das onze camas disponíveis nos cuidados intensivos de Aveiro já tinham sido libertadas, sendo, porém, as únicas vagas disponíveis para mais doentes. Neste momento, o centro hospitalar tem uma sala de emergência, também para doentes infetados com o novo coronavírus, com capacidade para três pessoas e também equipada com dois ventiladores, mas são não invasivos.
Para tentar resolver o problema, o hospital foi reforçado com ventiladores pelo Ministério da Saúde, mas as autoridades locais e centrais contradizem-se. Fonte oficial do centro hospitalar diz ao Observador que foram entregues esta terça-feira três novos ventiladores, por ordem do Governo, “que reforçou também a assistência com mais quatro monitores multifunções”. A mesma fonte garante que “foi o primeiro reforço de ventiladores” durante a pandemia, adiantando que o próprio hospital também fez uma encomenda de dez ventiladores aos seus fornecedores, mas que “ainda não chegaram”.
A Direção-Geral da Saúde, porém, diz que este reforço não foi o primeiro. João Gouveia, elemento do grupo de Coordenação da Reposta em Medicina Intensiva da DGS, garante ao Observador que o Hospital de Aveiro “foi o primeiro a ser reforçado com novos ventiladores”, revelando que os três equipamentos entregues esta terça-feira foram já o segundo reforço por parte do Governo. “No final da semana passada foram entregues outros”, garante, mas sem adiantar números.
O responsável alerta, porém, que Aveiro “é um problema crónico” no que diz respeito aos cuidados intensivos e, apesar de existir “um esforço na conquista de mais espaço”, para aumentar a capacidade, as transferências de doentes para outros hospitais vão continuar a acontecer, pois “fazem parte do normal funcionamento da rede”. O coordenador da DGS explica que os hospitais do centro, de Guarda e Coimbra, e inclusivamente o INEM, estão preparados para receberem doentes vindos de Aveiro, caso seja necessário.
“Numa sobrecarga grande como esta, só temos uma hipótese: trabalhar em rede. Temos que criar aproveitamento de recursos locais, regionais e nacionais. Neste momento estamos a maximizar os recursos a nível local e ativamos planos nesse sentido.”
Relativamente à existência de recursos humanos disponíveis para operar mais ventiladores, o coordenador acredita que a administração do Hospital de Aveiro “está a assegurar isso mesmo”. “Para já, esse não é um problema”, adianta fonte hospitalar.
Hospital fez 280 testes em lares, hoje recebeu mais dois mil
À pressão sobre a capacidade do hospital junta-se a falta de testes, sobretudo os que deveriam estar a ser feitos nos lares de idosos — aqueles onde o problema, agora, parece ser maior. Esta terça-feira, António Sales, secretário de Estado da Saúde, garantiu que, dos 10 mil testes destinados para a região centro, dois mil ficariam naquele concelho. Os testes chegaram, de facto, e serão agora geridos pelo hospital. “Vamos continuar a testar pessoas que nos chegam com sintomas, mas também queremos continuar a colaborar com a comunidade, nomeadamente com os lares, sempre que seja necessário”, avança fonte hospitalar ao Observador.
O reforço foi anunciado depois do alerta dado na segunda-feira pelo presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Ribau Esteves, quando afirmou que havia lares na região à espera da execução de testes de despiste à Covid-19. Apesar de estarem planeados, os testes não estavam a ser feitos, por falta de zaragatoas para recolher amostras.
“O que a senhora diretora-geral da Saúde disse na conferência de imprensa, de que não faltavam testes onde eram precisos, é linearmente falso. Em Aveiro não há zaragatoas. O ‘stock’ do nosso hospital entrou em rutura e o tal camião que anda para chegar, faz quinta-feira 15 dias, e que foi garantido em absoluto que iria chegar este fim-de-semana, não chegou”, disse o autarca.
O presidente da câmara fez um apelo “desesperado” para que uma parte das 80 mil zaragatoas que o Governo anunciou que iriam ser distribuídas fosse “com urgência” para Aveiro, segundo ele “um dos municípios e uma das regiões do país com maior incidência”.
Graças à sua capacidade laboratorial, desde 14 de março, data em que recebeu o primeiro doente infetado, o hospital realizou 1.759 testes, distribuídos pelos doentes que procuraram o serviço de urgência, mas também pelos lares da região que têm solicitado ajuda no que toca ao rastreio. “Foram feitos 280 testes no conjunto dos lares da Misericórdia de Aveiro, Lar de São José de Ílhavo e Lar de Santa Joana”, acrescenta o hospital, dizendo que, de todas as pessoas testadas, 15% acusaram a infeção.
Fonte da Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro revelou ao Observador que os centros de saúde de Ílhavo e Albergaria-a-Velha, no distrito de Aveiro, começaram esta terça-feira a fazer testes à Covid-19. “Em Aveiro, a situação complicou-se com o número elevado de infetados nos lares, mas, até agora, o hospital tem tido capacidade de resposta.”
Lar da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro com falta de profissionais e equipamento
Para Lacerda Pais, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, os testes “não resolvem nada”. “Os testes não podem curar, dão-nos apenas uma indicação. Esta doença não tem cura, podemos passá-la melhor ou pior”, afirma em entrevista a Observador.
O provedor diz ser “muito difícil” saber o número de infetados enquanto não existirem testes para todos. “Estivemos três semanas à espera que eles chegassem aqui, sofremos bastante. Tentei de tudo, câmara, hospital. Foram três semanas à procura. Claro que os testes não são milagrosos, mas ao menos ficamos a saber com o que podemos contar.”
Só na semana passada os 120 utentes do lar da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro foram testados, 78 deram positivos e confirmaram-se 15 óbitos. “Não estava à espera de tantos, tínhamos uma medida de duas a três mortes por mês”, diz Lacerda Pais.
“A primeira mulher infetada no lar foi internada no Hospital de Aveiro no início de março”, adianta o provedor, acrescentando que neste momento há pelos menos cinco utentes ainda internados, tendo sido também os primeiros a terem sintomas.
“A partir do momento em que vão para o hospital não sabemos de mais nada deles. Tenho a certeza que nem todos morreram da Covid. Dos 120 idosos que tínhamos, muitos estavam débeis e tinham doenças crónicas. Só 7 ou 8 estavam autónomos, o resto tinha alimentação assistida ou cadeira de rodas.”
Lacerda Dias diz que o lar “está preparado” para colocar mais doentes em isolamento caso seja necessário, numa altura em que acolhe 100 utentes, dos quais 77 estão infetados, com uma idade média que ronda os 90 anos. “A maioria estão assintomáticos, os que têm sintomas estão numa ala devidamente identificada. De ontem para hoje está tudo na mesma, felizmente os doentes estão estáveis, bem dispostos e com coragem.”
Dos 151 profissionais do lar, há 22 casos positivos. “Uns foram para casa, outros, cerca de 20, estão de quarentena numas instalações novas que íamos inaugurar brevemente a seis quilómetros daqui. Estão em teletrabalho, ou seja, fazem os contactos com familiares, os registos nas fichas e tratam de toda a parte burocrática.”
Se antigamente existiam três equipas de profissionais com cerca de 30 pessoas, neste momento o número ronda os 20 e dos sete enfermeiros apenas operam cinco. Além da falta de pessoal, a instituição sente “imensa falta de material” relativo ao equipamento de proteção individual, estando a viver essencialmente de doações de empresas vizinhas. “Como se costuma dizer, vamo-nos desenrascando. Hoje em dia, para ser presidente de uma instituição destas quase que merecemos uma estátua em qualquer lado”, diz o provedor.
Uma das grandes preocupações das unidades de saúde é a falta de equipamento de proteção individual, mas no Hospital de Aveiro esse parece não ser um problema. Diz estar a fazer “uma gestão rigorosa” dos produtos, em fevereiro fez várias encomendas que chegaram e tem contado “com a generosidade da comunidade empresarial da região”. Máscaras, fatos impermeáveis e proteção de membros inferior “são repostos diariamente no armazém”, adianta fonte hospitalar ao Observador.
Foi a 14 de março que o Hospital de Aveiro recebeu o primeiro doente diagnosticado com o novo coronavírus. Depois disso, já foram internados com o mesmo quadro clínico 68 doentes, dos quais 20 tiveram alta.
Os primeiros doentes que necessitaram de internamento ocuparam, inicialmente, as enfermarias de infeciologia e pneumologia, num total de 17 camas. Com o aumento da necessidade, o internamento estendeu-se para a enfermaria de cirurgia feminina, somando mais 20 camas e, a partir desta terça-feira, as 20 camas da enfermaria de cirurgia masculina juntaram-se à capacidade de internamento por Covid-19.