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Fátima Luís vendeu toda a dívida pública portuguesa que tinha nos seus fundos na semana após as eleições. A gestora de fundos de obrigações da casa suíça Mirabaud Asset Management, fundada em 1819, foi um dos investidores “mais atentos” que perceberam que “a situação iria complicar-se” -e seria mais complexa do que parecia no dia seguinte às eleições. A especialista, que falou com o Observador no início de novembro e, novamente, nos últimos dias, diz que a maior parte dos investidores parece preferir um governo liderado pelo PS a um governo de gestão. “Mas não sei se acredito muito nisso”, acrescenta também.
Quando analisa os vários indicadores de mercado nas últimas semanas, até que ponto considera que a incerteza política foi um fator de perturbação?
Houve um efeito, ainda que pequeno. O pânico não foi tanto quanto podia ter sido, e há várias explicações para isso. Em primeiro lugar, estamos à espera que nas próximas semanas o BCE reforce os estímulos monetários através de mais compras de dívida pública no mercado. Essa expectativa está a ter um impacto positivo. Ainda assim, quando viram que podia haver comunistas num governo em Portugal alguns investidores começaram logo a pensar no Syriza. Mas, mesmo aí, apesar de toda a turbulência, o que é que o Syriza tem feito? Tem cumprido com as medidas que os credores mandam.
Sim, apesar das tensões que marcaram este ano, não houve qualquer incumprimento com perdas para os investidores na dívida grega.
Não houve qualquer haircut, sim, e eles sabem que têm de governar dentro do programa. Portanto, se nem o Syriza pode fazer o que quer, até que ponto pode acontecer algo ainda pior em Portugal? É esta a análise que muitos investidores têm feito. Ao que se junta a questão de Espanha e a perda de força de partidos como o Podemos, isso também ajuda a tranquilizar os investidores na dívida do sul da Europa.
Se não fossem esses elementos, o que teria acontecido? Se, por exemplo, a expectativa dos investidores europeus, neste momento, fosse de menos estímulos pelo BCE – e não de mais estímulos?
Aí, os juros iriam subir muito mais, porque iria refletir-se na perceção de risco a perspetiva de alterações no caminho da consolidação orçamental. E há outra questão muito importante: é que o Tesouro já está muito adiantado no financiamento até do próximo ano. Isso está a ser decisivo, porque se houvesse um funding gap, aí é que… os investidores estariam muito menos calmos do que, discutivelmente, estão.
São os tais cofres cheios.
Sim, cheios de dívida. Se essa almofada financeira não existisse, ia ser muito pior. Sem saber o que ia acontecer, a estratégia de financiamento e de aproveitamento das condições boas nos mercados nos últimos meses acabou por revelar-se uma blessing in disguise [ou seja, algo muito positivo que, numa primeira fase, poderia não parecê-lo]. A almofada financeira permitiu, também, fazer reembolsos antecipados ao FMI, o que envia uma mensagem muito importante para os investidores.
Mas disse que não foi tanta a perturbação quanto poderia ter sido. Mas porque é que “podia ter sido”?
Porque, apesar dos fatores que referi, os investidores continuam sensíveis a notícias potencialmente negativas. Ainda é vender primeiro e analisar depois, o que se nota sobretudo num mercado com baixa liquidez como Portugal. E isso aconteceu, um pouco, porque alguns investidores mais atentos estavam à espera desta situação. Nós, nos fundos que giro, vendemos todas as obrigações do Tesouro português logo após as eleições, antes das complicações que emergiram depois. Houve um alívio na segunda-feira [5 de outubro] porque se acreditou que iria haver o mesmo governo, mas depois as coisas pioraram à medida que os investidores tentavam perceber o que estava a acontecer.
O prémio de risco subiu de cerca de 170 pontos para quase 220 no espaço de um mês.
Sim, [os custos de financiamento] subiram não só para o Estado mas, também, para a dívida da EDP, da Galp. Todos os ativos que tinham alguma coisa a ver com Portugal sofreram, ainda que não tenha sido o pânico que já vimos noutras ocasiões. De qualquer forma, temos de olhar para o programa do eventual governo do PS que, para já, não parece tão radical quanto se temia. Mas faltam ainda muitas informações sobre o programa, e como investidora tenho de estar atenta porque a situação pode voltar a piorar [quando mais detalhes sobre o programa saírem].
Antes de voltar a comprar a dívida portuguesa, o que é que precisaria de ver?
Para mim, a dívida pública europeia já não é tão atrativa. A dívida portuguesa, por ter spreads mais altos, pode ser um pouco mais uma oportunidade de investimento, mas temo que o efeito dos estímulos do BCE, nesse campo, já não irá muito mais longe. Onde os estímulos vão continuar a ajudar é no câmbio [na desvalorização do euro face ao dólar], no estímulo ao crédito bancário e na criação de inflação. Há que ter em conta que, muito provavelmente, quando a inflação subir, as taxas de juro vão subir em todo o lado, desde a dívida alemã até à dívida norte-americana. Com a Reserva Federal dos EUA a subir os juros, é provável que os juros da Europa subam, à medida que se dilui o efeito dos estímulos do BCE.
Que decisão do Presidente da República seria mais bem recebida, do ponto de vista dos investidores? Governo de gestão ou indigitação de António Costa?
Posso dizer que a perceção dos investidores é a de que é preferível um governo que faça alguma coisa do que um governo que não pode fazer nada. Mas não sei se acredito muito nisso, pessoalmente. Como já disse, porém, a perceção dos investidores é de que não há muito que esse governo socialista possa fazer, dentro dos constrangimentos de Bruxelas. Contudo, é importante que qualquer solução proposta seja uma solução robusta, não obstante o facto de todos os investidores estarem já a contar com novas eleições no ano que vem.
De que é que os investidores têm medo, afinal?
O receio dos investidores é que as reformas parem. As reformas que estão, por exemplo, a ser feitas em Espanha. Esse é um receio que se torna mais preocupante porque, como já se percebeu há vários meses, o crescimento global está a enfraquecer. Basta olhar para os números do comércio internacional, está tudo a cair. Daí que seja importante que qualquer governo que venha aí tenha a perceção de que o que vem aí não será um mar de rosas.
França e Itália têm sido criticados por não estarem a seguir à risca as metas orçamentais. Faz sentido que Portugal pode fazer o mesmo?
Não, não. Há uma diferença de tamanho, de dimensão, de impacto no PIB europeu – são países core na Europa, têm outra força, e não estão numa situação mais complicada [como é o facto de ainda estar sob Procedimento dos Défices Excessivos]. Mas Portugal também tem uma vantagem, que é o facto de ter sido o bom aluno e, agora, poder pedir alguma flexibilidade maior por esse facto.
Quando pensa na incerteza política em Portugal, no aparente incumprimento das reformas em Itália e França, estes acontecimentos têm alguma coisa a ver com a complacência para a qual o BCE tem alertado? Uma complacência que surge por causa dos juros baixos e uma possível perda de incentivo para fazer as reformas estruturais?
Acho que sim. O que está a acontecer é uma distorção do risco nos mercados financeiros. Obtém-se capital barato nos mercados, a custos anormalmente baixos, e muitas vezes esse capital pode não ser utilizado da forma mais eficiente. Cria-se uma tentação para arrastar os pés no que diz respeito às reformas estruturais, o que provavelmente está a ver-se mais em França e Itália. Em Portugal, acredito que ainda está fresco na memória das pessoas o custo que teve a última crise, portanto não acredito que passe pela cabeça dos governantes querer emitir dívida para construir mais autoestradas. Julgo que há uma maior responsabilidade agora, mas é preciso continuar o trabalho.
Fátima Luís. Os pais da “estrela” dos fundos de alto risco são de Penalva do Castelo
Os mercados são pessoas como Fátima Luís, gestora de fundos de obrigações da Mirabaud Asset Management. Filha de portugueses naturais de Penalva do Castelo que emigraram para Rhode Island, nos EUA, a especialista em ativos de maior risco foi contratada pela Mirabaud, à F&C, em junho de 2013.
Na altura, a sua contratação foi noticiada pela britânica Investment Week como a contratação de uma “estrela” do segmento high yield, ou seja, os ativos com maior risco mas maiores rentabilidades. Tem quase 20 anos de experiência na gestão de investimentos financeiros, com ênfase nos mercados high yield nos EUA e nas obrigações de maior qualidade na Europa. Na Mirabaud, gere dois fundos: o Global High Yield Bonds e o Global Strategic Bond Fund.