Os socialistas voltam a ir a votos, no ciclo de reorganização interna que termina com a eleição das lideranças das federações distritais do partido a 27 e 28 de setembro. Num aparelho que Pedro Nuno Santos tem controlado, há, no entanto, um “duelo fratricida” e “uma guerra civil”. A descrição é dos próprios socialistas que, quando pensam nas eleições que aí vêm concentram-se sobretudo no duelo entre pedronunistas em Aveiro e na guerra entre um apoiante de Pedro Nuno Santos e um de José Luís Carneiro em Braga.

Quem ganhar agora fica até novembro de 2026, lembra-se no PS como quem diz que é um caminho que, nas atuais condições políticas, parece ser mais longo do que aquele que é garantido para qualquer outro posto. Incluindo o de líder do PS. Nesse trajecto há autárquicas a organizar e a disputar, e ninguém sabe se não haverá também novas legislativas. Ainda assim, o partido tenta manter a unidade e, desta vez, são poucos os distritos onde há combates em curso.

Depois da traumática crise de 7 de novembro e da perda de poder que daí decorreu, o PS respirou nas eleições Europeias de junho passado com a vitória a permitir alguma paz interna a Pedro Nuno Santos. Com autárquicas no caminho, os partido quer tudo menos entrar em querelas internas — como o Observador contava já nas eleições das concelhias — e, agora, houve algumas tentativas para que existissem candidaturas únicas, o que foi conseguido em duas das três maiores federações. Mas foi impossível na de Braga.

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No Porto, Nuno Araújo, elemento muito próximo de Pedro Nuno Santos, não terá ninguém a desafiá-lo e em Lisboa, Ricardo Leão, que vem na linha do secretário nacional Duarte Cordeiro, também concorre sozinho. Já em Braga não há paz possível a ambicionar, com a guerra a ter a origem noutro tempos não muito longínquos — embora no partido se garanta que hoje a contenda já tem vida própria e interesses menos nacionais.

Certo é que Victor Hugo Salgado, presidente da Câmara de Vizela, é um pedronunista convicto ainda mesmo antes de Pedro Nuno Santos ser líder — chegou a concorrer como independente, zangado com o PS, à Câmara tendo voltado a concorrer pelo partido em 2021 — e Luís Soares é um apoiante de José Luís Carneiro. Nos últimos dois anos, à frente do PS-Braga tem estado Frederico Castro, também ele um apoiante de Pedro Nuno Santos e que apoia Salgado à sua sucessão.

Consoante o lado que conta a história, varia também o nome daquele que diz ter sido o primeiro a avançar para a corrida distrital depois de se saber que o atual líder estava de saída — numa tentativa de sacudir a responsabilidade por um conflito que pode deixar marcas. Mas quem avançou primeiro conta pouco quando no terreno, nesta altura, já correm acusações que vão diretas ao secretário-geral do partido que Luís Soares desconfia estar por trás da candidatura do seu oponente.

“Não quero acreditar na interferência do secretário-geral do PS na disputa em Braga, até porque Pedro Nuno Santos não vota em Braga”, diz Soares em declarações ao Observador e acusa o seu adversário de dizer aos militantes no distrito que tem o apoio do líder do partido.  “A questão tem de ser colocada”, diz ao Observador ao mesmo tempo que refere que as declarações de Victor Hugo Salgado sobre esse apoio “não foram desmentidas”.

“Mas não quero acreditar”, repete: “A direção deve ser equidistante”. Não quer, mas acredita, ainda que o adversário chute para canto a acusação. Ao Observador, Salgado diz que “a questão não faz sentido”, garante a “separação clara entre o que é nacional e o que é distrital” no partido e termina com uma pontada: “Parece uma desculpa esfarrapada para quem está a olhar para o processo eleitoral e percebe que não está a correr bem”.

Por trás da cizânia estão vários factores. É evidente que se tratam de nomes vindos de frentes opostas no PS, mas foi a elaboração das listas para os lugares de deputados na Assembleia da República que deixou carneiristas irritados com a direção — como o Observador contava em janeiro deste ano e com ameaças até de José Luís Carneiro. Luís Soares ficou mesmo de fora da Assembleia da República (e Barcelos e Famalicão também não conseguiram representação no Parlamento) e o ambiente não mais serenou. Um socialista lamenta agora que a “lista de deputados não tenha sido usada a seu tempo para mitigar problemas das concelhias”.

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“José Luís Carneiro só tem expressão em Braga e é por isso que há um desafiador desse lado nessa federação”, comenta um dirigente do partido numa análise do atual quadro. Há também quem impute ao antigo líder distrital Joaquim Barreto (também ele um apoiante de Carneiro), o verdadeiro impulso para esta disputa e a intenção que no partido lhe atribuem de querer candidatar-se à Câmara de Cabeceiras de Basto nas próximas autárquicas. De qualquer forma, na mercearia de apoios, é Salgado que, por agora, conta com os mais pesados: colhe a maioria das concelhias e dos autarcas socialistas no distrito.

O problema fratricida no distrito-berço do líder

A outra disputa mais preocupante para a paz interna surge no berço do pedronunismo, em Aveiro. A liderança socialista do distrito que é o círculo eleitoral de Pedro Nuno está a ser disputada pelo seu amigo de longa data e atual presidente da federação Jorge Sequeira e o ex-vice do mesmo Sequeira na federação, Hugo Oliveira.

“É um problema fratricida“, comenta ao Observador um dirigente socialista que conta que “haveria um acordo de transição” que não terá sido cumprido por Jorge Sequeira, tese que a candidatura de Sequeira desmente. “Se fosse uma traição, os militantes também não tinham ido todos atrás do traidor“, acrescenta o mesmo dirigente garantindo que Oliveira tem conseguido congregar apoios podendo ameaçar o atual líder do PS Aveiro.

Já a candidatura de Sequeira é dura sobre qualquer dúvida relativa a violações de um acordo, com fonte oficial a desmentir “categoricamente” esta ideia e a atirar à candidatura de Hugo Oliveira que diz ser “contranatura”, já que “uma pessoa em quem foi depositada confiança, que foi escolhida para vice e foi indicada para a lista deputados está a candidatar-se contra a pessoa que com ele trabalhou em equipa e que nele confiou”. A candidatura adversária é, assim, vista como “de mera sobrevivência política” e, diz a mesma fonte, “negligencia os presidentes de Câmara em funções” no distrito — que estão com a candidatura de Sequeira, garante-se na candidatura do atual presidente do PS-Aveiro.

A história do desentendimento entre os dois tem várias versões, esta, do suposto acordo de transição que não fora cumprido por Sequeira —  e outra mais favorável a um Jorge Sequeira que estava a preparar a última recandidatura quando foi “surpreendido”, contam dois socialistas, pelo desafio do seu próprio vice na federação. Está à frente da federação desde 2018, ano seguinte a ter conquistado a Câmara Municipal de São João da Madeira, uma candidatura promovida pelo então líder do PS-Aveiro, Pedro Nuno Santos. No tempo em que teve de correr nas duas pistas em simultâneo, no comando da Câmara e no da federação. Sequeira acabou por confiar a estrutura partidária ao seu vice, agora seu opositor.

Esta substituição foi aproveitada por Hugo Oliveira que se tornou, segundo descreve um socialista, “muito próximo do aparelho. Vai aos almoços e jantares, sabe lidar com os caciques“. A preponderância que ganhou na estrutura foi tão significativa que, na elaboração das listas nas últimas legislativas, chegou a estar no sexto lugar da lista por Aveiro, acabando por saltar para o quarto. Conclusão: foi eleito, ao contrário do nome que acabou por ficar no lugar em que estava, o ex-deputado Porfírio Silva.

Aveiro pode não ser a distrital mais central no PS, mas na atual liderança tem o peso simbólico de ser a terra do líder Pedro Nuno. E os envolvidos são figuras próximas do líder, pelo que a disputa ganha contornos delicados para o secretário geral que tem tentado manter distância, ainda que o seu nome esteja nas entrelinhas de ambos os candidatos. “Não quer meter-se, são amigos”, comenta ao Observador um dirigente do partido.

Em Leiria também há uma disputa entre pedronunistas, depois de ter sido tentada sem sucesso, segundou apurou o Observador, uma candidatura única de Gonçalo Lopes, o presidente da Câmara de Leiria. De quatro candidatos possíveis acabaram por ficar dois, Gonçalo Lopes que vai enfrentar a ex-secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho Pedro. Ainda assim, a sucessão de Walter Chicharro, que foi eleito deputado nas últimas legislativas, não traz o nível de preocupação das duas anteriores.

A contenda acaba por ser muito idêntica à que surgiu em Viseu, com José Rui Cruz a ter a sua liderança desafiada nestas eleições e pelo seu “maior apoiante”, na descrição de um socialista. Armando Mourisco é o presidente da Câmara de Cinfães e foi mandatário do atual presidente da federação, mas saltou do seu lado para tentar tomar o seu lugar no partido. “São duas visões diferentes e haverá duas necessidades a título individual para se apresentarem”, explica um socialista que conhece bem o distrito e que garante que ambos apoiaram Pedro Nuno na candidatura à liderança. Um tentativa de afirmação política que também esteve na origem de outra disputa num distrito mais abaixo. No Baixo Alentejo, Nelson Brito, atual presidente da federação, terá pela frente a candidatura de Tema Guerreiro, que foi deputada e vereadora na Câmara de Odemira. No último Governo PS foi adjunta da secretária de Estado da Igualdade e das Migrações.

O prazo para candidaturas ainda não está fechado no partido, com a direção a desejar que não surjam mais sobressaltos neste caminho. Pedro Nuno Santos conhece bem este terreno, preparou-se anos a fio, durante a liderança de António Costa, conseguindo semear apoios em pontos importantes da estrutura partidária ainda antes de chegar a secretário geral do PS — e isso deu-lhe vantagem significativa quando a disputa pela liderança se abriu abruptamente em novembro. Conhece bem as voltas da volta da carne assada do partido, e também lhe conhece as altíssimas sensibilidades, sobretudo quando há lugares em jogo no ciclo que se segue. Um socialista sintetiza os pés de lã que Pedro Nuno tem de ter neste próximo mês: “Não pode meter-se em nenhuma disputa até porque no dia seguinte tem de falar com todos e no ano que vem há autárquicas“. É um risco ter líderes distritais agastados com a direção nacional neste tempos tão delicados.

A este artigo foi acrescentada uma declaração oficial da candidatura de Jorge Sequeira, do PS Aveiro, no domingo às 23h30.