A segunda votação da investidura do líder do Partido Popular (PP) não trouxe a mudança por que Alberto Núñez Feijóo ainda poderia esperar. Em Madrid, no Congresso dos Deputados, os 350 parlamentares discutiram, votaram e, ao final da manhã, o líder popular voltou a falhar a maioria que lhe permitisse ser o próximo presidente do governo espanhol. Ao mesmo tempo, a mais de 600 quilómetros, o parlamento catalão passava uma resolução em que exige a autodeterminação da Catalunha e uma amnistia para todos os implicados na realização do referendo de 2017. Estas serão as duas principais exigências das forças independentistas para permitir que, gorados os planos de Feijóo, Pedro Sánchez seja reeleito presidente do executivo de Espanha.
Os socialistas (e o parceiro Sumar) têm tentado colocar água na fervura, avisando os partidos independentistas catalães de que estes devem agir com “responsabilidade” e que é importante respeitar o que está inscrito na Constituição espanhola, que não permite a realização de qualquer referendo para a autodeterminação de uma comunidade autónoma. Mas os apelos parecem ter caído em saco roto. Os grupos parlamentares do Junts Per Catalunya e da Esquerda Republicana Catalã (ERC) pediram, esta sexta-feira, no Congresso dos Deputados, a independência da Catalunha. “Não nos obriguem a estar neste país, estamos fartos”, chegou a dizer a porta-voz da ERC, Teresa Jordà.
Como funciona agora o calendário?
Durante a próxima semana, o secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, vai tentar chegar a acordo com várias forças políticas, à exceção do Partido Popular (PP), do VOX e da União do Povo Navarro (UPN), que se já demonstraram contra um governo de esquerda. O líder socialista vai tentar angariar o apoio de pelo menos 176 deputados, sendo para isso essencial convencer várias forças partidárias — desde as forças bascas às catalãs.
Simultaneamente, o Rei Felipe VI vai receber os líderes partidários (menos os da ERC, do Junts, da Eh Bildu e do BNG, que recusaram o encontro por não reconhecerem legitimidade à coroa espanhola) durante esta semana para tentar entender se há uma alternativa governativa viável à esquerda, tendo sempre em consideração que um executivo liderado pelo PP é um projeto fracassado. O monarca quer perceber os contornos de um eventual acordo e, neste contexto, deverá dar uma oportunidade (ainda que não esteja garantida) a Pedro Sánchez para que este tente uma investidura bem-sucedida.
Ainda sem ter conseguido garantir uma alternativa de governo consistente, os socialistas querem tentar uma investidura na terceira ou quarta semana de outubro, apontando para os dias 17 ou 24 de outubro (havendo duas sessões na primeira votação e, se houver necessidade, uma segunda votação). A data limite para formar governo é 27 de novembro — após essa data, o monarca terá de dissolver as cortes e marcar novas eleições.
Caso o atual chefe do governo espanhol falhe a reeleição — seja na primeira, seja na segunda votação —, o Rei Felipe VI terá de convocar novas eleições, cuja data já esta marcada: 14 de janeiro de 2024.
Com apoios pode contar Sánchez para a sua investidura?
Inequivocamente ao lado de Pedro Sánchez, num projeto comum para a formação de um governo progressista, está a coligação Sumar, liderada pela ministra do Trabalho em funções, Yolanda Díaz. Há outros partidos que parecem igualmente dispostos a dar luz verde a um novo executivo liderado pelo secretário-geral do PSOE: as forças bascas Eh Bildu e PNV e, igualmente, o Bloco Nacionalista Galego. Esta coligação de cinco partidos reúne 164 deputados, a 12 da maioria absoluta.
Para atingir o número mágico de 176, os socialistas precisam do apoio dos dois partidos independentistas da Catalunha — a ERC e o Junts per Catalyuna, que juntos têm 14 deputados eleitos. Logo após as eleições de 23 de julho, as duas forças partidárias aclararam que desejavam uma amnistia para todos aqueles que participaram no referendo ilegal organizado em 2017. Ainda que a ideia não tenha agradado a todos os socialistas (alguns duvidam da constitucionalidade da medida), Pedro Sánchez e a generalidade do PSOE pareciam aceitar esta cedência, justificando com a pacificação da sociedade catalã e também com a resolução do conflito político.
A ERC e o Junts per Catalyuna sempre deixaram no ar que queriam estabelecer as “bases legais” para um referendo de independência da Catalunha, mas o PSOE e o Sumar acreditavam que seria possível chegar a um consenso. Contudo, esta quinta-feira, as forças independentistas deixaram bem claro que exigem a autodeterminação. Uma exigência que ficou confirmada já esta sexta-feira, depois de o parlamento catalão (numa aliança entre ERC, Junts e a abstenção da Candidatura de Unidade Popular — este último partido sem representação parlamentar no Congresso dos Deputados) ter aprovado uma resolução para o efeito.
Como nota o El País, as resoluções aprovadas pelo parlamento catalão são de cumprimento obrigatório, mas, neste caso, têm mais um peso simbólico, já que aquele órgão não dispõe de poderes suficientes para obrigar o PSOE ou o Congresso de Deputados a agir. Mesmo assim, a votação desta sexta-feira envia uma mensagem a Pedro Sánchez de que o referendo terá de estar em cima da mesa se o líder socialista quiser chegar a acordo com as forças independentistas catalãs.
Em termos concretos, a resolução reafirma “a defesa do exercício do direito à autodeterminação” e ainda o “pronunciamento a favor de que as forças políticas catalãs com representação nas cortes não deem apoio a uma investidura de um futuro governo que não se comprometa a trabalhar para tornar efetivas as condições para a celebração do referendo”. Ao que tudo indica, as duas premissas serão duas claras linhas vermelhas nas conversações com o PSOE — que, ao prometer aquelas duas premissas, estaria a incumprir com a constituição espanhola.
No parlamento catalão, o Partido Socialista da Catalunha, o Partido Popular e o VOX votaram contra a resolução. O líder socialista da região, Salvador Ilia, já deixou o aviso às forças independentistas: “Se tiver de haver eleições, haverá. Não seria o desejável, não é o que convém nem à Catalunha nem a Espanha, mas a realidade é como é. Vamos explorar os caminhos que se devem explorar, sem dar nada como garantido.”
As exigências de um referendo também motivaram reações fora da Catalunha. O líder da concelhia do PSOE de Madrid, Juan Lobato, assegurou que os socialistas vão garantir o cumprimento da Constituição, que não permite “de nenhuma maneira um referendo, a não ser que votem todos os espanhóis”. Citado pelo El País, o responsável político da capital espanhola vincou que, a ser realizado um referendo, “todos os espanhóis tinham de votar”. “Sobre o futuro de uma parte de Espanha, temos de decidir todos os espanhóis: não há outro caminho.”
De igual modo, o Sumar, que tem desempenhado o papel de intermediário nas negociações entre o PSOE e as forças independentistas, deixou críticas às exigências da ERC e do Junts. O porta-voz do partido, Ernest Urtasun, expressou um “certo mal-estar” com a decisão dos independentistas. “Parece-nos que, quando um negoceia, tem de fazê-lo com seriedade e responsabilidade”, indicou o responsável, garantindo ainda que um referendo nunca esteve na mesa das negociações.
Colocando Pedro Sánchez entre a espada e a parede, os socialistas esperam que as forças catalãs abandonem uma posição tão radical — esperando que esta jogada seja apenas um bluff — e se tentem moderar. Caso contrário, e sem o apoio dos dois partidos, será impossível formar um novo governo e Espanha de novo a eleições.
A direita e o não de Feijóo a uma abstenção
A alternativa à direita, que incluía essencialmente o PP e o VOX, saiu derrotada nas duas sessões de votação da investidura. A esperança dos dois partidos é agora a realização de novas eleições. Alberto Núñez Feijoo resumiu as duas possibilidades possíveis na cena política espanhola: ou uma ida às urnas, ou um “governo de mentira”.
Durante o discurso no Congresso dos Deputados, o líder do Partido Popular repetiu por inúmeras vezes que estava ali para apresentar uma “alternativa de governo viável”, reconhecendo, contudo, que seria difícil ser investido. Ainda assim, ciente de que não será fácil para o adversário socialista formar governo, Alberto Núñez Feijóo tentou mostrar-se como um político seguro e assertivo, que está disponível para disputar novas eleições em janeiro. “O PP dá segurança as espanhóis”, afirmou o galego, que disse que as duas votações — mesmo que fracassadas — “valeram a pena”.
Além disso, contribuindo para a realização de novas eleições no caso de o PSOE não chegar a acordo com os catalães está o facto de Alberto Núñez Feijóo ter garantido que o Partido Popular não se vai abster numa possível investidura de Pedro Sánchez, votando contra. Se os populares decidissem optar pela abstenção, isso poderia levar à formação de um governo de bloco central, liderado pelos socialistas.
Alberto Núñez Feijóo justificou a decisão com o facto de o PP ter sido o partido mais votado e não ter visto vontade, durante as duas votações da investidura, por parte dos socialistas de chegarem a acordo com os populares. “Seria cínico que nos pedissem para nos abstermos”, atirou o popular esta sexta-feira.
Novas eleições: um PP unido e um PSOE que nem sequer pensa nessa possibilidade
Com os partidos de direita garantidamente fora de jogo, um eventual falhanço de uma investidura de Pedro Sánchez levaria inevitavelmente a novas eleições. Nesse cenário, o PP procura manter-se unido para tentar ganhar quatro deputados à esquerda — os suficientes para conseguirem atingir a maioria absoluta no Congresso dos Deputados, isto se o VOX se mantiver ao seu lado.
Embora Alberto Núñez Feijóo tenha saído derrotado das duas votações, isso não significa que o PP esteja descontente com o seu líder. Muito pelo contrário: esta tentativa de investidura solidificou a sua posição enquanto presidente do partido. Segundo apurou o El Mundo, existe a convicção no quartel-general dos populares de que o galego terá a sua oportunidade de liderar Espanha “mais cedo do que tarde”.
Com uma unanimidade em redor de Alberto Núñez Feijóo, o PSOE tem sugerido por várias vezes que o popular está fragilizado — e tenta lembrar as aspirações da presidente da comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, que nunca escondeu que um dia gostaria de chegar a líder do PP.
Ainda esta sexta-feira, parte da intervenção do deputado socialista Óscar Fuente foi dedicada a sublinhar a alegada fragilidade de Alberto Núñez Feijóo dentro do PP. Acusando o galego de ter apostado nesta tentativa de investidura para se “coroar” e ganhar força enquanto líder dos populares, o militante do PSOE desafiou-o inclusivamente a convocar eleições primárias: “Para fortalecer a sua posição dentro do partido, convoque uma primárias. Atreva-se. Aprenda alguma coisa com Sánchez.”
Isabel Díaz Ayuso tem sido o nome apontado pelos rivais para a sucessão dentro do PP, mas a presidente da comunidade de Madrid já veio, pelo menos para já, rejeitar essa possibilidade, acusando o PSOE de inventar um “confronto” entre ela e Alberto Núñez Feijóo.
Da parte dos socialistas e também do Sumar, a realização de novas eleições nem sequer é hipótese — nem entra nos discursos dos dois partidos. Pedro Sánchez já garantiu por várias vezes que haverá um “governo progressista” em Espanha, enquanto Yolanda Díaz se mostrou, esta sexta-feira, igualmente convencida de que isso acontecerá.
Com as eleições a serem sempre uma possibilidade no horizonte que agrada particularmente à direita, a esquerda parece insistir que haverá um governo progressista, mas os independentistas têm complicado as contas ao PSOE e ao Sumar — e um consenso parece ser cada vez mais improvável.