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É caso para dizer: rebenta a bolha. Não sei se vocês são do meu tempo e usavam a expressão “rebenta a bolha”. Uma expressão que era uma espécie de botão de reset, utilizado quando a brincadeira descambava por algum motivo, fosse alguém ter-se magoado, ter feito batota, ou simplesmente porque o Cajó estava a ganhar e ninguém quer isso.

Esta expressão é duplamente adequada para descrever esta edição do Festival. A Eurovisão é, hoje em dia, muito mais do que um concurso musical. É uma bolha de alegria, glitter e cabelos esvoaçantes, onde tudo é permitido. Um espaço de liberdade artística, livre de julgamentos, não poucas vezes com o seu quê de bizarria, sejamos honestos. Mas essa é também a magia do Festival, onde por exemplo seria possível este ano ver um pássaro azul gigante como teclista, não fosse o concorrente holandês, Joost Klein, ter sido expulso.

Protestos contra Israel, reuniões de emergência, o apelo de iolanda e a vitória da Suíça: a história da Eurovisão mais politizada de sempre

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Assim se une um continente, uma vez por ano, à volta do maior evento televisivo não-desportivo do mundo.  Porque na Eurovisão vale tudo… Tudo, menos política. Como comecei por dizer, à 68ª edição do Festival, a bolha rebentou e o conflito israelo-palestiniano ganhou palco, por muito que os organizadores tenham tentado de todas as formas ignorar o elefante azul e branco na sala e não tenham ouvido o coro que pedia que Israel fosse afastada do concurso, tal como a Rússia em 2022. Como resposta, a European Broadcasting Union usou a boa e velha tática de assobiar para o lado. Uma tática com resultados comprovados em muitas situações, mas bastante falível como se veio a verificar.

Após uma alegada altercação com um membro feminino da produção, o concorrente holandês foi afastado da competição e a organização jura a pés juntos que nada teve a ver com o momento de tensão entre Joost Klein e a concorrente israelita. Relembro que Eden Golan foi questionada na conferência de imprensa da passada quinta-feira, sobre a sua responsabilidade pelo maior nível de alerta terrorista que se vive em Malmö. Quando o moderador da conferência afirmou que Eden não era obrigada a responder, Joost questionou “Porque não?”. E a partir daqui, meus amigos, foi a chamada shit storm. De tal forma que eu já vou no quarto parágrafo e ainda não escrevi uma linha sobre as canções a concurso.

Suíça venceu a Eurovisão. Portugal, com o “Grito” de iolanda, ficou em 10º

Então, vamos ao que interessa,  apesar de me parecer que não é a música que mais interessa discutir depois daquilo que se passou, mas é ela que faz centenas de milhões de telespectadores ligar a televisão nesta noite que me trouxe aqui. Por ordem de pontuação, aqui vamos nós:

Suíça

Nemo: “The Code”

Suíça, a neutra, fez-se representar por uma pessoa não-binária e ganhou a Eurovisão. Acham coincidência, eu acho a vitória da coerência. Parabéns ao Nemo… E antes que venha para aqui alguém fazer uma piadola rançosa e dizer que se Nemo se identificasse como peixe é que era, podem dar meio volta que isto é o Observador, mas eu não sou o Alberto Gonçalves. Dito isto, foi uma performance impressionante, a rampa em palco trouxe qualquer coisa de Sísifo a esta atuação. Ah, pois é. Ah, pois é referências a mitologia grega num artigo sobre a Eurovisão. É para verem o range desta menina.

Croácia

Baby Lasagna: “Rim Tim Tagi Dim”

Era a favorita nas tendências. Também estava no meu Top 5. Na verdade, o croata ganhou-me logo com o nome. Baby Lasagna é nome vencedor, ou não? Foi das performances com maior feedback do público. Temos animal de palco, senhoras e senhores. Fez-me lembrar bastante o Mozart no Amadeus de Milos Forman. Vão lá ao Google ver se eu não tenho razão. Este foi o meu momento Rui Pedro Tendinha. Espero que tenham gostado.

Ucrânia

alyona alyona & Jerry Heil: “Teresa & Maria”

Em equipa que ganha não se mexe, pensaram os ucranianos e voltaram a trazer uma canção do género de Stefania, que lhes deu a vitória em 2022: um tema que junta o hip hop, a pop e os ritmos tradicionais no país. Spolier alert: não resultou. Não ganharam, apesar de um honroso terceiro lugar. Não se pode dizer que a música seja má, porque não é. Mas soube-me um pouco a requentado, não vou mentir.

França

Slimane: “Mon Amour”

Ora aqui está, aquilo cujo nome técnico é “cantiga de dor de corno”. E das boas. Fiquei com vontade de incentivar o meu marido ao adultério, só para a apreciar condignamente. Não fiquei nada, era humor. Ele que se atreva! Mas voltemos ao que importa. O concorrente tem um vozeirão e não se coibiu de o exibir num momento a capella, bem bonito de se ver. Não ganhou, mas foi certamente memorável. Achei gatinho, também. Foi oversharing? Peço desculpa.

Israel

Eden Golan: “Hurricane”

Este é um certame apolítico, como a organização fez questão de reiterar inúmeras vezes, para não dizer que impôs, reprimiu e censurou os concorrentes. Dado o exposto, eis o que se me oferece dizer sobre a participação israelita: para fazer um bom Bacalhau à Brás, é importante começar com um bom refogado. Deixar a cebola alourar até à transparência e depois juntar o bacalhau desfiado e a batata palha. Truque para ficar cremoso: juntar os ovos fora do lume. Não esquecer a salsa picada e uma outra azeitona preta. Bom apetite.

Irlanda

Bambie Thug: “Doomsday Blue”

Eu não queria julgar. Não queria mesmo. Mas na verdade foi para isso que me chamaram. Ora bem: diz que a vocalista se identifica como bruxa, e eu acredito. Ó se acredito! Para mim, tinha ficado em último, confesso. Não é de todo o meu género musical, o satanismo também não é assim atividade que me pareça uma boa maneira de passar os tempos livres. Mas talvez seja um caso de “o problema não és tu, sou eu”. Mas Bambie Thug, deves ser uma joia de moça. Vira esse feitiço para lá, por obséquio.

Itália

Angelina Mango: “La Noia”

Noia é a palavra italiana para tédio, ficam a saber. Só para dizerem que não saem daqui sem aprender qualquer coisita. A concorrente soou-me um tanto ou quanto a Rosalía… Se fosse italiana. E não soubesse cantar. E fosse meio foleira. Mas está tudo bem com isso. Que é o que se diz quando estamos a julgar alguém, mas queremos parecer melhores pessoas do que realmente somos. Verdade seja dita: parece um bom tema para ouvir à beira de uma pista de carrinhos de choque.

Arménia

LADANIVA: “Jako”

Outra das minhas favoritas. Super possível de ir parar ao meu Spotify, o tema da Arménia pôs o público a cantar em coro, a vocalista não parou nem um bocadinho, que até me estava a cansar só de olhar e a banda encheu o palco de festa, com um cheirinho a Kusturica no ar. Se gostam de música balcânica, são meninos para gostar disto. E sempre deu para desenjoar do inferno de Eurodance que foi esta noite.

Suécia

Marcus & Martinus: “Unforgettable”

Chamam-lhes os “Anjos” suíços. Na verdade não chamam, mas eu adorava. A Suécia trouxe um par de gémeos imberbes, com qualquer coisa de Justin Timberlake. Mais uma certa azeitice, do que propriamente o talento, mas é o que é. Um tema de electropop dançável, expressão quase tão usada na Eurovisão como o Grindr. Os rapazes cantaram e dançaram de forma competente, mas é seguro dizer que a música não fez jus ao nome: bastante esquecível.

Portugal

iolanda: “Grito”

Se é a melhor música de sempre? Não acho. Se faz o meu género? Nem por isso.. Se vou dizer que merecia ganhar e desafio para andar à pancada quem disser o contrário? Pois, com certeza que sim. Venham eles. iolanda prometeu e entregou uma performance segura e competente, que entusiasmou a arena sueca. Um mui digno décimo lugar. Bravíssima!

Grécia

Marina Satti: “ZARI”

Não resisto a citar o arqui-inimigo de Jorge Martinez, que catalogou este tema como Gregétton. Touché, Nuno Galopim! Mas devo dizer que esta música me levou mais para terras tugas, do que helénicas, até porque nunca pus os cotos na Grécia, logo não tenho referências por aí além. Senti, sim,  tropical urbano. A Marina tem qualquer coisa de Ana Malhoa, se tivesse nascido mais perto do Acrópole do que do Colombo. Levou um lencinho para limpar as lágrimas das inimigas. Achei tudo.

Alemanha

ISAAK: “Always On The  Run”

Como é que hei-de dizer isto sem ser desagradável… Deixem-me pensar. Refletir um pouco. Não quero fazer uma avaliação precipitada, até porque não quero ser mal interpretada. Até porque… Vocês percebem… Bom, vamos a isto então: chato, chato, chato e chato. E mais uma coisa: muito chato. Acho que é isso. Se a música é péssima? Não. Se o rapaz tem boa voz? Ah, pois tem. Se a música é banal que dói? Na minha modestíssima opinião, sim.

Luxemburgo

TALI: Fighter

Desde 93 que Luxemburgo não ia à Eurovisão. E logo se lembram de voltar no ano em que deu barraca. Excelente timing, hein? Veremos se não estão mais três décadas sem por cá os pés, só por causa das coisas. Posto isto, a música é simpática, “ela é muito fresquinha”, segundo José Carlos Malato e tem umas tranças primorosas. Mais do que muitos dos artistas que estão no cartaz do Alive. Disse.

Lituânia

Silvester Belt: “Luktelk”

Foi das minhas músicas favoritas da primeira semifinal. Diz que fala sobre saúde mental, e que o Silvester foi vítima de homofobia. Eu não percebi nadinha, que o meu lituano não é dos melhores, confesso, mas acredito que a mensagem seja muito linda. À parte disso, abanei bastante a perninha e achei que dispõe bem. Só acho um pouco lamentável, o rapaz usar uma espécie de carica dobrada na cana do nariz, mas artistas…

Chipre

Silia Kapsis: “Liar”

Ora, sai mais uma travessa de electropop dançável para a mesa do canto. Não lhe apetecia, freguês? Mas olhe, é o que há. Peço desculpa por este pequeno momento de revista à portuguesa, deixei-me ir. O que dizer sobre a cipriota? Muito pouco mais que isto. Tem qualquer coisa de Britney Spears, mas na altura do Oops, I did it again. Não nesta fase que passa a vida a fazer vídeos num Instagram a imitar um pião em cuecas.

Letónia

Dons: “Hollow”

O concorrente letão faz-me lembrar imenso o Yul Brynner, que faz de Ramsés no clássico pascal Os Dez Mandamentos. Se isto tem algum tipo de interesse? Provavelmente, nenhum. Mas a canção da Letónia também não. O intérprete terminou a performance em lágrimas. Eu, da minha parte, também fiquei com os olhos marejados. Mas foi de sono.

Sérvia

TEYA DORA: “RAMONDA”

Não estava nada à espera que a Sérvia chegasse à final, devo dizer. Sentadinha numa rocha, meio Pequena Sereia com ar de ansiosa crónica e zero joie de vivre no olhar. Ah, pois é, não toco piano, mas falo francês. Mas isto não é sobre mim. Mas também não é sobre a Teya. Definitivamente, não fica para história.

Reino Unido

Olly Alexander: “Dizzy”

Pois devo dizer que gostei muito da série It’s a Sin protagonizada pelo concorrente que representou o Reino Unido, que dá um show de interpretação, devo dizer. Pronto, e os elogios ficam por aqui. Não tenho nadinha de bom para dizer sobre esta música. Olly, filho, foca na representação. Conselho de amiga.

Finlândia

Windows95man: “No Rules!”

Não houvesse uma iolanda, se eu faria campanha por estes malucões destes finlandeses? Certamente. Se dizer isto publicamente, pode induzir o leitor em erro e fazê-lo crer que consumo substâncias ilícitas? Terei que lidar com as consequências das minhas escolhas. A minha performance favorita do festival contém um ovo gigante forrado a ganga, de onde sai um homem apenas com um boné e um croptop. O que é que há aqui para não amar?

Estónia

5MIINUST x Puuluup: “(nendest) narkootikumidest ei tea me (küll) midagi”

Hip hop com new folk soa a uma mistura tão feliz como alheira com ovos moles. Neste caso, acho que este cadáver esquisito até funcionou. A coreografia parece saída da uma VHS de aeróbica da Raquel Welch, mas feita por um bando de marmanjos de fato tem muito mais graça. Um dos vocalistas tinha qualquer coisa de Valter Hugo Mãe. Gostei médio.

Geórgia

Nutsa Buzaladze: “Firefighter”

Então, o que é temos aqui? O chamado “outra vez arroz”. É electropop coiso, é. Desta feita, servida por uma Princesa Xena em dourados que desafinou que foi um mimo. E o torrar de dinheiro em pirotecnia nesta atuação, que vocês sabem lá. Dava para assar um porco no espeto naquele palco. Olha, era original ou não? Fica a ideia. Esta é de borla, não digam que vão daqui.

Espanha

Nebulossa: “ZORRA”

Muito se comentou sobre o fio dental dos bailarinos espanhóis. Curiosamente, aqueles que tanto se vexaram com as nalgas de nuestros hermanos, nunca se indignaram com semelhante exposição epidérmica, nos últimos 10 para 20 anos, por mulheres das mais diversas nacionalidades. Critérios…  A Malmö Arena pareceu apreciar muito esta Zorra, apesar de uma certa desafinação exibida pela Cinha Jardim espanhola. Os Nebulossa dizem que fazem rock fúcsia. Confesso que não dei pelo rock.

Eslovénia

Raiven: “Veronika”

“Esta concorrente é uma espécie de alquimista da música, seja lá o que isso for”. Ó Malato, então se não sabes o que isso é, não dizias não era? Bom, posto isto, ora aqui está uma música de que eu não gostei nem um bocadinho que seja. Mais uma que apostou na temática da bruxaria, à semelhança da Irlanda. Podia-lhes dar para pior? Não estou a ver como.

Áustria

Kaleen: “We Will Rave”

Eu não queria repetir-me e posso ter a minha quota parte de responsabilidade, mas meu amigos, é mais uma Eurodance. Que ainda para mais é um género que eu nunca apreciei. Com uma exceção. Claro que estou a falar de Santa Maria, what else? Só que eles são uma espécie de eucalipto musical, pelo secaram este género para mim, não vou mentir. E se não estão neste preciso momento a trautear mentalmente “Falésia do Amor, vertigem, magia em mim”, vocês não têm alma.

Noruega

Gåte: “Ulveham”

Sabem o que se me apraz dizer depois de ouvir o tema norueguês? Evanescence, filhos, voltem que estão perdoados. Estava a brincar, não voltem. Por favor, deixem-se lá estar. Mas estes também não. Mau a valer. A vocalista contorceu-se como se tivesse uma pedra encravada na uretra. E também soou a isso. Curiosamente, tinha um calhau em palco, onde se foi apoiando durante a performance. It’s a no for me e foi um no geral. Último lugar.

E foi isto, pessoas bonitas. Fiquei com um pouco de pena de Nemo, apesar de ter levado a taça. Porque não é por ele que este festival vai ser lembrado, tenho poucas dúvidas. O ano em que as ruas da cidade anfitriã se encheram de cores. Não as do arco-íris, mas o negro, branco, verde e vermelho da bandeira da Palestina.

Susana Verde é guionista